Carlos foi contratado para fazer uma foto do candidato. Fez um filme inteiro. Agradou tanto que o candidato resolveu contratá-lo para a campanha. Dinheiro, compra de votos, bom apoio publicitário acabou fechando o caminho para o sucesso.
Carlos foi nomeado para uma das secretarias, a de educação. Assistente do terceiro escalão, mas o salário era extratosférico, como todo os cargos de confiança daquele município. A média dos concursados era baixa, mas isso não tinha importância. Quem soube estar ao lado do homem nas horas mais difíceis ganhou a recompensa.
O problema foi o excesso de uso do diafragma. Carlos usou sua Minolta muitas vezes, fixando a imagem do prefeito no seu subconsciente, dia e noite.
Eram fotos abraçando velhinhos, crianças, inaugurações de creches, escolas, hospitais, ruas asfaltadas, um universo de momentos e realizações.
Imagens demais para um fotógrafo solitário, que nunca teve paixão, e que tentava através da máquina registrar um pouco de carinho em sua mente e sem seu coração.
E o prefeito, senhor de posses, casado, rodeado de puxa-sacos e mulheres voluntariosas, dançando na frente do seu diafragma. Às vezes cínico, sarcástico, e ...atraente.
Carlos, que não tinha manifestado nada em relação a sexo, de poucas namoradas, taciturno, embora altamente técnico em seu trabalho, sentiu o coração balançar pelo político. Ficou perturbado.
Aquele prefeito barrigudo, com dois dentes incisivos de ouro, cabelo desarrumado e cheirando a nicotina afetou o destino do fotógrafo. Profundamente.
E o inferno começou. Carlos ficou alucinado. As fotos ficavam cada vez mais perfeitas. Mas tinha ciúme dos que apareciam ao lado de seu amado.
Ciúme e ódio. O prefeito nem desconfiava. Sorria para tudo e todos, e convidava Carlos para as noitadas de bordel, onde a máquina registrava o adultério. Adultério retribuído pela primeira dama. Consenso.
O único traído era Carlos. Amor preso sufocado. Maldito amor que só o diafragma podia registrar. Fotos e amor. Fotos e ódio. Insanidade.
Carlos foi encontrado pendurado numa corda, no quarto de hotel. Sem explicação nenhuma. Ao lado do corpo milhares de fotos do prefeito. Nenhuma declaração. No bolso da camisa um retrato do ídolo, ressaltando os dentes de ouro.
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