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Cronicas-->nada mudou -- 01/07/2000 - 12:29 (flávio augusto menezes filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje acabei os Bruzundangas de Lima Barreto. O mestre da ironia e da sátira apresenta-nos nessa obra os costumes sociais, a política e a economia de um pitoresco país, cujo nome é o título do livro, no fim do século XIX início do XX.
Passados cem anos continuam as crónicas do ilustrado escritor atuais, o que denuncia, no mínimo, o quão medíocre anda ainda a dita "elite" daquela, não seria nossa?, gente. Essa gente, a título de originalidade, bem que poderia se manifestar com outros usos inéditos; mas qual o que, se mostra tal e qual registrado anteriormente, e lá se vai um século, pelo cronista. Continua tudo igual.


A NOBREZA


A nobreza na Bruzundanga ainda se divide em "nobreza doutoral" e "nobreza de palpite". A nobreza doutoral - anteriormente "constituída pelos cidadãos formados nas escolas superiores, que são as de medicina, as de direito e as de engenharia"-, deu lugar a um outro tipo de nobreza, se bem que muito parecida , que é a formada pelos concidadãos das escolas que são as de futebol, as de pagode e as de sociologia, essa última principalmente. A nobreza de palpite - composta àqueles tempos pelos novos ricos do comércio e da agricultura -, nestes tempos de hoje foi substituída por especuladores, cantores de "música sertaneja", apresentadores de televisão. Todos eles têm direito à aquisição de títulos nobiliárquicos e de doutores, e assim vivem e circulam pela dita "alta sociedade" e pelos corredores do poder, fazendo o que os bruzundanguenses costumam chamar de lobby, algo parecido como com o comprar a consciência dos políticos na busca de favores pessoais, em detrimento dos que são do povo: aumenta-se a miséria, se isso ainda é possível, da gente daquele país. E tudo segue como dantes: mudam-se as personagens e os artistas, conservam-se a peça e o teatro.


A POLíTICA


A política na Bruzundanga mantém-se originalíssima. Os ordenantes ainda acham por legítimo reservar aos seus deles as melhores oportunidades e formam grandes latifúndios, enquanto a pequena propriedade fica subtraída do crédito. Espalhados por todas as plagas da República, eles forcejam para que se mantenha o privilégio e matam amiúde aqueles que não são os seus. E assim vão passando aos filhos netos e afins o que julgam de propriedade vitalícia.



A CONSTITUIÇÃO


A última Constituição promulgada na hilariante república, revelou-nos o quanto continuam os bruzundanguenses fiéis a seus princípios, doutrinas e paradigmas. Quando se reuniu, a Constituinte, houve uma grande esperança no país. Parecia, e isto me não foi contado, eu vi, que todos os problemas e todas as soluções haviam de ser resolvidos e encontradas a partir de tal reunião.
Promulgou-se uma lei genérica e abrangente tanto quanto possível. A pretexto de garantir os direitos e garantias do povo, incluíram-se no texto os mais diversos argumentos singulares a saber: tabelamento de juros, regras para captação de dinheiro externo (fundamental para economia), os preceitos indispensáveis à escolha dos presidentes de clubes de futebol, horário de funcionamento dos trens, e tantas outras baboseiras. Tais temas, em um outro país qualquer, jamais seriam tratados em texto constitucional. Não na Bruzundanga; lá anda-se na contramão do mundo. Não seria o mundo que anda na contramão da Bruzundanga?
Irónico é que por esta propriedade: ter texto abrangente e plena de pontos inúteis, a Constituição metamorfoseou-se em um não dizer nada, um não garantir coisa alguma. Não assevero isso com tanta propriedade e convicção, por me ser certo que foram garantidos e mantidos alguns direitos: os dos poderosos.
Os bruzundanguenses não esqueceram de incluir no texto da Constituição recém-promulgada aquilo que lhes são mais caro: as condições de elegibilidade do Mandachuva (Presidente), quais sejam, o de "unicamente saber ler e escrever", sem ser necessário a ele, Mandachuva, mostrar vontade própria e inteligência para exercer tão insigne cargo. Nessa parte, como de sempre, a Constituição continua sendo obedecida.

O PRESIDENTE


A Presidência na Bruzundanga é o emprego mais cobiçado do país. O cargo é colocado em leilão a cada quatro anos. Quem mais paga leva a prenda. Dizem por lá, aqueles que disputam a hasta, que o fazem movidos por nobre desejo de servir ao povo.
Basta a proximidade do vagar o cargo, e aqui para nós isso nem é necessário, para que os disputantes surjam. Gente de todas castas concorre
Dentre todas elas, procuram os bruzundanguenses escolher aquele que mais de perto retrate os atributos necessários para dirigir tão "respeitável" nação. Qualidades que relaciono a seguir por ser do conhecimento do leitor a minha intimidade com os costumes daquele povo: libertinagem, indignidade, descrédito, perfídia, ignorància, soberba, inveja, cobiça; quanto mais sinonímia ao dito tanto melhor.
Eleito assume o Mandachuva. A partir de então é ele quem decide o destino do povo. Não se desmerecendo trata logo de promover um grande aperto na economia. Visa, ele, reduzir rapidamente a taxa de crescimento do país. Sabe-se, e nem mesmo os menos informados desconhecem, o quão grandiosos são os atuais indicadores económicos e sociais da Bruzundanga. Necessário se faz mudar o perfil rapidamente; a continuar tal conjuntura é provável haver um cataclismo: o povo, por excesso de recurso, torna-se-á mais-e-mais perdulário.


AS ELEIÇÓES


Assegura-nos o cronista, o Sr. Lima Barreto, em seu festejado livro, que àquela época, ao eleger um deputado, não sabiam os eleitores quem era ele, o deputado, "quais os seus talentos, o grau de interesse que ele poderia ter pela coisa pública, suas idéias políticas".
Hoje nada mudou. Continuam os bruzundanguenses escolhendo os seus representantes por ouvir dizer. Lá escolhe-se os que detenham quaisquer tipos de adjetivos menos é lógico os relativos a competência e probidade: capaz e íntegro. Esses passam ao largo, não têm a menor chance.
Tudo vira uma grande festa, o que é bem característico daquela gente. Qualquer fato, um acontecimento por mais trivial que seja, até mesmo os atos mais inditosos são motivos para grandes comemorações.
O povo sai às ruas. Está certo de ser o grande comandante. Triste povo! Desconhece por ignorància ou por condescendência ser massa manobrada. O povo vota, mas a escolha é tarefa para outra gente.



O FIM


Poderia eu, tal e qual o Sr. Lima Barreto, avançar no relato de diversas outras usanças atinentes ao povo da Bruzundanga. Paro aqui! Faltam-me a pertinácia e o talento dele, e não quero ser repetitivo. Para narrar ao leitor os ramerrões (dicionário) do povo da Bruzundanga nos dias de agora, seria necessário, apenas, copiar, literalmente, as crónicas do antigo escritor, compostas há cem anos atrás. Infelizmente nada mudou.


UMA ÚLTIMA NOTA


Recentemente li em um jornal do Estado das Castanhas, que um ex-ministro da Republica da Bruzundanga andava a criticar veementemente o artigo 230 da Constituição, que revogou o caráter finito da existência humana, ao garantir que "todo idoso tem direito a vida". Pronto, a parvoíce dos bruzundanguenses resolveu por decreto a questão mais obscura do homem: a imortalidade da vida. Basta envelhecer.



Belém, 23/09/1999


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