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Contos-->Carnaval de 68 -- 28/01/2003 - 16:35 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Carnaval de 68



Introdução

Esta é uma história de Carnaval, que aconteceu comigo e mais umas pessoas por volta dos anos sessenta, não me lembro o ano, acho que foi o de 68... eu era jovem, e tudo se passou em São Paulo, onde ainda se aproveitava o fim do verão... eu adorava a farra, pois ainda não tinha minha doença de hoje...
Em meio a fantasias e loucos feriados prolongados, éramos nós os próprios loucos nessa dança frenética e palpitante...

Sexta-feira

O grupo reunido

03/03 – 17:31
- Quando vai ser? – perguntava, de cinco em cinco minutos, o Tigre. Fumava furtivamente.
O mago, meio reservado, se limitava a dizer:
- Estamos vendo, Tigre... Fada...
A Fada levantou a cabeça da mesa.
- Hum?
- O que você acha? – disse, numa voz forte, o Mago – Segunda as coisas acalmam de vez aqui... eu acho... mas, quanto antes, melhor, vocês sabem. Não vamos poder dar bandeira por aqui...
- Pode ser no Domingo – sugeriu a Fada sonolentamente, de olhos semicerrados.
De repente o Tigre, que bebia uísque, com o Motoqueiro, protestou:
- Não, nem vem... Sábado e Domingo tem pagode com o pessoal...
- Que pessoal?
- De Peruíbe.
- Você vai pro litoral? – perguntou a Fada.
- Vou – respondeu o Tigre, sisudo, enchendo novamente o copo.
O Mago ficou contrariado e começou a suspirar, tamborilando com os dedos na mesa.
O Tigre tossia. A fumaça impregnava todo o salão.
Alguém chegou.
Era o Palhaço. Estava estressado, como sempre. Reclamava em sussurros do trânsito que enfrentara. O Mago finalmente perguntou:
- Pegou o mapa?
- Peguei! – esbravejou o Palhaço, acendendo um charuto barato.
- Quem fez? – perguntou o Tigre, desenrolando um papel que o Palhaço trouxera – O Pintor?
- Ora, o Pintor foi pra praia! Foi o Cartógrafo.
- Ele desenha?
- Não. Ele mapeia – respondeu o Palhaço, parado na janela.
A Fada e o Mago olharam o mapa.
- Nada mal.
O Palhaço grunhiu.
O Tigre disse:
- Eu estava pensando... que tal Quinta?
- Quinta não – disse o Mago – Quinta é dia normal, já há movimento nas ruas.
- E Quarta? O que é Quarta? – perguntou a Fada.
- É cinzas... – disse o Mago - ... o que acham?





Sábado

O Tigre

04/03 – 14:07
O Tigre corria desesperadamente pela movimentada avenida do bairro decadente daquela minguante cidade... era a cozinha do inferno.
Seus pêlos sacudiam com o vento, e os carros quase o atingiam, desviando-lhe do caminho, e rasgando o asfalto num susto.
Adrenalina inusitada!
Ele dobrou algumas esquinas, desceu uma rua. Agora estava seguro. Aproximara-se dos muros, na calçada, tentando ficar envolto pelas sombras das casas e prédios. Caminhando meio que rapidamente, lançando furtivas olhadelas para trás, não reparou que um outro vulto das ruas vinha ter com ele...
- Ah, Caroço! É você?
- Não, é minha avó, tonto! – disse a figura arredondada denominada Caroço, tomando o Tigre pelo braço.
- Escuta, Tigre. Os rapazes da Guirlanda não tardarão em te pegar por aí, olha que te espreitam o andar!
- Deixa de idealizações, Caroço! – disse o Tigre – Não vou me fazer de fácil, não vou me deixar apanhar pelo bando! Já não faço mais parte do seu grupo, e você bem o sabe! Se atuo nos dias de hoje, é em favor de outro bando...
- Pouco importa – interrompeu Caroço – A partir do momento que nos traiu, Tigre, sua honra é destruída! Irá apanhar por causa da traição! Nosso líder Jacaré está puto. Vi que corriam atrás de sua figura agora mesmo. Me separei do bando e vim ter com você somente para lhe dar um aviso pacífico...
- Que aviso que nada! O bom Caroço é meu chapa! – disse O Tigre, batendo nas costas do Caroço.
- Sei disso, mas sob o mando do Jacaré, amigo, sou outro... não venha me procurar, entendeu? – disse, por fim, o Caroço, em seguida atravessando a rua e entrando em outra rua, sem olhar para trás.
- Picuínha – disse o Tigre para si mesmo, continuando sua caminhada até a rodoviária.






O jogo de cartas do Mago e do Palhaço

04/03 – 20:48
No salão, o Mago jogava cartas com o Palhaço. Este bufava a toda hora a fumaça cinzenta do charuto mastigado, e coçava a barba cerrada do queixo, por fazer. O que coçava não era a barba em si, e sim uma cicatriz que o Palhaço ali levava há anos.
- Porra, Mago! – gritou ele – Surrupiando de novo?
- Surrupiando o teu cu, Palhaço. Eu nunca trapaceei numa porcaria dum jogo de cartas em toda a minha vida! Se fosse surrupiar algo, seria dinheiro, e muito! E usando a cabeça! E não num jogo estúpido, onde eu posso ganhar tranqüilo de você quantas vezes quiser, e sempre com a mesma seqüência de “ases”... sorte é sorte!
- Sorte...! Você é o Mago aqui, você é o falsário aqui! – disse o Palhaço, se levantando – Você fechou seis partidas seguidas com a mesma seqüência de “ases”, na última meia hora, e quer que eu acredite?...
Ele foi até a geladeira, pegou uma lata de cerveja e abriu.
O Mago pensava profundamente, olhos vidrados na parede, enquanto que suas mãos brincavam com o baralho inconscientemente.
- Palhaço... quanto às armas...
- De novo? Vou ter que repetir que já cuidei delas? Desencana um pouco, porra! Toma uma cerveja... já disse: falei com o Frasco e o Garrafa, lá no bar, hoje mesmo... só temos que esperar!
- Humpf – fez o Mago. Foi um som desconfiado, de quem não está certo ainda sobre algo...
- Tá certo, Mago, já sei do que você precisa! Vamo acabá com esse stress todo... seguinte: vai fazer o que hoje?
- Hoje à noite?
- É.
- Não sei... por que?
- Vamos ter um pouco de diversão por aqui, Mago... te prepara!







A Fada

04/03 – 22:15
A Fada aguardava seu admirador impacientemente, na rua, sob o toldo de um hotel. Caíam algumas gotas de chuva, e a noite estava quente...
Ela começou a se recordar, para passar o tempo, de como conhecera o cara. Foi na festa da noite passada, na casa de sua amiga, a Feiticeira. A música, as bebidas e a malícia rolavam soltas, noite adentro. Ela se divertia com sua amiga, e com alguns rapazes.
Só havia gente legal por ali... o papo estava muito bom. E alguém disse algo sobre apresentar à Fada uma pessoa, um cara. Ele estava na festa.
A Fada tinha bebido um tanto além da conta, e estava alegre por causa do álcool... all cool... tudo numa boa... e aí ela viu, se juntando ao grupo, o rapaz de quem falavam...
Ela ficou vidrada nele, ele emanava atração em torno de si, e ela gostou... se cumprimentaram, foram apresentados, um tanto encabulados, pois eram totalmente desconhecidos numa festa onde todos se conheciam e estavam à vontade...
Então, começaram a bater um papo sem compromisso, no meio do ambiente dark e ao mesmo tempo no estilo “casa noturna” da festa... dançaram. Ela achou ele super demais, queria passar o tempo com ele... ele parecia ser um cara confiante, seguro de si, e ela sentia sua força e proteção quando dançavam agarrados... se sentia protegida com ele.
Perto do final da festa, ele perguntara se ela gostaria de sair com ele na noite seguinte. Ela sorriu e depois disse que sim, que gostaria. Ela foi embora da festa sem tirá-lo da cabeça. Seu perfume ficara em suas mãos. Ela sentia a fragrância, cheirando os pulsos, não podendo se esquecer do rapaz... e ela se esquecera de perguntar o nome dele! O que ele fazia? Quem era ele?
Esta noite descobriria.
Foi então que ele chegou... mais perfeito do que na noite anterior, sorridente, beijando-lhe o rosto. Ela também lhe sorriu, e eles saíram.


A partida do Tigre

04/03 – 22:43
O Tigre andava pelas ruas apressadamente. Não queria perder o ônibus que o levaria à cidade de Peruíbe, onde seus amigos o esperavam. Essa perseguição acabou atrasando tudo...
Mas não estava com medo da Guirlanda... sentia era raiva deles, pois não o esqueciam, parecia que queriam alguma coisa dele, apesar de não pertencer mais ao grupo.
Perto da rodoviária, na pressa que estava, o Tigre esbarrou em três moças que andavam pela rua movimentada. Deu uma trombada. Eram lindas! Uma delas era loira, outra era morena, e a terceira tinha os cabelos indefinidos, meio cor de fogo. Ele se desculpou, segui andando e pensou consigo: “Na praia vai chover mulher... mal posso esperar! Aqui em São Paulo pode até ter um monte de gostosa... mas a verdade é que, lá em Peruíbe, tem mulher de monte...” E entrou na rodoviária.



Domingo

O problema do Mago

05/03 – 11:01
O Mago acordou às onze horas, com uma dor de cabeça incrível. Todo amassado, percebeu que havia dormido na sala. Olhou em volta: garrafas, latas de cerveja, cigarros, roupas, restos de pizza... tudo jogado por todos os lados.
O Palhaço jazia num outro canto, dormindo profundamente.
A noite foi boa. A noite dos prazeres, da farra, do pecado.
Os dois se esbaldaram de tanto beber e usar as mulheres que o Palhaço havia chamado no apartamento do Mago. Umas “amigas” do Palhaço... a Loira, a Morena e a Ruiva... o Mago ficou a noite inteira com a Ruiva... ele gostava de ruivas...
Agora enfrentava uma ressaca brava... dores de cabeça e tudo...
Levantou-se, foi ao banheiro, voltou e fumou um cigarro... tomou um café.
Sentou-se novamente no colchão estendido no carpete da sala, e ligou a TV. Passava um seriado que estreara recentemente no Brasil... Batman e Robin. O Mago conhecia as histórias em quadrinhos, mas o seriado era novidade. Eram realmente impressionantes os efeitos especiais que se podia ver... o batmóvel, as armadilhas, o farol do morcego, as lutas... uma inovação!
O Mago decidiu então dar uma conferida na carteira... afinal, bem que aquelas safadas podiam ter lhe roubado algum dinheiro...
Conferiu: estava tudo lá. Aproveitou para conferir novamente se havia guardado o recibo da compra das armas do Frasco e do Garrafa. O Palhaço havia feito o pedido aos dois, no bar, e recebera um recibo para que depois pudesse retirar as armas seguramente na Casa de Armas Ilegais do Pistola. O recibo era extremamente importante... e o Mago sempre se preocupou muito com este tipo de coisa. O Palhaço lhe entregou o recibo, e o Mago o guardou, no dia anterior, dentro da carteira. Agora, naquela manhã, o Mago ficou pasmo ao ver que o recibo sumira.
Chamou o Palhaço:
- Ei, ei, ô Palhaço, acorda, mané!
- Hump...
- Acorda, porra!...
- Quê! – gritou o Palhaço, emburrado, levantando a cabeça do colchão.
- O recibo!
- Que recibo?
- Como, que recibo?!
- Que recibo?! Porra!
- O das armas, Palhaço! O das armas!
- Que que tem?
- Sumiu.
- Como?
- O recibo sumiu, aquelas vagabundas roubaram o nosso recibo!
- Porra nenhuma! Primeiro: as três são minhas amigas desde a faculdade e...
- Você não terminou nem o ginásio, seu paspalho!
- ... segundo: o que elas iam fazer com aquela merda?... são burras, nem sabem que aquilo dá direito à retirada das armas na loja.
- Você está enganado. Eu tenho certeza absoluta de que, ontem, quando você me entregou o recibo lá na sua casa, eu o guardei dentro desta parte da carteira, que é fechada com zíper! Não venha me chamar de desorganizado, não! Eu sou o líder, e sou o mais organizado, o mais responsável! Porque, se o líder não for competente, Palhaço... ninguém mais vai ser! – o Mago agora gritava, cuspindo para os lados, eufórico, de pé no meio da sala.
O Palhaço se levantou, cambaleante, vestiu uma calça com pressa e andou rapidamente de um lado para o outro, olhando para baixo, com a testa franzida, dizendo:
- Ah, cara, olha só que merda, maldição! – ele disse, fulo da vida – A gente investiu uma nota naquelas armas, e quando eu digo que investimos uma nota, estou querendo dizer que era toda a grana que eu tinha! Porra!
- Eu sei disso, Palhaço... todos nós sabemos! Também investimos nossa grana, porque certamente iríamos ser compensados no final...
O Palhaço segurava a cabeça com as duas mãos, inquieto.
- Tá, e agora?
- Vamos atrás delas – sugeriu o Mago – É, por que não?...
- Não sei, cara, não sei... – disse o Palhaço, engolindo um seco – Escuta... aquelas vadias trabalham numa grande organização, tá entendendo? Um negócio sério, cujos principais cabeças são o Aranha e o Navalha... conhece esses caras, certo?
- Conheço, são barra-pesada... é, não podemos chegar acabando com elas... – disse o Mago, compreensivo.
Nesta hora, a campainha tocou.






A chegada do Motoqueiro

05/03 – 11:35
O Mago foi olhar no olho mágico, e viu que era o Motoqueiro.
- Entra!
O Motoqueiro entrou, sorridente, colocando o capacete em uma mesa. Estava eufórico.
- E então? – disse – Como vão meus parceiros do crime?... Ih, tô vendo que a noitada foi das grandes! Algum problema?
- Ã-hã... as armas – disse o Palhaço.
- O que houve? Você não ia fazer o pedido?
- E fiz. Só que nós fomos roubados, levaram o recibo da loja...
- Como é que é?! – perguntou o Motoqueiro, sentando-se num sofá.
- Tá, depois a gente explica! Precisamos sair dessa! – disse o Palhaço, sem paciência.
- Motoqueiro... – disse o Mago, que se conservava calado, agora – Você falou com a Babá?
- Ah, falei, sim, e ela me deu sinal positivo... chega hoje da Praia Grande, e falou que pode participar, contanto que toda a coisa ocorra entre hoje e Terça-feira...
- Como assim?! – Perguntou o Palhaço, indignado – Quem ela pensa que é, essa vaca? Olha só, Mago, a Babá tá querendo estipular dia e horário, como se ela fosse muito preciosa, e sendo que não manda porra nenhuma por aqui!
- Por que ela só pode nestes dias? – perguntou o Mago para o Motoqueiro calmamente, ignorando o Palhaço.
- Ela disse que tem um outro trabalho! Pessoal, entende uma coisa: a garota trabalha com mais três bandos, sem ser o nosso!... vejam bem, ela é eficiente, admitam isso... e não vamos perder nada se marcarmos para Segunda, ou Terça...
- O cacete, Motoqueiro! Na reunião a gente combinou, e ficou certo que seria na Quarta-feira...
- É verdade, Mago? – perguntou o Motoqueiro.
- Bem, nós andamos discutindo algo sobre o dia... e foi sugerida a Quarta-feira, sendo... – começou o Mago.
- Não, nós realmente marcamos, definitivamente – interrompeu o Palhaço.
- Mas que reunião foi essa?... eu não... – disse o Motoqueiro.
- Aquela em que você estava – disse o Palhaço – Só que, depois que você foi embora, continuamos papeando...
- Chhh! – fez o Mago, pedindo silêncio, com o olhar fixo – Chh, chh! Peraí...
O Mago falava num sussurro, com a voz muito baixa, de modo que os dois mal podiam ouvir o que falava.
- Que que é?... – disse o Palhaço.
- Chh! Escutem... – disse o Mago, ainda em sussurros. Foi para perto dos dois, e disse-lhes no ouvido: - Não falem alto, por favor... já explico... por favor, não digam nada agora...
Ele mantinha a mão no ar, fazendo-os ficarem em silêncio. Com a testa franzida, o Mago se esforçava em ouvir algo.
O Mago começou a andar pelo apartamento, nas pontas dos pés, sondando cada canto da sala, atento. Procurava a origem do som.
Os outros dois ficaram sem entender, e seguiram o Mago.
O Mago ajoelhou perto de um dos cantos da sala, onde havia uma mesinha com um vaso de plantas. Olhou para os dois com uma cara meio assustada, e começou a fuçar no canto da parede. Levantou o carpete, olhou em baixo da mesinha, e começou a remexer a terra do vaso. Cavou. De repente, parou, atônito. Se levantou, e continuou falando com o Palhaço e com o Motoqueiro, só que num tom de voz estranho:
- Ah, amigos, venham até o quarto, vou mostrar um rascunho de um plano que fiz ontem... venham, venham... – disse isso no tom de voz normal, sem sussurrar. Os dois não entendiam, e ele tratou de empurrá-los rapidamente para o outro lado da casa. Enfiou os dois num banheiro. Lá dentro, o Palhaço perguntou:
- Que história é essa de plano? Nós...
- Eu estava fingindo.
- O que estamos fazendo no banheiro?!
- Tem um gravador enterrado no vaso.
- Quê?! – disse o Palhaço.
- Isso mesmo. Eu trouxe vocês para cá porque nossa conversa estava sendo gravada, e eu precisava explicar para vocês... tirando-os da sala.
- E se houverem outros, na casa? – perguntou o Motoqueiro.
- Já pensei nisso – disse o Mago – Estou pensando... devem ter sido as vadias...
- Elas queriam gravar nossa conversa?! Pra quê?
- Não sei, mas foi pelo mesmo motivo pelo qual roubaram o recibo.
- Estou começando a entender – disse o Motoqueiro.
- Seu estúpido! – disse o Palhaço – Por que não desligou o gravador? É bem mais fácil do que ficar falando às escondidas!
- Não, não é.
- Qual é a sua intenção? – perguntou o Motoqueiro, interessado.
- Calma. Vamos sair, disfarçadamente, do prédio – disse o Mago – Não podemos dar na cara. Dois de nós sairemos agora, dizendo ao outro um motivo. Diremos que vamos almoçar fora. Assim os ouvintes do gravador vão acreditar. O outro sairá uns quinze minutos depois, sem pressa... nos encontraremos no restaurante da esquina. Vão vocês dois, pois só eu tenho as chaves do apartamento. Lá explicarei tudo.
Os três voltaram para a sala, conversando tranqüilamente:
- Não consegui achar o plano! – dizia o Mago, disfarçando – Meti na bagunça do quarto, ontem, antes de dormir!
- Não tem problema... – disse o Motoqueiro.
- Ei, Mag... – começou a falar o Palhaço. Parou, pois viu que ia falar o nome do parceiro, e a fita gravaria tudo. Ficou branco, e os outros dois olharam para ele, assustados, pensando: “pronto, estamos fritos”. Mas o Palhaço pensou rápido e começou a tossir, como se tivesse engasgado – Arghhh... cof... nossa, olha o que o cigarro tá fazendo comigo!
- O que ia dizer, cara? – perguntou o Mago, aliviado. Agora o Palhaço podia concertar a falha.
- “Magrão”, a gente vai almoçar aqui perto, viu? – disse o Palhaço. Inventou na hora um apelido para concertar a burrada, já que havia pronunciado antes o começo da palavra “Mago”... “Magrão” também começava com “Mag”.
- Ah, tudo bem... – respondeu o Mago, mais aliviado ainda.
O Palhaço e o Motoqueiro deixaram o apartamento, deixando o Mago sozinho. O Mago começou a procurar, em silêncio, outros possíveis gravadores pelo apartamento, nos quinze minutos que tinha.
Acabou achando um na cozinha, atrás do armário, que ele também deixou ligado. Depois de procurar bastante, parou. Foi se encontrar com os parceiros no restaurante.







Segunda-feira


O Tigre em Peruíbe

05/03 – 6:12
O Tigre chegou na rodoviária de Peruíbe no início da manhã. O sol começava a nascer no horizonte.
Iria ficar no apartamento dos amigos... sol, curtição, mulheres, bebida, farra...
Ao chegar no local, todos os seus amigos dormiam. Acordaram com o barulho, e receberam o Tigre com muita empolgação. Um deles, seu grande companheiro de praia, disse:
- Grande Tigre...! Sem você não ia ter farra, rapaz! Fica à vontade, hein?
- Valeu, cara.
- Por que demorou tanto? O ônibus não vinha lá pela meia-noite?
- É, só que houve um imprevisto, e eu tive que pegar o próximo...
- Algo deu errado, cara? – perguntou seu amigo, meio preocupado.
- Não, não... tudo beleza... é que encontrei... uns velhos amigos à noite... eles me tomaram tempo.




A Babá

05/03 – 12:05
A Babá chegou na rodoviária de São Paulo ao meio-dia. O sol brilhava forte.
Ela desceu do ônibus, e se sentou num banco, para descansar.
Como o fim de semana tinha sido bom! Tinha pego um belo bronzeado, e tinha a pele num lindo tom dourado, que entrava em um bonito contraste com seus cabelos castanhos claros.
Pegou o celular, tinha uma ligação importante a fazer.
- Alô, Bazuca, é você? Aqui é a Babá!
- Fala, Babá.
- Então, estou ligando pra avisar que só Quarta-feira posso me encontrar com vocês.
- Mas hoje ainda é Domingo!
- Eu sei, mas acontece que eu vou estar ocupada com o outro bando, entendeu? Estamos no meio de um planejamento...
- Ah, entendo – respondeu Bazuca – Que bando seria?
- Olha, não sei se devo fica dizendo assim...
- Quem está nele?
- Bem – disse A Babá – Tem o Palhaço, lembra dele? Ele estava numa festa na casa do...
- Eu sei quem é, aquele bastardo. Um canalha, muito cuzão, esse Palhaço.
- Por que diz isso?
- Bom, não importa... toma cuidado com ele.
- OK. A gente se vê na Quarta-feira, então?
- Isso. Até mais.
- Até.
Ela desligou, e ficou um tempo pensando se fizera besteira ao comunicar o nome de um dos integrantes do grupo.
Depois fez outra ligação.
- Alô, eu queria falar com a Princesa.
- Só um momento – respondeu uma voz sonolenta.
Depois de um bom tempo, atenderam o fone.
- Pronto...
- Princesa? Aqui é a Babá, como vai?
- Babá? – perguntou a Princesa, meio confusa. Sua voz era fraca, meio lenta.
- É, do bando! – repetiu a Babá.
- Ah... o bando.
- Princesa, o que foi? Você está drogada?
- Acho que tô...
- Princesa, não faz essa merda com você mesma! Você disse que ia parar...
- Hahaha... – riu a Princesa – Isso foi a muito tempo... desde então, já me conscientizei de que este é um caminho sem volta... estou perdida... todos com quem eu vivo estão perdidos no vício. Não desejo esta vida a ninguém...
- Não sei o que dizer, Princesa.
- Não diga nada, Babá... as pessoas sempre acham que precisam fazer um discurso ou dar uma lição de moral, algo assim, sempre que encontram um amigo doente, ou drogado, ou com AIDS... mas isso é hipocrisia... eu acho, de verdade. Ninguém é obrigado a se lamentar ou a tirar os amigos das drogas. Desencana, Babá. Eu sei que você é uma grande amiga, mas não se sinta na obrigação de me salvar...
- Você é quem sabe, Princesa – disse a Babá, fazendo uma pausa em seguida – Bom, eu liguei, na verdade, pra te avisar de um serviço do bando...
- Quando?
- Nada muito certo ainda, Quarta-feira, talvez. Fiquei encarregada de te chamar, e...
- Podem contar comigo.
- Tem certeza?
- Tenho – respondeu a Princesa, com uma voz meio rouca, fungando em seguida.
- Certo. Por que não dá uma passada no Mago? Ele te explica as coisas com mais detalhes.
- Tudo bem.
- Aonde você está morando?
- Em Diadema. Cê tá aonde, Babá?
- Cheguei agora da Praia Grande, mas vou ficar num hotel aqui em São Paulo, durante o trabalho.
- Beleza... nos vemos depois, então.
- Tudo bem. Tchau, Princesa.
E desligou.






O Tigre na praia

05/03 - 15:07
- Tigre, cê tem prancha?
- Ih, não tenho não...
- Não tem problema, a gente rouba uma.
- Quê?!
- É, todas as nossas pranchas são roubadas... vamos dar uma passada na loja... de que cor você quer?





A armação do apartamento do Mago

05/03 – 17:31
O Palhaço, o Motoqueiro e o Mago entraram no apartamento deste último, papeando. O Palhaço e o Motoqueiro pareciam estar sonolentos depois de comer tanto.
- Magrão – disse o Palhaço, numa voz alta – Diz, qual é o lance?
- Prestem atenção, rapazes... o golpe vai ser feito na Quarta-feira... por volta das duas da tarde, ouviram bem?
- Perfeito. Já está decidido o local?
- Já – disse o Mago. Quando continuou a falar, seu tom de voz era preciso e enfático – O golpe será no Credi-Banco Paulista. Alguma pergunta?
- Quantos de nós vamos?
- Nós três e mais um... são poucos, portanto, todo cuidado é pouco... nenhuma informação pode vazar, entenderam? – disse o Mago, olhando instantaneamente para o vaso no canto da sala.
O Palhaço segurou uma risada. O Motoqueiro fez um sinal de positivo para o Mago, com a mão.







A Guirlanda Noturna

05/03 – 20:43
Um cara alto e magro, quase cadavérico, entrou na sala onde se encontrava Granada. Granada fumava na sala escura, assistindo um vídeo numa televisão de 29”.
- Granada...
- Hã? Ah, fala...
- Quero que veja isto – disse o homem alto – Vai gostar.
- Hum... espero que me agrade, mesmo – disse Granada, pegando um aparelho da mão de seu parceiro.
Em seguida mexeu em alguns fios e ligou um reprodutor de som. Ao colocar a fita, os dois ficaram em silêncio, ouvindo...
Havia muito barulho na gravação, um ruído intenso de conversas e de música...
Parecia haver uma festa. Em seguida ouviram uma conversação:



“- Então, eu falei pra ele que era melhor ele ir embora naquele instante... – disse uma voz de mulher - ...ou ia se dar muito mal... hahaha...
- Incrível... – disse uma voz de homem em seguida - ... isso acontece, é normal. Veja, naquela mesa... não é aquela sua amiga, da festa?...
- Ah, sim, é sim! Ela costuma vir aqui, também. Depois vou falar com ela... escuta, primeiro, quero saber mais sobre você... já me disse seu nome... mas até agora só eu tenho falado da minha vida...
- Isso não é verdade... – disse a voz masculina, num tom divertido.
- Claro que é... vai, me conta, de onde você veio?
- De Peruíbe – repondeu o homem.
- Que legal... e o que você faz lá?
- O meu trabalho?
- É...
- Bom, eu sou policial, pra falar a verdade.
Houve uma breve pausa em seguida. Então, a mulher disse:
- Nossa... você deve correr muito risco nesse tipo de coisa, hein?
- É... realmente, eu vivo minha vida num constante perigo, gata...
- Fiquei impressionada...
- Na verdade, faço isso numa boa... sou muito bem sucedido...
- Nossa, esse papo policial sempre me deixou meio assustada...
- Não se preocupe, eu te protejo, gata...
- Hum... eu sei... desde que te vi na festa, soube que era alguém forte, audaz, bem másculo mesmo... um protetor...”



Em seguida ouve um estalido, e a fita foi retirada do aparelho por Granada.
O outro, se sentindo eficaz, disse:
- Desta fita, isso foi o que nós selecionamos como sendo importante, Granada...
- Sim, sim, vejo que vai ser útil... bom trabalho.
- Obrigado. Temos muitas outras fitas pra ver, Granada... estamos progredindo...
- É... – disse Granada – Chame o Caroço, por favor, quero falar com ele...
- Sim senhor – disse o homem alto, deixando a sala escura, onde Granada permaneceu pensativo, fumando...








Terça-feira


Tigre Caçado

06/03 – 9:18
Na praia, o Tigre se deitava na areia, sob o intenso sol que fazia. Ao seu lado, seus parceiros litorâneos. Como era confortável, aquela vida boa de Carnaval... da calçada, vinha o som de um pagode... que o Tigre adorava. De repente um de seus amigos disse:
- Tigre, hoje tem pagode lá no bar, viu? Cê têm que ir, cara, lá tem mulher de monte, tudo de primeiro linha...
- Maravilha... já tô nessa, pode contar comigo... – o Tigre não disse mais nada, e depois adormeceu na areia. Passou-se um tempo, que ele não soube determinar, e então ele despertou, mais tarde, de um modo esquisito.
Alguém chutava sua cabeça.
Ouviu vozes estranhas.
Risadas.
Outro chute. Desta vez, abriu os olhos e levantou a cabeça.
- Que...
- Quieto, sem vergonha... – disse uma das três pessoas que pairavam acima dele, encarando-o – Ou vai apanhar ainda mais.
- Mas o que...
- Eu avisei – disse o homem, chutando-lhe o canto do estômago – Gostou disso? Gostou? E tome mais esta, também!
Um outro chegou e pegou o Tigre pelo pescoço, levantando-o da areia. O Tigre reparou que já era fim de tarde, e nenhum de seus amigos estavam lá. A praia estava quase vazia.
- Não tem ninguém pra te ajudar – disse o cara que o segurava, soltando-o em seguida no chão. O Tigre bateu a cabeça e caiu em cima do braço.
O chefe deles se aproximou, abaixou até o Tigre e disse, calmamente:
- Quem mandou você vir pra cá? Por acaso achou que ia se esconder na praia e cair na farra numa boa?... Escuta, Tigre...você gosta de Carnaval?
- Hã?
- Responde, maldito: você gosta de Carnaval?!
- Gosto...
- Que bom... pois este é o seu último, sabia?
Finalmente, o Tigre acordou de vez e esfregou os olhos, cheios de areia, podendo enxergar realmente seus agressores. E teve um choque quando os reconheceu.
O homem que falava com ele era o Jibóia, grande braço direito de Jacaré! A Guirlanda Noturna viera atrás dele! Estava frito, definitivamente! O outro era Lagarto, e o terceiro, seu antigo companheiro, o Caroço!
O Tigre percebeu o perigo imediato e reuniu forças para se levantar, apressado... e saiu em disparada, em seguida, pela praia!
Os três caras ficaram alguns segundos parados, atônitos, vendo ele correr... era uma grande cara-de-pau do Tigre! E saíram atrás dele.
O Tigre pensou: correria para a larga calçada, onde caminhavam muitas pessoas, e onde poderia talvez se esconder.
Chegando na calçada, deu um salto e se enfiou na multidão. Jibóia estava quase alcançando-o, e os outros dois ficaram para trás. Caroço era gordo, e o Lagarto mancava.
Jibóia saiu empurrando todas as pessoas no caminho, fulo da vida. Transpirava e rugia de raiva, vermelho.
O Tigre passou perto de um quiosque na calçada, e, desesperado, agarrou uma daquelas mesas de plástico que costumam ter estes quiosques, com guarda-sóis, e lançou-a em direção ao Jibóia, que caiu no chão, em cima de umas pessoas.
A verdade era que o Jibóia sempre tivera uma birra pessoal contra o Tigre, desde os tempos da Primeira Guirlanda. O Tigre uma vez pulou de cargo, tirando o Jibóia de seu alto posto. Jibóia não suportou o ódio até hoje, e pretende pegar o Tigre, como vingança.
Porém, antes que ele agarrasse o alvo, a polícia litorânea chegou. Com um carro e dois policiais a pé, a polícia agarrou os dois, no meio da multidão, e teve muito trabalho para segurarem Jibóia. O Tigre não relutou tanto. Diga-se de passagem, deu vivas por não ter sido pego pelo Jibóia. Se cai nas mãos dele, não sai vivo. Sorriu quando ouviu as sirenes.
A multidão abriu uma roda em torno da confusão, e todos queriam saber o que estava acontecendo.
Eles foram enfiados nos carros de polícia e levados, em disparada, para o posto policial. No carro, Jibóia estava incrédulo, bufando. O Tigre parecia meio desconfiado, observando a atitude dos policiais, que lhe trataram bem, por algum motivo, levando-o sem algemas no carro.
- Ei... – disse um policial, no caminho até a delegacia, virando-se para o Tigre – Tome cuidado com quem anda, mané... você foi traído, sabia?
- Como?! – disse o Tigre.
- Vamos lá, vocês dois, vai... – disse o que dirigia – Não somos idiotas... todo mundo acha que a polícia é retardada... não acham que a gente só pegou vocês porque um estava perseguindo o outro, certo?
- Por que diz isso? – disse o Tigre, mantendo o controle – Fora isso, doutor, somos inocentes... ou, pelo menos, eu sou... – o Tigre se mostrava calmo. O Jibóia olhava para ele, enfurecido.
- Olha aí, Azulão... – disse um dos tiras para o companheiro - ... eles nos subestimam a toda hora... que caras-de-pau...
- Nós sabemos de tudo, sim... senhor Tigre! – concluiu o outro policial, confiante.








Na cidade grande


06/03 – 18:50
A Fada e a Princesa se encontraram num restaurante num dos bairros mais badalados da cidade. Era um restaurante caro. Quando as duas se falaram ao telefone, para marcar o encontro, a Princesa relutou em ir a um lugar tão caro, pois sabia que a amiga, muito caridosa, iria pagar a conta, como sempre.
Não que a Princesa fosse pobre, mas a verdade era que a Fada trabalhava em vários serviços ao mesmo tempo, e tinha mais dinheiro, além de ser mais ativa do que a Princesa.
Elas conversavam animadamente na mesa do restaurante, e começava a escurecer lá fora.
- Ah, Fada... eu falei hoje com a Babá... ela não muda mesmo! Sempre se preocupando com todo mundo! Quis saber se eu tava cheirando, se estava bem, essas coisas...
- Ela está certa, Princesa... você não anda se cuidando muito... – disse a Fada, séria.
- Eu sei... bom, deixa pra lá... de qualquer forma, ela me convidou pro trabalho que vocês vão fazer no banco...
- Você vai? É hoje!
- Vou, faz muito tempo que não arranjo uma grana... – disse a Princesa, meio desamparada.
- Sei. Vai ser bom pra você. Atividades em grupo sempre fazem bem, além do mais, você pode usar muita energia e descarregar a tensão interior através da violência.
- Falou bem.
- Ainda vou escrever um livro sobre minha carreira... um profundo estudo do nosso dia-a-dia...
- Se você publicasse um livro assim... – disse a Princesa, rindo - ...todos nós seríamos pegos!
- Eu sei, estou brincando, boba... – disse a Fada, comendo – Escuta, o Mago não vai ligar não? Ele me falou assim que tinha uns problemas com as armas... e que quando resolvesse ia me telefonar no celular e pegar a gente, pra ir direto fazer o serviço. Ele disse algo sobre não podermos sob ipótese alguma fazer amanhã... se fizermos amanhã vamos ser pegos, pois tem algum grupo querendo ferrar a gente.
- Que estranho.
- É.
- E aí, tá saindo com alguém? – perguntou a Princesa.
A Princesa demorou um tempo para responder. Engolia a comida. Então, disse:
- Ã-hã... um cara aí.
- Quem é?
- Ah, eu conheci numa festa, e a gente só saiu uma vez...
- Sério? Como ele é?
- Eu gostei muito dele... – disse a Fada, um tanto preocupada - ... é um cara muito legal, e tudo...
- O que ele faz?
Nesta hora, a Fada sentiu algo estranho. Estava tensa, algo a transtornava.
Resolveu falar:
- Ele... é policial – disse ela. O modo como falou isso foi um tanto estranho, e a Princesa notou. Olhou para ela, um tempo, com um olhar interrogativo.
- O que foi, Fada? – perguntou ela – Tem alguma coisa errada?...
A Fada parou de comer, recostou-se na cadeira e olhou de leve ao redor. A Princesa prestava atenção nela.
- Ele é um tira, Princesa... e...
- Fala.
- Princesa...
- Que!
- Nós...
- Fala, menina! – disse a Princesa, num tom de voz mais forte – Agora eu estou preocupada!
- Fodeu, Princesa, fodeu tudo... – disse a Fada, em desespero, baixando a cabeça e não sabendo onde pôr as mãos – A gente vai se ferrar pra valer por causa dele...








Enquanto isso, o Mago ferra mais ainda as coisas...


06/03 – 20:05
Num carro, o Motoqueiro se sentava no assento do motorista, o Mago ao lado e o Palhaço atrás, esparramado. Comiam lanches fast-food e bebiam cerveja, esperando algo, estacionados numa rua movimentada.
- Tranqüilo... – dizia o Palhaço – É como eu estou, gente... tranqüilo. Mago, você tá tranqüilo? Tem que estar. Não vai ter nenhum problema... – disse ele, confortável, abrindo mais uma lata de cerveja.
O Motoqueiro, fumando, disse:
- Fica quieto, Palhaço! O Mago tentando pensar, e você fica aí, dizendo merda! A situação não é muito tranqüila não, idiota, e você sabe disso...
- Eu tô dizendo! – disse o Palhaço – Relaxa, porque o Frasco e o Garrafa são nossos camaradas! Você pode não conhecer eles tão bem, mas fique sabendo que eu e o Mago somos chegados deles há muitos anos, desde os tempos de escola...
- Você nem estudou, Palhaço! – disse o Motoqueiro.
- Cala a boca. Eu sei que eles não vão sacanear a gente, porque existe uma coisa, Motoca, que se chama “crédito”! Sabe o que é isso? Pois eu vou lhe dizer! Se uma pessoa confia na outra, e já teve a oportunidade de negociar com ela várias vezes, e nunca houve nenhuma encrenca, cria-se uma situação de confiança entre estas pessoas... vou dizer mais uma vez: nós temos crédito com o Frasco e o Garrafa! Eles vão entregar as armas, mesmo sem o recibo! – gritou, por fim, o Palhaço.
- Quieto, imbecil! Quieto! – berrou o Mago, que estivera em silêncio, tentando refletir – Não está vendo que estamos encrencados?! Dane-se o crédito! Eu sei que a gente compra deles a mais de dez anos, mas as coisas não assim! Eles têm um trabalho a fazer! Se não negociarem direito com os clientes, sejam eles amigos ou não, são punidos pelos superiores deles, pois as normas são estas! Eles têm que entregar os recibos dos clientes, e ponto final! E não vão ficar se ferrando por causa de clientes irresponsáveis!
- Bom, o recibo não estava comigo... – disse o Palhaço, nervoso.
- Eu não perdi o recibo, Palhaço! – o Mago estava irado. O Motoqueiro, em silêncio – E não fui eu quem chamou aquelas vadias filhas da puta na minha casa! Foi você! Você!
A voz do Mago estava tão alta que o som do rádio no carro foi abafado pelos gritos, e um velho que passava pela calçada ficou olhando para dentro do carro. De repente, eles perceberam a gravidade da situação, naquela movimentada rua da cidade, cheia de pessoas transitando, farreando e conversando... se alguém ouvisse a briga, seria encrenca certa.
Dali a alguns minutos, Frasco e Garrafa, ou até mesmo outros caras, chegariam ali e viriam falar com eles, para negociar a compra das armas. E eles, sem o bendito recibo. Eles trariam as armas, e pediriam o recibo. Começariam a brigar, talvez, e poderiam perder o controle. O Mago olhou para os dois companheiros e disse:
- Escutem, seus cabeças-duras! Hoje é Terça, se esqueceram. E era hoje que a gente ia dar aquela porra daquele golpe! Ouviram?! Hoje! Foi o combinado, no máximo até Terça-feira... porque existe algum grupo querendo ferrar a gente, e vocês sabem disso! Colocaram gravadores no meu apartamento, e mandaram aquelas putas roubar o recibo das armas! Eles querem impedir a gente de dar o golpe, e estão pensando que vai ser amanhã, Quarta-feira, conforme nós dissemos no gravador. Provavelmente eles ouviram, e vão fazer de tudo para, amanhã, acabarem com a gente no local do golpe. Mas o certo seria a gente ter feito tudo hoje, e não depois! Porque, fazendo hoje, os idiotas seriam enganados, pensando que ia ser só amanhã. Só que agora aparece esse problema, a gente não tem as armas, e os caras não chegam!
- Peraí, se você ainda quer fazer tudo hoje, pelo menos avisou as garotas e o Tigre? – perguntou o Palhaço.
- Avisei, sim! Só que é o seguinte: eu falei pra elas que os bandidos estão pensando em pegar a gente amanhã. E disse que o golpe ia ser hoje, no máximo. E eu também falei que a gente estava encrencado com as armas. Avisei que ia vir aqui com vocês, pegar as armas, ligar para elas, pegá-las nas casas delas e fazer o maldito trabalho! Só que aqueles merdas não chegam! E outra: o Tigre está fora, podem avisar aquele retardado!
- Por que? – perguntou o Motoqueiro.
- Porque ele disse que ia participar, todo empolgado, e adivinhem! Eu liguei lá em Peruíbe hoje à tarde, e nem sinal do filho da puta no apartamento! Um dos amigos dele atendeu e disse que ele ficou dormindo na praia de manhã. Depois eles voltaram lá e o Tigre tinha sumido! Acreditam? Ele sumiu!
- Isso é grave. Não podemos agir hoje – disse o Motoqueiro, em voz baixa.
- Cala a boca, a gente vai fazer esse trabalho hoje, e em nenhum outro dia! Ponto final. Será que só eu ajo com profissionalismo por aqui?! Pouco me importa. É hoje.
Neste momento, alguém colocou a cara na janela do carro, ao lado do Mago.
- Bu.
- Que susto, cara! – disse o Mago, vendo que os negociantes haviam chegado. Lá estavam Frasco e Garrafa, os vendedores de armas.
- Estou com as armas, rapazes – disse Frasco, que falava mais. Eles estavam perto do carro, com sobretudos e maletas nas mãos. O Mago e seus parceiros permaneceram dentro do carro, porém trocaram de lugares. O Mago foi para o assento do motorista.
- Ótimo – disse o Mago. Não sabia o que dizer.
Frasco entregou para o Mago um pacote. Eram as armas.
- Está tudo aí – disse Frasco, esfregando as mãos e esperando o dinheiro.
O Mago suava, apesar de não sentir calor. O que faria? Aqueles dois eram capazes de mata-los por causa do recibo. Estava com as armas no colo. O Motoqueiro e o Palhaço estavam paralisados, esperando a reação do Mago. Este colocou uma das mãos sobre o volante, para apoiar o braço. Sem o Frasco ver, levou a outra mão até o câmbio. Estava escuro.
- Vou te pagar, Frasco. Vou pegar o recibo.
Em seguida o Mago virou-se para trás do banco, onde estava o Palhaço, sentado. O Palhaço se assustou ao ver o Mago se dirigindo a ele.
- Que foi? – perguntou o Palhaço.
- Passa o recibo, Palhaço – disse o Mago, olhando para ele e piscando com um olho.
O Palhaço ficou alguns segundos sem entender, mas depois entrou no jogo do Mago. Repetiu:
- O recibo?
- É... o recibo – disse o Mago novamente, só que de uma forma sugestiva, olhando para o casaco do Palhaço.
O Palhaço enfiou a mão no casaco preto, lentamente, e colocou algo na mão do Mago. Estava escuro, e ninguém via o que era. O Mago se virou novamente para a frente, e encostou o revólver no estômago do Frasco. Disparou três vezes, e arrancou o carro de lá, a toda velocidade, deixando o corpo de Frasco despencar em cima de Garrafa. O carro sumiu na avenida, rapidamente, e todas as pessoas presentes na calçada movimentada ficaram olhando o Garrafa gritar perto do corpo do amigo, e o carro fugir entre as ruas.








A polícia litorânea


06/03 – 21:45
O Tigre se sentou confortavelmente na cadeira da sala do delegado na delegacia de polícia de Peruíbe. Olhou o delegado, paciente. O delegado se conservava calado.
- Sr. Mezzotini... – disse o Tigre, finalmente. Na sala só estavam eles dois e mais um policial, sentado no outro canto, fumando um cigarro - ... vamos conversar.
- Certo.
- Acho que já entendi tudo o que está acontecendo... e estou interessado – dizia o Tigre, alisando os bigodes – Só tem uma coisa que não está muito clara: como vocês se aproximaram do grupo lá em São Paulo?
- Temos um tira daqui do departamento que foi para São Paulo e se aproximou de seu grupo.
- Como? Se aproximou de quem, em especial?
- Ele foi enviado para se envolver com uma das mulheres... não me lembro o nome... ah, sim, a Fada – disse o delegado, se levantando e andando de um lado para o outro – E realmente ele conseguiu... e não foi só isso, conseguimos colocar uns grampos na casa de alguns de vocês.
- Sério? Estou impressionado com o eficiente trabalho da polícia litorânea – disse O Tigre, se virando sorridente para o policial que fumava no outro canto. Este olhou para o Tigre com um olhar cínico e permaneceu calado.
O delegado andou até o Tigre e parou de pé ao lado dele. Ficou subitamente mais sério e disse:
- Escutaqui, bichano... vou te avisar sobre algumas coisinhas... fique sabendo que você será mantido aqui na delegacia por enquanto. Ninguém sabe que você está aqui, a não ser você mesmo... e a gente – disse, grave, o delegado, todo carrancudo, fazendo então um silêncio mortal. Só se ouvia o som de ventilador no canto da sala. Ele continuou – Vai ficar por aqui... até mantermos contato com o seu grupinho lá de São Paulo...
- Certo.
- ... e até o seu grupinho confirmar o que você está dizendo sobre se unir à gente. Porque eu não tenho nada a perder, sabia? Se for mentira, se eles me disserem que você está inventando tudo e que não pretendem fazer acordo nenhum comigo... aí o negócio complica. Pra você. Porque aí eu te mato, bichano. Isso mesmo. E sabe por que? Porque foi o que pediram para me fazer. Foi o que a Guirlanda Noturna me pediu pra fazer com você em especial.
- Eu sei.
- Olha – continuou o delegado – Não me importa suas briguinhas com aquele bando, a Guirlanda... mas acontece que eu fiz um trato com eles... e, se você tentar me tapear, eu mudo rapidinho de lado e volto a ajudar a Guirlanda... matando você... e arruinando o trabalho do seu grupo. Mas, se estiver falando a verdade, vou ajuda-los. Deixo todos vocês irem embora. Converso com a polícia de São Paulo. Falo para eles deixarem vocês aplicarem o golpe em paz... vocês fogem, com a grana... nos dão uma certa porcentagem... e então... dizem pra gente onde a Guirlanda se esconde... pra gente poder foder eles, entendeu, bichano? A gente prende todos eles, o que vai levar a minha delegacia à mais alta popularidade. Vai ser bom para a gente ter uma centena de assassino preso por aqui... entendeu tudo direitinho, Sr. Tigre? Hein? Entendeu tudinho? – o delegado olhava fixamente para o Tigre.
O Tigre balançou a cabeça, afirmando, e disse:
- Pode contar comigo, delegado Mezzotini – a voz do Tigre saiu meio fraca.
O delegado entregou o velho telefone nas mãos do Tigre.







Na cidade as coisas acontecem


06/03 – 22:03
Granada, sentado em sua confortável poltrona, fumava como um louco, com a preocupação estampada na cara. Ele tamborilava com o dedos na mesa uma música de Carnaval. Na verdade odiava Carnaval, e toda esta festa que as pessoas faziam, toda aquela gritaria e euforia. Mas em todo lugar onde ia ouvia as músicas típicas, e acordara com uma na cabeça.
Ele mordia o cigarro com os dentes, quando alguém entrou em sua sala, em passos lentos.
- Granada – disse uma voz que saía do escuro – Não vejo motivo para preocupação...
- Pois eu vejo, Sr. Jacaré, e muito!
Granada parecia ríspido ao falar com Jacaré. Este não gostou da tom de voz de Granada, pois eles haviam se aliado somente para a realização de um serviço. E o Jacaré era um homem tão importante na indústria do crime quanto Granada. Não admitiria falta de respeito. Jacaré se aproximou da poltrona do outro, e sacou uma faca do bolso.
- Escuta, paspalho, fala direito comigo, porque você não está nem um pouco acima de mim, se é o que pensa... neste trato, temos um certo respeito a ser seguido... me respeite, ou eu te mordo – finalizou Jacaré, guardando a faca.
- Desculpe, eu me exaltei, os tiras já deveriam ter entrado em contato! Você sabe disso... eles deveriam nos ligar e avisar como iam as coisas. Porque só assim iniciaríamos o estágio final do serviço, certo?
- Certo.
- E acontece, Jacaré, que essa espera me faz pensar em algumas coisas: a polícia ia apanhar o fajuto do Tigre hoje mesmo! Por que você acha que negociamos com policiais de Peruíbe?! Porque o maldito Tigre está lá! E algo me diz que eles não pegaram o desgramado! – gritou Granada – Além disso, estou começando a desconfiar de uma possível tramóia entre os policiais e aquele bando filho da puta do Mago!
- Não creio nisso. Não mesmo. O que devemos fazer é esperar – disse Jacaré, calmo – Os policiais não seriam nem bestas de tentarem algo assim. E eu te garanto uma coisa, Granada: estou pronto para isso. Se eles se unirem contra a gente, não vou perder tempo: tenho tudo organizado. Minha Guirlanda Noturna é uma organização poderosa e muito dinâmica. Poderei dominar a situação. Veja só: minha parte no trato foi satisfatória... mandei agentes para o apartamento do maldito Mago, instalei escutas, ferrei o plano das armas, consegui aproximação daquela cadela da Fada, através de um dos mais prestativos policiais de Peruíbe, e mais: um de meus homens é conhecido da Babá, uma das integrantes. Ele ficou sabendo através de uma ligação que o Palhaço está envolvido no golpe!
- O Palhaço, aquele filho da mãe? – disse Granada.
- É. E não se preocupe com o Tigre. Juro que, se ele escapar no final, vai morrer nas minhas próprias mãos...







Fada e Princesa permanecem no restaurante


06/03 – 22:34
- Você não sabe se ele seria capaz disso... – disse a Princesa à Fada, que chorava sobre a mesa.
- O caramba... – disse a Fada – Ele me enganou direitinho... nos conhecemos na festa, e depois marcamos um encontro. Neste encontro fiquei sabendo que ele era um tira... e morava em Peruíbe... e ele parecia meio nervoso ao dizer isto. Mas nem liguei... e começamos a namorar... mas eu nem contei nada para ele sobre o bando e o golpe...
- Sei.
- Até que, uma hora, durante a noite, fui ao banheiro do restaurante... e deixei minha bolsa na mesa, perto dele. Quando eu voltei para a mesa, notei algo de errado. Observei atentamente a minha bolsa, e havia algo de estranho nela. Tinha sido remexida, e é claro que tinha sido ele! Acontece que minhas coisas na bolsa ficam dispostas de um modo que é impossível alguém, sem ser eu, abri-la, mexer em tudo e deixar exatamente como estava. Nem um policial poderia deixar tudo como estava. Fiquei preocupada.
- E depois?
- Depois de um tempo ele foi ao banheiro, quando estávamos indo embora. Olhei então com mais atenção dentro da minha bolsa. Ele mexeu na carteira, mas não levou nada. Porém, algo havia sumido. As balas do meu revólver.
- Você leva seu revólver para esses lugares?! – perguntou a Princesa.
- Claro que não, é que eu tinha comprado neste dia algumas balas para usar hoje, e ele tinha me roubado! Logo vi que poderia haver algo errado em tudo isso, e então me lembrei de que o Tigre havia anunciado antes que iria passar o Carnaval em Peruíbe! Poderia haver alguma relação... e logo suspeitei de que algum grupo tramava contra nós, porque o Mago tinha sido roubado e colocaram escutas no apartamento dele. Fui embora do restaurante antes dele voltar do banheiro, pois tinha a certeza de que ele ia tentar alguma coisa. Quem garante que ele não tinha ido ao banheiro somente para ajeitar o gravador colado no peito que estava incomodando?
- Você tem razão, estamos fritas, mas não podemos fazer nada – disse a Princesa.







Delírios, palpitações e fugas inusitadas


06/03 – 22:55
- Pra onde a gente vai, porra?! – gritava o Palhaço.
- Cala a boca, porra! Não consigo pensar – berrava o Mago, guiando o carro em alta velocidade. Desviava dos outros veículos no último momento, derrapando a toda hora.
- Vão vir atrás da gente, eu tenho certeza, cara! – o Motoqueiro estava amedrontado – Eu sei que vão, aquela gangue, a polícia, todo mundo vai...
- Quieto! – disse o Mago.
- Já sei – disse o Palhaço – Mago, deixa a gente no clube.
- Por que?
- Porque nós vamos nos reunir, Mago. Deixa eu e o Motoqueiro lá, e pega o resto do bando de carro pra todos poderem se reunir. Só assim podemos pensar direito. Veja bem, o clube fica pra frente, não pra trás. Não precisamos retornar ao local onde atiramos naquele idiota.
O Mago ficou um longo momento dirigindo, em silêncio, respirando fundo. Afinal, decidiu ceder. Não era mais ele quem dava as regras, mas, a esta altura, ele nem se importava mais.
- Tá bom, vou deixar vocês no clube, e vocês tratem de aguardar por ali até eu voltar com os outros, entenderam bem?
- Entendemos, Mago – respondeu o Motoqueiro.
- Quero manter um mínimo de profissionalismo nesse bando – disse, por fim, o Mago.
O Motoqueiro e o Palhaço se olharam.
O Mago de repente escutou algo.
- Estão escutando? – disse ele.
- Gravadores, de novo? – perguntou o Palhaço.
- Não! É o celular tocando! Na gritaria não estávamos ouvindo! Atende, Motoqueiro. O celular tá na sacola.
O Motoqueiro atendeu.
- É interurbano – disse o Motoqueiro para o Mago.
- Alô, quem é? – disseram do outro lado.
- Quem... espere aí... é o Tigre?! – perguntou o Motoqueiro, surpreso.
- Isso mesmo, Motoqueiro. Sou eu.
- O que você...
- O Mago tá por perto? – disse o Tigre.
O celular foi passado para o Mago, que dirigia.
- Alô.
- Mago, presta aten...
- Presta atenção você, seu safado – disse o Mago, alterado – O que você tem na cabeça? Merda? Age como se não soubesse nada sobre o golpe, né? Que bonitinho, o tigrinho...
- Peraí, cara, não é nada disso... é sério, me escuta com atenção...
- Escuto. E, no final, você vai ouvir um monte, e daí eu te chuto pra fora do bando... – disse o Mago.
- Calma, calma, Mago... – ouvia-se o Tigre respirar agoniado do outro lado - ... eu tô na delegacia de Peruíbe, na sala do delegado Mezzotini... e preciso explicar uma coisa: os policiais querem fazer um acordo com a gente, uma ação em parceria. Vou explicar: a Guirlanda Noturna, lembra dela?
- Você fazia parte dela – disse o Mago.
- Isso. E me encrenquei com eles, por causa de brigas e dívidas... até que entrei para o seu bando, lembra? Mas eles não têm largado do meu pé... e resolveram armar uma jogada junto com a polícia para me pegar e, de quebra, acabar com os nossos planos... botar cada um de nós na cadeia. Assim, a polícia que negociasse com eles iria ser beneficiada, tendo atrás das grades uma porção de bandidos como nós. Em troca, receberiam dinheiro vindo do governo e impunidade quando quisessem agir em assaltos, e outras coisas...
- Continue.
- Bom, achar os policiais certos era só uma questão de tempo para a Guirlanda. E, através de agentes disfarçados, descobriram que eu ia para Peruíbe neste Carnaval.
- Hã.
- Então, poderiam agir junto com a polícia de Peruíbe, onde os tiras me achariam com facilidade e me pegariam, sendo eu o primeiro a ser eliminado, devido às intrigas que tenho com eles. A vingança estaria feita, e outra: quem desconfiaria que haveria ligação entre a polícia daqui e a Guirlanda, que age só aí em São Paulo?
- É verdade – disse o Mago.
- E aí, quando eu fui pego hoje aqui em Peruíbe, o delegado e eu resolvemos tratar do assunto com mais inteligência, e ele propôs um acordo entre a polícia e o nosso bando: pegamos os filhos da puta da Guirlanda, entregamos eles na mão dos tiras, e em troca temos a Quarta-feira tranqüila para dar o golpe. Eles asseguram que não haverá nenhum policial para atrapalhar o golpe amanhã. E além disso aquele dinheiro do governo que está com os tiras entraria no nosso bolso. O que acha? O delegado quer uma resposta em breve. E tem mais: a gente está lidando com mais de um grupo criminoso. O delegado me informou que a Guirlanda está associada a um outro grupo barra-pesada.
- Qual?
- O do Granada. Conhece?
De repente, o Mago teve um sobressalto. Ficou paralisado.
- Alô, Mago? Está aí?
- Estou. Você disse Granada, o bandidão do centro?
- Isso mesmo. Por que? Algo errado? – perguntou o Tigre.
- Com certeza há algo errado! Preste atenção agora, Tigre: Granada é também o dono da Casa de Armas Ilegais do Pistola! A casa de armas onde nós encomendamos as armas! O Pistola trabalha para o Granada, se você não sabe. E nós acabamos de sofrer um incidente envolvendo o Garrafa e o Frasco, os negociantes!
- Vocês não se encrencaram com eles, né?
- Infelizmente, sim – disse o Mago, tenso – Matamos o Frasco.
- Meu Deus...
- É. Roubaram o nosso recibo, e aí perdemos o controle quando eles vieram cobrar.
- Peraí – disse o Tigre – Não faz sentido: se o Granada e a Guirlanda do Jacaré estão unidos, por que iriam roubar o seu recibo, e depois mandarem o Frasco e o Garrafa venderem as armas para vocês? Deveriam saber que, sem o recibo, não venderiam as armas.
- Você não percebe? É isso mesmo! Era tudo um pretexto para eles virem matar a gente. Eles pegaram nosso recibo, certo? E mandam em seguida a dupla entregar as armas e pedir o recibo. Diríamos então que não tínhamos o recibo. Isso seria motivo suficiente para o Frasco e o Garrafa matarem a gente! Matando mais integrantes do nosso bando, enfraqueceriam a gente e nós fracassaríamos na hora do golpe! Era tudo um pretexto para atirar na gente, mas falhou, pois a gente acertou eles.
- Eu sei – disse o Tigre – Mas não podemos perder tempo, logo irão mandar mais homens para pegar a gente.
- Faça este acordo com o delegado, Tigre – disse o Mago – E garanta que não haja nenhuma sujeira no trato, ouviu bem?
- Pode deixar.
- Confio em você – disse o Mago – Vou comunicar todos do bando do que ocorreu. E depois apanharei cada um e levarei até o clube. Lá resolveremos o próximo passo.
- Até depois, Mago.
- Até logo.







O telefonema


06/03 – 23:28
Na sala do Granada, Jacaré e mais alguns homens, além do próprio Granada, discutiam ferozmente a situação. Granada pedia uma ação imediata para a situação, e Jacaré acreditava que a espera iria esclarecer tudo em breve. Ambos já estavam tensos, fumando e andando para todos os lados da ampla sala. Os capangas apenas observavam, e faziam comentários entre si.
A tensão foi quebrada pelo toque do telefone, agudo e estridente, cortando todos os outros sons.
Todos pararam.
Seriam os tiras?
Granada foi atender.
- Sim?
- Quem fala? – perguntou uma voz do outro lado.
- Com quem deseja falar? – insistiu Granada.
- Escuta... eu quero ajudar vocês... tô por dentro de tudo...
- Mas quem é você?
Não disseram nada.
- Alô! – repetiu Granada.
- Olha, eu não vou dizer o meu nome, certo? Porque depois eu posso me ferrar. Mas o negócio é que eu posso dizer uma porção de coisas pra vocês sobre o bando que vocês procuram...
- Ah, é? Que tipo de coisas?
- Informações de primeira. Se me pagarem bem, vão pegá-los, com certeza.
- Como tem tanta certeza? – perguntou Granada.
- Que tal o fato de que eu faço parte deste bando que procuram?
Granada ficou mudo, pensativo e surpreso.
- Isso é alguma espécie de brincadeira?
- Não.
- Acho bom não ser mesmo.
- Vou dizer o local onde devem deixar o dinheiro que eu pedir.
- Mas antes vai dizer tudo o que queremos saber...
- Pode deixar, vou falar pra vocês tudo o que precisarem saber sobre aqueles filhos da puta...








Quarta-feira de Cinzas



A Guirlanda está contente


07/03 – 3:02 (madrugada)
Jacaré e Granada olhavam, ansiosos, para a terceira pessoa a ocupar a sala de Granada naquele momento.
Jacaré: líder da Guirlanda Noturna, grande instituição criminosa criada em 1950. Granada: magnata manipulador de dezenas de oficinas, clubes e escolas do crime, onde os mais diversos criminosos estão a seus pés, a seu mando.
Dois bandidões diante de uma pessoa que permanece no escuro, e que nos últimos 30 minutos esteve contando toda espécie de informações sobre seus antigos companheiros, o bando do Mago.
Esta pessoa está disposta a trair cruelmente seus parceiros para, em troca, receber todo o crédito e a recompensa que Jacaré e Granada puderem lhe oferecer. As informações são importantes para os bandidos, pois assim eles poderão acabar de vez com os planos do bando do Mago, que agirá na Quarta.
- Aqueles policiais estão fodidos... – disse Granada, dirigindo-se ao Jacaré – Traíram a gente na maior cara-de-pau. Se bobear, a gente pode até tentar acabar com eles, também...
- Bom – disse Jacaré – Pelo menos, temos aqui um informante muito útil. Você não se sente mal denunciando seus ex-parceiros, não?
- Não. Não me interessa o que vai acontecer com eles, e não interessa a vocês se eu me sinto mal ou não – disse a figura, mantendo-se no escuro.
- Certo, certo. Já temos o que queríamos, e já lhe pagamos devidamente – disse Jacaré.
- Isso mesmo.
- Então – concluiu Granada – creio que é hora de você partir e...
- Ainda não – disse a voz, inabalada.
- Como assim? – perguntou Granada.
- Acho que entendi – disse o Jacaré – Você quer saber o que vamos fazer com a sua amiga.
- Isso mesmo – respondeu a figura sinistra.
- Mas você disse que não dava a mínima para aqueles idiotas – disse o Jacaré.
- Eu sei, mas ela ainda é minha amiga. Vou partir de trem daqui uma hora para outro estado e não pretendo voltar mais, portanto, quero saber agora o que vão fazer com a minha amiga.
- Bem, deixa eu ver se entendi – disse Granada – Nós encontramos vocês duas juntas horas atrás, naquele restaurante. E ficamos sabendo que era você a traidora que falou com a gente no telefone. Aí, conseqüentemente, tivemos que trazer sua amiga junto, amarrada, pois ela não podia fugir e contar para o resto do seu bando que você é uma traidora.
- Certo.
- E agora não quer que acabemos com ela, por causa de sentimentalismo. Acontece que, se soltarmos ela, ela vai contar tudo para o bando do Mago, espertinha.
- Seus burros. Foi importante mantê-la aqui presa enquanto eu lhes contava tudo sobre o bando. Se soltarem ela quando eu já estiver bem longe daqui, não haverá problema algum. Mas deverão soltá-la só depois que vocês pegarem o bando do Mago – dizia a moça – Senão, é claro, ela iria contar tudo pra eles, que eu sou a traidora, e que vocês já sabem do plano do Mago.
- Está certo – disse o Jacaré – Soltaremos a menina quando tudo acabar, para que não haja nenhum problema. Nossa ação contra o Mago seria destruída se ela fosse solta. É só isso?
- Só. Foi um prazer negociar com vocês – disse a moça, colocando o maço de notas de dinheiro na bolsa.
- Se o que você nos disse for mentira, sua amiga morre...
- Certo – respondeu ela.
- A propósito... – disse Granada - ... gostou do policial que enviamos para te conhecer?
- Ele me enganou direitinho. Mas tudo bem... os policiais todos também te enganaram.
- Engraçadinha... ah! Como se chama a sua amiga, que nós prendemos?
- Princesa.
- Ah, sim, eu percebi o vestido que ela usa. E você, garota, quem é?
Ela ficou um momento em silêncio, pronta para ir embora, e então disse:
- Eu era a Fada. Mas agora podem me chamar de Bruxa.
Ela deixou o local rapidamente, com a cabeça baixa.







O bando do Mago


07/03 – 6:25
- Estou intrigado – dizia o Mago.
- Concordo – disse o Motoqueiro – A Princesa e a Fada já deveriam ter voltado a várias horas atrás. E o celular?
- Não atende. E já estou começando a pensar que, provavelmente, os filhos da puta da Guirlanda pegaram as duas e estão tentando arrancar informações delas.
- Elas são fortes – disse a Babá, tentando se manter calma.
O clube estava silencioso, àquela hora da manhã. Só se ouvia lá dentro o som de talheres e xícaras do café da manhã que a Babá fazia. Ela era boa nisso. Toda babá tem de ser.
- O mais importante é que hoje nós acabamos com a Guirlanda e o resto dos bandidos que estão na nossa cola. Ter a polícia do nosso lado é o maior trunfo que poderíamos arranjar – disse o Palhaço – Mago... o Tigre acertou tudo lá em Peruíbe?
- Acertou. E ele vai chegar aqui ainda de manhã, para participar da ação. Recuperei a confiança no Tigre – disse o Mago.
O Mago estendeu em cima da mesa um mapa onde se via o local onde o banco principal da cidade ficava.
- Agora, prestem atenção...






O golpe


07/03 – 19:28
No carro do Palhaço, ele, o Motoqueiro e o Tigre aguardavam a hora de agir. Todos carregavam duas pistolas com munição de sobra nos bolsos.
A noite quente, as ruas lotadas. No meio da avenida onde ficava localizado o banco, passava demoradamente um imenso grupo de pessoas desfilando. Era um grande desfile do Carnaval paulista, que ocupava toda a avenida e gerava grande euforia entre os cidadãos, que se amontoavam por toda a calçada da avenida e dançava, animada.
O som da música e da gritaria, da farra, eram incríveis, e todos aqueles carros alegóricos formavam um bonito cenário colorido e agitado pelas ruas.
A agitação serviria justamente para ajudar mais ainda a fuga do bando do Mago.
Na avenida havia alguns clubes de dança onde ocorriam bailes de carnaval, em grandes salões lotados de pessoas fantasiadas e serpentinas e bexigas, e toda essa multidão se juntava acidentalmente com a multidão das ruas, criando assim uma farra unificada, sem limites nem barreiras.
No lado oposto ao que se encontrava o carro do Palhaço, na rua, estava a pick up do Mago, onde estavam o próprio Mago e a Babá.
Sete e meia. Chegou a hora.
A polícia estava parada lá perto, com ordens de deixar o bando fugir disfarçadamente.
E, provavelmente, lá perto deveria estar a Guirlanda, à espreita, pronta para afundar o golpe do Mago.
O bando deixou os carros estacionadas na rua, numa parte menos movimentada, e carregaram suas armas, marchando em uníssono em direção ao banco, empunhando as pistolas como se fossem o exército de Apocalipse, prontos para usar a violência em favor de si mesmos.
Bandidos invulneráveis sob a lua de verão, todos sorrindo perversamente em sua caminhada no meio daquela multidão desvairada de loucos...
As automáticas vibram em suas mãos, sentem o sangue que bombeia violentamente em suas veias, e cospem o fogo infernal para a frente, abrindo caminho e arrombando qualquer porta que se ponha à sua frente.
O Palhaço sorri, olha em volta a multidão eufórica. Descarrega um cartucho na porta do banco. Eles entram, apressados, e se dispersam pelo interior do saguão, apontando as pistolas para todos os lados, num louco golpe desvairado e alucinado. Não há ninguém lá dentro, exceto alguns guardas, meros vigias.
O Motoqueiro sobe no balcão da frente, gritando para os outros seguirem para os cofres, pois ele ficará vigiando a saída, armado.
Logo os cofres são esvaziados, o dinheiro é colocado em sacos resistentes, presos às costas dos bandidos, que agora só precisam deixar o local em segurança.
Eles fecham os cofres, e se preparam para ir para a frente do banco, onde tinha ficado o Motoqueiro.
Porém, eles ouvem, lá na frente, os terríveis sons de tiros que gelam suas almas, pois em seguida escutam os gritos esgoelados do Motoqueiro. Pegaram ele.
- Porra, a polícia disse que não ia se meter! – gritou o Palhaço.
- E não se meteram! – disse o Mago – Acho que já sei quem veio nos pegar.
Eles carregam as armas novamente e irrompem no saguão principal atirando para todos os lados, destruindo o que estiver pela frente.
E vêem seu companheiro Motoqueiro se juntar a eles, já ferido.
Há um bando da Guirlanda no banco, um grupo de seis ou sete capangas vestidos com paletós listrados, armados até os dentes. Eles se esquivam das balas e respondem com uma saraivada de tiros.
O Motoqueiro agonizado no chão, cheio de sangue. E com o ataque da Guirlanda, o Palhaço toma um tiro na perna, um tiro que faz ele parar na hora e ir ao chão, cheio de dor.
Um dos integrantes da Guirlanda cai na risada e grita, cuspindo:
- Ah! Olha só o Palhaço, coitado! Não está mais rindo!
O Mago atinge um dos membros do grupo inimigo no peito, e ele cai em seguida. A Guirlanda se esconde atrás de um balcão.
O Motoqueiro começa a tremer, tenso, e perde o controle da situação. Sai correndo pelo saguão, e deixa o banco na maior correria, sem ao menos olhar para trás. A intenção dele é achar a polícia, que deveria ajudar o bando do Mago. A polícia está na outra esquina.
O Motoqueiro disparou pela calçada, mas não podia seguir em frente, pois a multidão formava uma muralha pela rua, impedindo qualquer passagem. As pessoas caem sobre ele, e o empurram para dentro de um clube onde ocorre um baile.
Ele ;e levado para dentro do salão, e logo vê que dois homens da Guirlanda estão vindo em seu encalço, do lado de fora.
Dentro do banco, o Palhaço morre com um tiro na cabeça.
A Babá consegue ferir um dos capangas, e o Tigre se prepara para ir ajudar o Motoqueiro, na rua.






O Motoqueiro


07/03 – 20:03
No baile, há muita euforia e muito barulho, e o Motoqueiro se embrenha cada vez mais no lençol humano que lá dentro se forma.
Os capangas também entram, e avistam o pobre Motoqueiro.
Ele chega aos fundos do salão, onde vê uma porta. Ao entrar, vê que é um banheiro, e, ofegante, ele se tranca lá dentro, em desespero. Ele treme, suando frio em pânico. Está perdendo o controle. As coisas não estão saindo como deveriam. Ele abre a torneira, enfia as mãos e a cabeça na água gelada, e sente a cabeça latejar intensamente.
Neste momento ele imagina que não queria estar ali, naquela situação. Queria estar com sua namorada, em cima de uma moto, pegando a estrada e partindo rumo a uma cidade nova, onde ninguém o conhece. Todos sonham com isso.
Ele se olha no espelho, tira a pistola do casaco e segura ela bem firme, apontando para a frente rigidamente. Tenta olhar fixamente para sua imagem no espelho, mas não consegue. E, com a arma na mão, faz uma terrível descoberta.
Seus olhos encontram o cartucho da arma. Está quase vazio. O suor desce por sua testa. Há somente uma bala na pistola.
E, quase ao mesmo tempo, ouve alguém esmurrar a porta do banheiro, freneticamente.
Conclui que deve fazer um uso mais inteligente da última bala na pistola. E a coloca dentro de seu crânio, com um desesperado tiro suicida.






O Tigre


07/03 – 20:25
O Tigre estava sem munição. Suas balas haviam acabado, e ele só conseguira ferir um dos capangas da Guirlanda.
De repente teve uma idéia. Olhou agilmente em volta, procurando algo.
Ficou à espreita, em posição de expectativa, e quando viu que os tiros não poderiam atingi-lo, disparou velozmente pelo saguão, se atirando com agilidade incrível sobre um balcão e caindo nos fundos do salão, onde procurava algo.
O Mago, aflito, tinha levado um tiro de raspão no braço, e gritou:
- Seu imbecil, o que está fazendo?! Vá chamar a polícia!
O Tigre nem deu atenção ao Mago, e achou a caixa de força na parede. Com agilidade, logo desligou toda a energia do local, deixando todos na escuridão e no maior silêncio.
Agora o Tigre estava em seu ambiente, e apto a agir com maior eficácia. Sua visão era perfeita, e pôde distinguir vultos no saguão do banco. Aproximou-se de seus companheiros, dizendo-lhes que estava tudo bem.
O Mago compreendeu que o Tigre se dava bem em locais escuros, e mandou a Babá pegar todo o dinheiro e ir levando para o carro, enquanto ele e o Tigre davam um jeito na Guirlanda. Ela foi, guiada até a saída pelo Tigre.
O Mago, então, p6ode lidar facilmente com os dois membros da Guirlanda restantes, pois estes estavam desorientados.






A Babá


07/03 – 20:58
Ela deixou o banco, apressada, carregando a grande soma de dinheiro nos braços. Mal podia se mover direito no meio da multidão, mas aos poucos se aproximou da pick up do Mago.
Entrou correndo, bateu a porta, jogou os sacos de dinheiro no banco e, quando ia dar a partida para ir pegar o Tigre e o Mago no banco, alguém a agarrou e tapou-lhe a boca.
Eram os dois caras da Guirlanda que haviam ido atrás do Motoqueiro. Depois de espancarem brutalmente a Babá, que fora pega de surpresa, eles pegaram o dinheiro do roubo e deixaram a pick up. Um carro os esperava na outra rua, e foi para lá que eles foram em seguida. Um deles era o Jacaré.
A polícia avistou os bandidos andando com o dinheiro e, antes que pudessem entrar no carro, os tiras os alcançaram e houve então uma troca de tiros, de onde um policial saiu morto. Mas o Jacaré e seu parceiro foram apanhados e levados na viatura. Os policiais tinham cumprido sua parte no acordo com o Mago, e, querendo se livrar logo deste problema, foram embora. O dinheiro foi deixado perto do carro do Jacaré, e ninguém pôde pegá-lo, pois tinha sido largado ali.






O Mago


07/03 – 21:13
O Mago, gravemente ferido, deixou o banco juntamente com o Tigre, ambos cambaleantes, e começaram a procurar o carro do Mago.
Logo ouviram o som de sirenes e ficaram alarmados ao verem que os policiais que fizeram o acordo com ele haviam se mandado após prenderem a Guirlanda. Mas e agora? A polícia do outro distrito ficara sabendo do que se passava e estava a caminho do banco, prontos para prenderem os assaltantes...
O Mago não tinha forças para nada, e não conseguia fugir. Sua vista ia embora, e ele só conseguiu chegar até a pick up e ver o corpo da Babá todo ensangüentado. Depois desmaiou.
O Tigre usou a energia que lhe restava e se embrenhou na multidão do desfile, onde dificilmente seria encontrado pela polícia. Nem ligou para o Mago e a Babá. Se misturou às pessoas que, como ele, eram todas mascaradas.
Logo os policiais chegaram, encontraram o dinheiro do roubo na rua e prenderam o Mago e a Babá, que estavam caídos na pick up, abraçados.







A Princesa – Conclusão


Nunca mais encontrei nenhum deles. Li tudo o que pude sobre o assalto nos jornais, onde descreviam o violento suicídio do Motoqueiro, o assassinato do Palhaço, a prisão do Mago, da Babá e de alguns membros da Guirlanda Noturna, assim como a descoberta da rede criminosa liderada pelo Granada, denunciada pelo Jacaré.
O dinheiro do banco foi devolvido, e a polícia local foi premiada com mérito pelo governo, assim como os policiais de Peruíbe, cuja presença em São Paulo ninguém soube explicar, mas que foram também bem vistos pelo governo devido à sua astúcia ao capturar a Guirlanda.
O Tigre nunca mais foi visto.
A Fada, depois de me deixar nas mãos da Guirlanda, fugiu para algum outro estado do país. Meu palpite é que ela vive em Minas, pois sempre me dizia, em nossas conversas, que sonhava em se mudar para lá.
Não a incrimino por ter feito aquilo comigo, só acho que ela agiu de modo egoísta, adquirindo dinheiro em troca da traição do bando.
Eu fui solta pela Guirlanda quando tudo acabou, principalmente porque o líder deles já tinha ido para a prisão, então me deixaram inteira...
Hoje acredito que os conselhos que a Fada e os outros me davam eram valiosos... continuei tomando muita droga, depois do que ocorreu no Carnaval, e só fui me arrepender muito tempo depois, quando contraí o HIV com uma seringa descartável usada.
Ainda me drogo, e me destruo cada vez mais. Naquela época a gente achava que tudo era uma festa e, na folia, nos fantasiávamos para nos escondermos de nós mesmos, para não vermos nossas caras no espelho...
Até hoje, se estou doidona, eu tenho umas alucinações, vejo umas imagens antigas de um bando esquisito marchando com suas armas sob uma chuva de confetes no Carnaval de 68...






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