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Artigos-->o imaginário da solidão -- 25/03/2002 - 01:39 (josé osimar gomes de lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O IMAGINÁRIO DA SOLIDÃO



José OSIMAR Gomes de Lima



Se estar só já é uma condição socialmente angustiante para o escritor, imagine, o que significa ser solitário. Certamente, a vida cheia de papéis a ser desempenhados, obrigações, costumes, carências e desejos afetivos nos coloca num turbilhão existencial, que em muitas vezes, acaba tornando as relações sociais, monótona e vazia, outras vezes, conflitiva e violenta. É esse sentimento de está no mundo e que o mundo nem sempre está no indivíduo influencia os homens ao drama de ter que se refugiar, porque, nem todos os desejos poderão fruir, uma vez que ameaçarão a moral e os bons costumes da sociedade.

Machado de Assis, na obra Relíquias de casa velha publicada em (1906) escreveu uma crônica fantástica sobre a solidão que surpreende pela sensibilidade com que trata o tema. Trata da história de Bonifácio, solteirão de 45 anos, que após visitar seu parente Tobias, um homem estranho, filósofo, que passava seu tempo solitariamente, decide passar pela experiência da solidão. O objetivo do refúgio de Bonifácio era, conforme suas palavras, “ descansar da companhia dos outros”. Por conseguinte Tobias via a solidão como um instante ativo e positivo. Ao ser questionado sobre o prazer de ficar na solidão, assim responde este. “Trago um certo número de idéias; e, logo que fico só, divirto-me em conversar com elas. Algumas já vem grávidas de outras, e dão à luz cinco, dez, vinte e todo esse povo salta, brinca, desce, sobe...”. A solidão machadiana através de Tobias é um devaneio da vontade, um energetismo ativo, restaurador de nossa intimidade construtiva do tipo bachelardiana.

O fracasso da tentativa de Bonifácio durou apenas dois dias. Ele teve todas as impressões da solidão. A passagem seguinte é reveladora: “Às 8 horas, indo dar corda ao relógio, resolveu deixá-lo parar, a fim de tornar mais completa a solidão...”. A teoria de Bonifácio era que “as impressões que se repetem são as únicas que verdadeiramente se apossam de nós. Na chácara de Andaraí a impressão era una e única”. Porém, as impressões que Bonifácio tinha antes do isolamento contava com um universo de relações, onde a convivência que era essencial não se apagou. O que fez com que este voltasse ao convívio com os outros. Dias depois encontrou Tobias e lhe contou o que acontecera e que não conseguira ficar mais de dois dias. Tobias respondeu que faltara algo muito especial no estado de solidão que são as idéias.

Não é a toa que a solidão se tornou um dos temas preocupantes na reflexão das diversas ciências humanas. A solidão que emerge no século XVIII está articulada numa rede de poder entre sujeitos individualizados. Foucault, através da obra Vigiar e Punir, localiza a solidão no ambiente individual das estruturas das prisões, escolas, hospitais. A solidão tem um papel corretiva e disciplinar que na consciência dos sujeitos. Na compreensão de Foucault, a solidão tem a capacidade de suscitar uma consciência do ato praticado e, de outro lado, o “remorso”, o constrangimento, a lapidação da identidade. A solidão é, pois, a medula de todo o sistema penitenciário onde se exerce sobre o indivíduo um processo de “auto-regulação da pena”. A prisão tem uma função político-moral ao ter como base, a solidão do encarcerado, pois, este é o primeiro princípio. Só em sua cela, o indivíduo teria a oportunidade de baixar até ao fundo de sua consciência e pensar na conseqüência de seus atos.

A solidão apareceu como um forte dispositivo das grandes mudanças civilizatórias da sociedade. Mas, a mesma é empregada para outros fins, conjuntamente com o trabalho, que livra-nos como nos diz um poema, do vício, do tédio e da necessidade. Na sociedade, ou seja, na convivência com outros homens, a solidão pode vir a diminuir, mesmo que não desapareça. Naturalmente podemos enfatizar que o trabalho vai ser um complemento ao encarcerado na prisão.

A psicanálise, nascida com Sigmund Freud, também abordou a questão da solidão. No livro O mal-estar na civilização, Freud, acredita que a solidão reflete nossa fuga para evitar o sofrimento no relacionamentos com outros. Por outro lado, Karl Jung aponta que ao homem moderno falta-lhe uma audição sensível que poderia fazer ouvir a sua voz interior. Aquela voz provinda da camada impessoal da alma que ele chamava de inconsciente coletivo. Um neurótico, portanto, é aquele que perdeu o senso de captação das mudanças no mundo, ou seja, é aquele que tem medo de tudo e de todos, até de si mesmo.

Até agora vimos a negatividade que a solidão apresenta. Mas é possível encontrar uma outra face, mas positiva e restauradora. A solidão, para o filósofo Gaston Bachelard, não é negativa. Ao contrário, ela solidifica as paixões ‘no século’. nos estados de paixão e solidão o ser é capaz de experimentá-las e então explodir e fazer diversas “façanhas” que as mesmas proporcionam. Para Bachelard que viveu quase a totalidade de sua vida no campo, a cidade urbana avançada parecia tensa, agitada, fragmentária e individualista. Contudo, é possível encontrar um lugar portador de uma solidão ativa. Na sua compreensão os espaços de nossas solidões passadas são indeléveis, além de constituivas de nossa parte humana especialmente quando “sofremos a solidão, desfrutamos a solidão, desejamos a solidão, comprometemos a solidão...” A solidão só é negativa quando não se tem memória, idéias e identidades individual e coletiva. Assim, através da solidão, descobrimos a vontade de encontrar os nossos eus que escondem-se nos outros.



José Osimar Gomes de Lima, professor de sociologia (UERN); professor de c. política (Mater Christi) e membro do grupo de estudos do pensamento complexo.

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