No tempo esquecido dos dias sem cor, avistava quem queria um rapazito sentado em muda contemplação da cidade nova, aquela onde as pessoas só iam e continuam a ir na vã esperança de descansar os ossos, após longas permanências em filas de trânsito.
O garoto costumava sentar-se à frente de um feio muro, resto de uma das quintarolas antigas, dos tempos em que o paraíso ainda morava ali. Branco ainda, perfeito na sua ruína iminente. Levava ali uma beca de tempo só a olhar...
Mas um dia, farto de ver os outros putos a passar com bicicetas, velozes skates, ou os manos com pesadas radiolas, gingando o corpo em largas vestes, Eminem ecoando nos prédios, o rapazito levantou-se com brusquidão e rumou ao barracão do pai, no esconso bairro velho.
Na escuridão reinante, atinge-o um halo de humidade pútrida, aquele cheiro que associa à recente vida na terra nova que o resgatou. Remove caixas e caixotes, revira a lataria, até encontrar o que queria.
Ao sair, leva já nos olhos uma luz só por si vista e nas mãos a urgência da intenção por cumprir. Abarca a parede, como quem a quer furar, abrindo uma brecha de imensidão. Refreia porém o gesto, fecha o saco, recolhe o spray, esconde os pincéis, alarga o olhar pelos prédios, em mudo perfil cúmplice e põe-se em vigilante espera, o sol bué d alto, uma kota a estender roupa, a claridade escondida nas nuvens.
Imagina as cores, o recorte, o movimento ondeante, desenha o enquadramento, os olhos presos na acção suspensa, ébrio de horizontes infinitos.
Antes da noite chegar, o muro já não é uma velha recordação do passado. O rapazinho ainda lá está, quedo, absorto e sentado. Mas agora contempla o verde e o amarelo da sua terra, o vermelho do sol suspenso no horizonte, uma explosão de cores,
e a densa canícula afastando a humidade dos lugares, onde só a desolação penetra...
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