Escritor
Ao calor de memórias, em conjeturas antitéticas e raciocínios controversos ele sorvia a manhã e considerável fração da vida.Todo dia parava ali, no mesmo café, e iniciava o ritual. Abria o caderno, escrevia, tomava um gole de capuccino, mais algumas letras, goles, depois horas, dias, anos e livros. Dia após dia, no que pensava ser libertação e arte.Dia após dia, alheio a própria condição de alienado.Passaram-se semanas, meses, anos...O tempo lhe trazia livros, livros e livros- que não passavam de aglomerados de letras articuladas por um alienado.Dia após dia, enclausurado pela rotina, pelas letras, pelo pensamento.Dia após dia, o tempo implacável, a monotonia implacável.
Uma manhã como qualquer outra.Abriu os olhos.Tudo ali, rotineiro e em preto e branco, inodoro e morno.Papel, livros- que importa?Monotonia, rotina, letras.Entrou no mesmo café, iniciou o ritual.
Mas quando saiu do café, diante de si precipitou-se um vaso de flores.Resolveu olhar pra cima.Nada viu senão o céu, e algo bizarro nesse céu: vários signos desdobravam-se no imenso azul.O azul intenso zombava das cinzas da Cidade.Abaixou um pouco o olhar e avistou uma escada no horizonte.Caminhou um pouco e chegou à escada.Incrédulo, ainda mergulhado no oceano de ignorância em que se metera, iniciou longa subida.Ao longo da subida, iam surgindo as cores, os aromas, a luz, o sabor.Cerrou os olhos.
Quando os descerrou estava no café e tinha nas mãos um livro.Pousou o olhar perplexo nas linhas.Empalideceu.
Ali estava sua monotonia e alienação, e as minúcias de sua vida.No lugar desse exato momento, apenas uma palavra: liberdade
|