Usina de Letras
Usina de Letras
81 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62243 )

Cartas ( 21334)

Contos (13266)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10369)

Erótico (13570)

Frases (50639)

Humor (20032)

Infantil (5440)

Infanto Juvenil (4769)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140811)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6197)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O Natal dos covardes -- 11/10/2002 - 15:45 (Paulo Eduardo Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Natal dos covardes




Era noite de natal, e eu estava sozinho. Resolvi sair para dar umas voltas. Entrei na Máquina do Mal e acabei parando no Münchencurral. Um meninão esperou eu sair do carro e pediu para cuidar. Falei para ele que se quisesse cuidar que cuidasse, mas eu não tinha dinheiro. A Máquina do Mal é um carro velho, e desde que caiu nas minhas mãos eu só fiz cagada, então ele hoje está riscado e torto, com vários amassados e uns três tons diferentes na cor da pintura. As pessoas que eu conheço, em geral, dão dinheiro para os cuidadores de carro por medo de que eles risquem a pintura ou amassem a lataria. Esse é um medo que eu não tenho. Não que eu não dê dinheiro para os cuidadores. Quando eu tenho eu dou, e às vezes, se estiver muito contente ou muito bêbado, eu só puxo o que estiver no bolso e entrego. Não fico contando os miúdos, só puxo um punhado de moedas ou umas notas amassadas. Dependendo da sorte, o cara pode sair com quinze centavos ou dez reais. Quando estou sem dinheiro, dou passes ou camisinhas que estão pelo carro. Uma vez entreguei um cinto que alguém esqueceu no banco de trás. É que eu acho que a vida é uma bosta para quase todo mundo no nosso país, então não ligo de repartir a mixaria que ganho. E isso é, em grande parte, a causa da minha lastimável situação financeira. Isso mais a rebeldia e a dignidade, que me impedem, cada uma por sua vez, de trabalhar como empregado para algum explorador semi-analfabeto e estúpido ou poupar como uma formiga, na esperança de um dia estar em condições de me tornar um explorador estúpido. Sigo um princípio de vida simples que pode ser resumido como: “Antes pobre que mesquinho”, ou ainda, “Antes pobre, feio, fedido, porco, sujo, mal falado, arrebentado, inútil, podre, merda, etc...; do que um medíocre iludido”.Claro que eu tenho medo que roubem meu carro. É um prejuízo com o qual não posso arcar no momento. Mas uso uma solução engenhosa. A máquina sempre circula com o tanque quase vazio. Não dá para andar mais que uns poucos quilômetros com ela. Quando acaba a gasosa, eu largo ela e vou a pé.
Então falei para o cuidador que não poderia pagá-lo. E ele se foi. Dei umas voltas no Curral e encontrei uns amigos meus que guspiam para cima. Um guspia e outro pegava na boca. E assim ia se formando uma bolona de guspo, até que alguém errasse e o guspão estourasse na cara dele. Aí todo mundo ria e dava umas pancadas no cara, e eles começavam de novo. Eu perguntei para eles se alguém tinha gole, mas não, a pira era outra, uns comprimidos alucinógenos. Boa pira, boa pira! Mas eu já passei por umas experiências ruins com comprimidos, e nem que eles tivessem oferecido eu quereria. Então eu pensei: “Vou pelo caminho de casa, se achar alguém, beleza, se não achar, vou dormir.”
Quando cheguei no carro tinha um cachorro quente espatifado no pára brisa. Acho que o guardador acabou querendo se vingar, mas me fez um favorzão, pois na fome em que estava, juntei tudo e comi.
Numa praça ali do centro eu vi uns caras que tomavam alguma coisa. E eles estavam bem alegres. Conversavam alto e riam e berravam com força para cada carro que passava:
--Feliz Ano Novo!
--Feliz Páscoa!
--Ai uíche iú a merri xtmas ai uíche iú a merri xtmas ai uíche íu a merri xtmas ena rapi níu íer!
Gritaram para mim e eu achei graça, e resolvi parar e fazer amizade. Uma empreitada sem garantias de sucesso, pois eram quatro caras bêbados, e geralmente eles não dividem sua bebida com estranhos mesmo se rolar “intéra”. Mas eu levei sorte. Eles eram meio novões, um me conhecia de vista e tinham duas garrafas de um negócio que eles diziam ser uísque, sendo que uma estava fechada e da outra eles tinham tomado dois terços. Conversei e bebi com eles.
O maior era o Lagosta, e tinha a cara vermelha, não sei se naturalmente ou por causa da bebida. Não sei dizer porque nunca encontrei o Lagosta sóbrio. Tinha um que se vestia como o Jim Morrison, um com cara de hiena, e outro que ficava apenas caindo de bêbado. Era o bêbado quem dizia ma conhecer, e embora não pudesse confiar muito nele pelo estado em que se encontrava, concordei para ser amigável. Na metade do segundo “uísque”, eles gritaram para um Uno, que respondeu. E o uno parou e de dentro saíram uma loira gordinha e um viadinho motorista. E eles todos se conheciam, e a loira queria beber, mas achou forte e comprou refrigerante para misturar. Agradecemos, e quando a bebida acabou embarcamos os sete no Uno para dar um passeio. O viadinho no volante, a loira e o Jim no banco do passageiro e os outros quatro atrás. Do jeito como estava, a bunda da gordinha ficava bem no vão entre os bancos e isso excitou a galera, que começou a meter a mão. E ela, que era fraca para o gole, esqueceu de disfarçar o quanto estava gostando. Enquanto ela rebolava e gargalhava, o Jim tentava tomar posse da bundona só para si, mas desencorajado devido aos inúmeros beliscões que recebeu dos caras, decidiu partir para as tetas da polaca. Nessa altura o viadote ficou irritado, ou preocupado, ou com inveja, e parou o carro e pediu para a gente descer. E os caras começaram a ficar nervosos, mas a bicha passou a mão num revólver que ela carregava no carro e todo mundo se acalmou. E ele pegou a loira, pôs no carro e se mandou. Ou eles eram muito amigos, ou ele não era tão bicha assim.
De qualquer modo nós tínhamos um bom trecho para andar, e embora eu estivesse mais perto de casa do que da Máquina, como ainda eram três horas eu resolvi ir para o centro. No meio do caminho nós encontramos dois caras, e não sei por que cargas d’água eles começaram a nos xingar e chamar para porrada. Eu olhei bem para os dois. Um andava como um pingüim, com as pernas juntas, e não agüentaria com qualquer um de nós sozinho. O outro era maior, parecia perigoso, mas teria que se virar contra quatro caras. Fomos cercando eles, e o perna junta meteu a mão para trás, como se fosse puxar uma faca ou um berro. Se ele tivesse alguma coisa já teria puxado antes, mas por via das dúvidas puxamos os cintos e pegamos pedras e garrafas. O grandão foi se afastando e o outro, sozinho, começou a se desesperar. Pudera! Não podia nem correr, quanto mais brigar contra cinco.
Foi aí que o cara bêbado, que dera uma melhorada graças à adrenalina falou:
-- Ô moçada, deixa o cara vazar na boa, é Natal.
Todo mundo se olhou e alguém disse:
-- Vai embora Marcão.
E ele foi, tropeçando. Parecia cagado. Quase na praça, vimos uma aglomeração. Um sujeito tinha sido esfaqueado. Nem todo mundo tinha o nosso espírito natalino. Os caras concordaram em por uma gasosa e compraram Fandangos e refri. Fomos ver o sol nascer em cima de uma árvore, lugar muito utilizado pelos arrombadores que espiavam de lá a rotina dos moradores de uma das inúmeras Santas que denominam as vilas da cidade. Muitos de meus natais foram mais ou menos como esse, sangrentos, e até mesmo assustadores. E muito embora eu tenha certeza que muita gente vá discordar, eu acho que é assim que um natal tem que ser. Para que as pessoas se lembrem que o natal original aconteceu numa época sangrenta. Para que elas nunca esqueçam que as coisas não mudaram nada desde então. Para que as pessoas percebam que não tem peru com gosto de miojo que possa mudar a realidade. E que a realidade é que elas não podem andar nas ruas à noite com os presentes que compraram. Que a realidade não é que queiram ficar em casa assistindo um especial idiota com um artista que já era ruim nos anos sessenta, a realidade é que não tem outra opção. Pelas escolhas que fizeram na vida, muitas vezes influenciados por mentiras pelas quais optaram por se deixar seduzir. Pelo orgulho, pela covardia em admitir seus erros, estão condenados a serem conduzidos como crianças ou gado. Por tudo isso, lhes desejo um Feliz Natal! Aos covardes, um Feliz Natal!
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui