Em busca de inspiração para um texto qualquer, o poeta atravessou a rua dos Andradas, em plena capital do Rio Grande.
Visualizou a lancheria do gaudério de Bento, que torcia para o Grêmio, nunca esquecendo que sua esposa e os oito filhos eram colorados doentes. E como eram doentes.
Queria comprar um presente para os guris que estivesse distante do futebol, mas estavam todos pensando naquele negócio o tempo todo. Quase sem opção o gaudério de Bento contou uma ou duas histórias, que não prestavam para um poema. Mas ainda tinha a história da guria de Cruz Alta, que foi embora para Cascavel e deixou um peito dolorido para trás, chorando no bairro do Partenon.
Achou a rima, para a Kátia menina, que por trás da esquina, comia uma rapadura, preguiçosa, encostada, manhosa, mexendo o cabelo, sem espelho, a imaginar que cada automóvel que passava era uma carruagem. Kátia, menina, manhosa, a correr na rua da |Praia, comendo doces com um sorriso largo.
Kátia, paixão do gaúcho que olhava a guria com uma ponta de esperança no coração ardente, dolorido. Kátia, chinoca de um dia de sonhos, apenas Kátia.
A poesia brotou e parou, ao pensar na guria de olhos verdes, cabelos dourados que nunca deixaram de esvoaçar pelos campos daquela cidade.
O poeta dividiu mais um café com o homem de Bento, que resolveu nada comprar para os filhos e a mulher, preferindo esquecer o causo das camisas.
Pensou em Kátia, pediu um vinho de Bento. O café forte e o vinho quente elevaram seu humor. Amava Kátia, amava Bento, amava o Rio Grande do Sul.
Nem tudo era poesia, nem tudo do poeta. Viu um pássaro perdido por ali. Voava como voam os amores. Voou com o pássaro. Passou sobre montes e fronteiras. Viu rios e mares, montanhas, lagos, uma árvore cheia de flores, rosadas e brancas, cheia de borboletas e beija-flores.
Uma buzina fez pensar de novo no cotidiano. Poesias, presentes, filhos, lembranças, amores.
Foi embora cercado de saudades.
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