Hamilton Lima e um autor desconhecido
Pudor, um indivíduo ilibado. Pastor de uma igreja evangélica. Responsável e cristão. Uma das virtudes, o respeito à família. Moralista.
Revoltava-se quando ouvia falar na dissolução de um casamento causada pela infidelidade. Dizia: "É um absurdo. Não aceito. Deus dará julgamento ao infiel. Espero que o culpado receba o salário. Este indomável não ora, nem jejua para neutralizar as forças de Satanás". Os fiéis tremiam.
Certo dia, recolhido em estado de contemplação, foi interrompido por passos no salão de Jeová.
Abrindo os olhos, deparou com uma cena incompatível com o silêncio divino em que se encontrava: uma bela moça adentrava em seu templo com um rebolado sensual e beleza jamais vista. Sob olhos cor de mel escorriam lágrimas. Soluços. Dor. Sofrimento. Abandonou as preces e foi ao seu encontro da jovem, aconchegando-a e recolhendo sua cabeça em seus ombros, recitando as palavras automáticas: "Por que choras irmã?"
A moça, Marínia, queixou-se de sua vida destruída pelo adultério constante de seu marido, Períneo, cujas experiências extraconjugais haviam furtado sua paz.
Pudor, diante do exposto, chorou abraçado com Marínia. O choro logo se transformou em compaixão, paixão, loucura, sexo desenfreado nos bancos da igreja, cujo altar estremeceu de vergonha ante a lascívia dos amantes.
Terminadas as oito cópulas estava amando Marínia, cujas lágrimas haviam secado, dando lugar a um sorriso inenarrável.
O pastor, passado a explosão hormonal, tomou consciência de seus atos. Percebeu que havia traído sua igreja, seu povo, sua família, os princípios dos princípios dos séculos. Ficou estarrecido.
Pior; lembrou que Períneo era o seu velho amigo de infância, aquele que sempre o levava de bicicleta para o colégio. Grande sofrimento. Fora tentado pelo capeta e não resistira.
Chorou diante da fêmea. Compadecida, o abraçou para que o religioso pudesse absorver o impacto de seu desespero.
O choro virou compaixão, paixão, loucura, sexo, e quando o povo da igreja chegou para as orações diárias os dois ainda estavam em pleno ato.
Só foi possível separá-los após muitos baldes de água fria. Pudor expulso do templo. Períneo caiu na vida, e até hoje é possível vê-lo chorando pelos bares do bairro Moinhos de Vento, na cidade de Porto Alegre, com o retrato de Marínia na mão, sempre trajando a camisa do Internacional.
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