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Contos-->Os anais do psicodelismo, as garotas e a crise -- 28/01/2003 - 16:47 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Os anais do psicodelismo, as garotas e a crise


Oito da noite. Noite quente. Sherlock Holmes está sentado em sua poltrona fumando maconha. A erva é forte, os olhos já estão caídos.
A sala é decorada de forma tradicional e aconchegante, no velho estilo londrino de viver. Sherlock permanecia, como sempre, refletindo em seu sofá, com o queixo enfiado no peitoral, as mãos atadas sobre a barriga, cruzadas, as pernas estendidas pela sala toda, de um canto ao outro (suas pernas sempre foram compridas), os pés pra cima, pontudos, o olhar profundo, pensativo, mergulhado nas sombras, o nariz aquilino reto e decidido.
Na vitrola rolava um John Lee Hooker, um dos mestres do blues que Holmes idolatrava. Suas preferências eram, além do blues, o rock-balada, rock n’ roll anos 50 e 60, heavy metal estilo Black Sabbath, e um pouco de punk rock, nos dias de fúria. Jazz também era ouvido em seu apartamento.
Holmes havia largado a mania do violino faz tempo. Agora tocava um pouco de guitarra e teclado, às vezes. Ele achava divertido. Principalmente quando estava chapado. Aí é que a coisa pegava pra valer. Ele se transformava num louco, num músico encarnado, uma alma artística e drogada...
Mais tarde, Watson voltou do consultório. Estava trabalhando com drogados, ultimamente, e o serviço acabara por tornar o doutor um viciado. Holmes já era viciado há muito tempo, desde seus anos de hippie, quando Holmes aderiu ao psicodelismo, ao sexo livre e à natureza. Erva natural. Canabis. Além disso, os dois faziam diversos estudos sobre a maconha, e sobre chás de cogumelo, plantas da América do Sul, etc. Era um assunto que interessava aos dois.
Sherlock estava chapadão, agora, curtindo um som muito louco. Precisava das drogas. Heroína, cocaína... ajudavam ele a resolver seus casos mais intrigantes, mais complicados, e que exigiam raciocínios muito complexos, especulações, atividades que iam até o fim da madrugada, de modo que ele mal dormia nestas ocasiões. Ficava cheio de olheiras, com os olhos caidões, o nariz vermelho fungando, os cabelos eriçados e cheio de tremores nas mãos. Ele ficava hipocondríaco, quebradiço.
Além disso, a química ainda constituía assunto de grande interesse para ele. Ficava horas entretido em seu laboratório químico, fazendo experimentos, e fumando maconha. A governanta do prédio já não agüentava mais o cheiro da erva quando ia falar com Holmes. Mas fazer o quê? Ele paga o aluguel, e isso já basta...
- Boa noite, Watson... noite quente, hein?...
- É. Estou cansado. Trabalhei muito hoje. Aqueles malditos viciados... e você, esteve ocupado com seus casos? O que conta de novo?
- Ah, tenho mais de dez casos pendentes, meu amigo... fiquei hoje o dia todo a esquematizar na minha cabeça toda a trajetória de um crime do subúrbio... rixa de traficantes... o negócio tá bravo. Preciso comprar mais coca... quer um pouco de fumo?
- Ah, acho que vou bolar um pra mim, obrigado... preciso de algo bem forte agora... quer martíni?
- Não. Bebida me dá sede – respondeu Holmes, tonto – Ei, Watson... é impressão minha ou estou ouvindo gritos na rua? Você ouviu também? Parece que tem alguém chorando, gritando...
- Não ouço nada.
- Terça-feira tem dentista... olha só, é o Billy Joel na minha parede... – Holmes delirava.
Watson observou o amigo por um tempo, com olhar clínico, e logo constatou:
- A erva é forte. É forte, meu amigo.
- O barato é louco e o processo é forte...
- “O barato é louco e o processo lento”! – corrigiu o doutor, todo entendido da filosofia junkie.
- “Não dá pra segurar... desculpe, meu amigo, mas... não dá pra segurar!” Há há há! Você também gosta do Ira, Watson? Aquela bandinha legal?
- Mais ou menos... de nacional, prefiro os Titãs.
- Os Titãs são um saco, Watson. Elementar, meu caro amigo. Vamos fumar...
Eles começaram a discutir os casos de Holmes. Era uma discussão muito inteligente.
- Descobri que estou lidando com viciados e traficantes em um de meus casos... – disse Holmes, sério e grave.
- Ah é? E como descobriu isso?
- Elementar, meu caro Watson... encontrei cocaína e sangue em grande quantidade no local do crime. Além disso, a polícia me encheu com informações do bairro do crime.
- Nossa, que descoberta, Holmes... essa sua capacidade de deduzir tudo pela lógica, tão rápido... me deixa surpreso, sempre. Seu raciocínio é muito apurado. Coisas que me escapam, na certa, são tão claras pra você... e quando você explica as coisas, Holmes, as coisas ficam tão claras e parecem tão óbvias... e é tudo tão belo... – Watson estava nas nuvens, excitado pelo fumo.
- É a lógica, é a razão. Sou assim, Watson. Um pensador. Obrigado.
A noite correu solta naquele papo junkie. Eles pediram comida japonesa num restaurante, assistiram alguns filmes bem cult que passaram na TV a cabo e ouviram um CD dos Ramones.
Sherlock Holmes espumava pela boca, de tanta excitação e de tanto pó cheirado.
- Vamos chamar umas putas aqui? – sugeriu o sagaz detetive, em certo momento.
- Sei lá, Holmes... estou meio murcho hoje. Me sinto estranho.
- Você melhora, quer apostar? É só dar uma trepada... sei que é casado, Watson, mas... sabe, às vezes os homens precisam de algo diferente na vida, um prazer a mais, se é que me entende...
- Entendo. É verdade. Sei que nunca trairia minha adorável mulher, mas, quando se trata de uma prostituta, já é outra coisa... além disso, moro aqui com você, e dificilmente mina mulher apareceria por aqui.
- Como disse Platão: “O homem, casado ou descasado, necessita o elixir da fruta jovem e feminina... a uva. O biscoito.”
- Platão não disse isso – ponderou Watson, tragando.
- Não? Quem foi?
- Não sei.
- Já sei então! – gritou Sherlock – Lembra-se da Bia e da Pri?
- Lembro... eram da faculdade, né?
- Isso. Tenho o telefone das duas. Vamos chamar elas aqui? Elas são gostosas, Watson!
- Chama!
- Oba.
Eles telefonaram para as garotas.
- Alô, aqui é o Holmes, lembra de mim, Pri?
- Claro! Oi, Holmes! Como vai?
- Bem, bem. Trabalhando sempre, e você?
- Também.
- O que está fazendo?
- Trabalho numa sex shop na avenida...
- Legal. Como é que chama?
- O que?
- Sua sex shop.
- Chama “Fábrica de Esperma”.
- Louco, hein?
- Só.
- E a Bia, tem visto ela?
- Todo dia. Ela está fazendo tatuagens e colocando piercings, ao lado da minha loja... estamos entrando numa onda meio techno, sabe?
- Legal, hein? Olha, eu liguei porque pensei em chamar vocês duas pra vir até o meu apartamento hoje. O Watson tá aqui. Estamos loucos pra falar com vocês.
- Sei. Falar, né? Querem é comer a gente...
- Serve.
- Há há há! Holmes, seu cachorro.
- He he. Então... vêm?
- Tô indo. Prepara as coisas...
- Vamos nos divertir.
Holmes desligou o fone e saltou da poltrona, agitado. Era esta a noite. Era esta a hora. Ele saltou pela sala, com seu cachimbo, foi na cozinha, colocou o chá de cogumelo pra gelar, escolheu um disco de jazz bem maneiro, daqueles estilo Benny Goodman Orchestra, The War Years, In the Mood, e começou a saçaricar pelo tapete, preparando drinques, petiscos, baseados de maconha, a guitarra... tudo seria perfeito. Sexo e drogas...
O apartamento era muito confortável. Tinha um tapetão verde e preto bem escuro que cobria o chão da sala inteiro, e móveis que misturavam o melhor do moderno e aconchegante ao clássico e vitoriano. Carvalho. A decoração tinha sido feita dois anos atrás, pelo grande decorador de Londres, Tim Teco, homossexual.
Watson tomou um banho e colocou uma camisa e uma calça limpas, novas. Holmes ficou com seu sobretudo por cima do terno, só deu uma penteada no pouco cabelo que tinha, e recarregou o cachimbo. Deu um pulo de alegria.
- Holmes, o que você achou desta calça bege que eu comprei? Não é bonita?
- É sim. Comprou onde?
Watson deu uma viradinha em frente ao espelho.
- Comprei no camelô.
- Sábio. Gostei mesmo, acho que vou procurar uma para mim.
- Se você for, me chama que eu vou junto, beleza?
- Firmeza.
Às onze horas a campainha tocou.
- São elas, Watson. Pegue as camisinhas e deixe por aqui. Vou abrir pra elas.
Entraram na sala duas moças muito bonitas, formosas, jovens, arrumadas e animadas... uma delas era altona, toda com pose e formato de modelo, cabelos longos, castanhos, olhos enormes e bonitos, e vestindo uma calça colada nas pernas. Ela devia ter mais de 1,90m, com certeza. Mais alta que o próprio Holmes, que sempre foi o “poste” da turma. Esta era a Bia. A Pri era um pouco mais baixa, mas era mais formosa que a amiga. Pernas grossas, quadril jeitoso, seios redondinhos, arrebitados em direção ao céu. Cabelos negros, lisos, uma saia muito curta, que deixava as pernas expostas, e sandálias. Holmes, sempre observador, logo notou que a calcinha da Pri estava aparecendo. Era branca com rendinhas. Achou graça no fato, mas não comentou nada. Falou para elas se sentarem e serviu vinho tinto.
- E aí, como vão as coisas? Fumando muita erva? – perguntou Bia, a altona.
- Muita – respondeu Holmes, chapado – Alguma de vocês quer fumar, ou quer cheirar alguma coisa? Chá?
- Ah, eu aceito... vou dar um tiro... – disse Bia. Ela gostava de coca.
- Eu vou ficar só no verde... – Pri era amante da canabis.
Eles fumaram durante um tempo, e então Watson apareceu. Estava sedutor, engraçado, fazendo graça com as meninas.
A noite rolou ao som de Eric Clapton...
A certa hora da madrugada, eles ouviram passos no corredor. Devia ser algum cliente de Holmes. A pessoa entrou, e se apresentou:
- Boa noite, Sr. Holmes, boa noite, amigos... eu sou Austin Ignácio, moro em Junk Street, ao lado da cocheira.
- Já ouvi falar – disse Watson.
- Chh – fez Holmes, mandando Watson ficar calado, pois queria prestar atenção no homem que chegava. Se era trabalho, a coisa era levada a sério.
- Sente-se.
O homem se sentou, ficou olhando as garotas e apreciando as longuíssimas e longilíneas e puntiformes e óxido-redutoras pernas de Bia, assim como não deixou de prestar atenção e se fixar relativamente demoradamente no par de seios simétrica, curvilínea e octoedramente simétricos de Pri, que era linda, por sinal.
- Olá, garotas – disse o estranho, se aconchegando mais pra perto de Pri.
- Oi.
- Olá.
- Você fuma? – perguntou Holmes, estendendo-lhe um cachimbo com canabis.
- Obrigado – ele pegou o cachimbo na mão, fez uma reverência e tragou duas vezes. E se preparou para iniciar sua história.
- Em que posso ajudá-lo?
- Bem, Sr. Holmes, já deve imaginar que cheguei aqui por causa das inúmeras recomendações que ouço, sempre, a seu respeito, dizendo ser o senhor o maior detetive da Inglaterra...
- E do mundo – emendou Watson, puxa-saco de plantão.
Holmes não disse nada. Se concentrava no sujeito.
- Já disse meu nome e onde moro. Sou estudante, Sr. Holmes, faço faculdade de cinema a alguns quilômetros de Winchester. Pode ver que sou jovem.
- O senhor me desculpe, mas já tomei o cuidado de deduzir uma dezena de coisas a respeito do senhor a partir do momento em que entrou em minha sala, através da observação analítica à qual me dedico em meu trabalho.
- E o que descobriu, Sherlock Holmes? – perguntaram todos os presentes em voz alta, admirados e atentos.
Holmes pigarreou e explanou:
- Bem, em primeiro lugar, você se chama Austin Ignácio, e mora perto da cocheira, em Junk Street. Estuda cinema perto de Winchester...
- Tudo isso eu acabei de lhe contar – disse Austin, sorrindo.
Holmes ficou calado, pensando.
- É mesmo?
- É, ele contou agora mesmo – confirmou uma das garotas.
Todos caíram na gargalhada.
- A erva é forte! A erva é forte! – disse Watson, brincando com o amigo.
- Tá bem louco, Holmes?
- Delirando. Mas não foi só isso, escutem o resto, poxa vida.
- Desculpe... é que foi engraçado – disse Austin.
- Bom, você tem uma mãe doente em Sussex, namora quatro mulheres desde maio passado, nunca cheirou pó e não curte a idéia, realizou no ano passado um curta em super 8 com dois amigos, chamado “A Gula”, é de capricórnio e está gripado há dois dias.
Desta vez, todos na sala saltaram mortalmente até o telhado do prédio, admirados, maravilhados com aquilo, principalmente Austin, que, ao voltar do passeio orbital, confirmou:
- É tudo verdade... mas... como sabe tudo isso, Holmes? Quero uma explicação.
- E vai ter. Eu li sua mente...
- Ah, vai, deixa de embromar. Fala como raciocinou tudo isso, Sr. Holmes.
- É, explica. Adoro saber como faz suas deduções – disse Bia.
- Eu juro, não é brincadeira. Estou no terreno do paranormal agora. Leio mentes. Senhor Austin, eu li sua mente.
- Mentira.
- Verdade.
- Mentira.
- Verdade.
- Prova.
- Oras, como é que eu iria ter descoberto coisas deste tipo sobre uma pessoa que nunca vi na vida?
- Através da dedução lógica, como sempre fez! – disse Pri, decepcionada.
Watson levantou-se lentamente, pegou copos, serviu uísque e disse, cansado:
- Freud explica. O Holmes anda com esse papo há alguns dias, é a nova moda agora. Diz que tem poderes paranormais, lê mentes, controla os objetos com o pensamento... toda essa besteira que vê na TV. Acho que ficou tão entediado com as deduções que fazia, e com as pessoas que se impressionavam, que teve a idéia de dizer que tem poderes sobrenaturais... só para variar um pouco. Assim, todos ficariam mais admirados ainda.
- É mentira do doutor – retrucou Holmes, invocado.
- Ah, que bonitinho, ele quer fazer mágica agora... – disse Bia, acariciando Holmes – Não é uma gracinha?
- Quer dar uma de ocultista, aposto – disse Austin, bebendo uísque – Bem, Holmes, quero que leia minha mente novamente, agora, e me diga por que eu vim até aqui hoje.
- É isso aí. Vai, Sherlock, lê de novo, se é verdade – disseram todos, animados.
- Tá bom – Holmes parecia indiferente – Lá vai.
Ele fez um esforço, de olhos fechados, e se concentrou. Todos mudos. Passaram-se dez minutos.
- E aí? – provocou Austin.
- É mentira! Eu sabia! – berrou Watson, pulando no sofá.
- SHHH! – todos pediram silêncio. Holmes abrira os olhos.
- Quer que eu diga por que veio me procurar, Sr. Austin?
- Isso mesmo.
- Bem. O senhor veio porque sabia que aqui tinha maconha pra fumar!
- Não acredito – disse Watson.
- Mas é verdade – reconheceu Austin, envergonhado.
- Ahá! Sou infalível! – gritou Holmes, fumando mais erva.
- Mas peraí – disse Bia – Você não leu a mente dele! Deduziu tudo pela lógica!
- Não – teimava Holmes.
- Mas na verdade não é bem isso, entendem?... – disse Austin. Sherlock murchou.
Bia de repente fez todos se calarem:
- Espere. Eu sei por que veio. Além da maconha.
- Por que?
- O senhor veio para encontrar heroína aqui. Pra dar umas picadas. Não é isso?
- Nossa, como a senhorita descobriu?
- Não foi lendo sua mente, pode apostar – disse ela, esperta – Foi raciocínio e observação. Vejam bem: O senhor Austin está com olheiras, e parece realmente muito tenso, olhem só: as mãos às vezes tremem, ele não pára de abanar os pés e nunca mantém o olhar parado num único lugar. Está nervoso, parece em dependência de alguma droga. Mas não é a maconha. Porque, como podem ver, o senhor Austin fuma maconha todo dia e ela não está em falta, pois ele já estava com bafo de marofa quando me beijou ao chegar aqui, e isso, cavalheiros, antes de fumar o cachimbo de Holmes. Além disso a palma de sua mão direita está toda cheia de bolhas e feridas, o que mostra que ele tem dichavado o fumo com muita freqüência nos últimos dias. Por isso, descartei a canabis do leque de alternativas. Eu já ia começar a listar na cabeça todas as drogas nas quais ele poderia estar interessado. Mas aí parei, pois tinha matado a charada: se observarem bem, verão que no braço de Austin há diversas marcas, furinhos perto das veias. A que isso nos leva?
- À heroína injetada – disse Pri.
- Exatamente. Ou seja, é um usuário de heroína. Só que, apesar disso, olha só: as marquinhas de agulha estão cicatrizadas, percebem? Já tem a “casquinha” que se forma nos ferimentos quando os glóbulos do sangue coagulam a região e a cobrem com plaquetas e outros elementos do sangue. Muito bem, estando as feridas cicatrizadas, e unindo a isso o estado de pânico psicológico em que ele se encontra, deduzi que faz muito tempo que ele não se pica. Por isso, ficou o tempo todo olhando de soslaio para a lareira, onde se pode ver, daqui, um típico estojo preto de couro, pertencente ao Sr. Holmes, e no qual costuma-se guardar os instrumentos usados para se injetar a droga. Sem dúvida, ele veio sabendo que o maior detetive de todos os tempos era um viciado também, e certamente teria a droga guardada em casa em grande quantidade. Não sei se se lembram, mas, quando ele chegou, olhou imediatamente para o estojo.
Todos estavam estupefatos. Sem palavras.
Austin apertou a mão de Bia, honrado com sua perspicácia.
- E o grande detetive acaba de perder o trono para uma mulher – completou Watson, animado.
- Admirável. Mas previsível – comentou Holmes, trocando o CD do som.
- Ah, deixa de ser egocêntrico, Sherlock – disse Austin, sorrindo para a Bia toda orgulhosa.
- Vamos brindar. Às drogas – sugeriu Watson, levantando o copo.
Todos acompanharam o médico na bebida. E Austin aceitou a heroína que Sherlock lhe ofereceu em seguida, vencido.
Sherlock pegou o violão e começou a tirar umas músicas do Bob Dylan, as quais interpretava muito bem, e até cantava.
- Você toca Mr. Tambourine Man?
- Toco.
- Manda ver.
Rolava Neil Young na vitrola.
No meio da noite surgiu um papo cult.
- Eu acho que o tamanho do pênis não influi numa relação sexual – disse Bia, a mais alta – As mulheres não ligam para esse fator, ao contrário do que muitos pensam...
- Ah, ligam, sim... tenho certeza que ligam! – disse Holmes, extrovertido.
- Nada a ver, Holmes... eu pelo menos penso assim: sexo bem feito depende de outros fatores, entendeu? É mais psicológico, não tão físico...
- Eu discordo, Bia... você sabe que eu discordo – disse Pri, maliciosa.
- O que você acha? – perguntou Watson, interessado.
- Eu acho que o pênis sendo grande estimula muito mais uma mulher a ter um orgasmo... – disse Pri – Sabe, já pude comprovar muitas vezes... não que o homem precise mesmo ter um pênis grandão, mas ajuda muito...
- Eu particularmente – disse Holmes – E, vejam bem, esta é uma opinião masculina... penso que se o cara não tem um pênis grande, pelo menos ele deve saber como compensar o pênis pequeno, sabendo seduzir a mulher de alguma outra forma...
- É mesmo – concordou Bia – Estou de acordo, toca aqui, Holmes.
- Eu acho que tamanho não é documento – disse Watson, com cara de sábio.
- Isso mesmo – emendou Bia.
- Vocês são muito caretas... – disse Pri, bebendo um copo de uísque – Passa o beck, Holmes.
- Aqui está.
- E você, Austin, qual sua opinião? – perguntou Bia, grogue - Ei, cadê o Austin? Nossa, ele dormiu!
- Ele tá viajandão! Será que desmaiou? – Sherlock mal podia articular as palavras, de tão chapado – Não, está dormindo... esse cara deve tá tendo uma viajem muito louca, neste momento!
- Só!
O telefone tocou, neste momento.
- Alô?
- Holmes?
- Sim?
- Boa noite, meu nome é Madalena Mercatto, moro no interior, e preciso de seu auxílio como detetive...
- Lamento, mas no momento estou ocupado... a senhora poderia...
- É urgente, Holmes... consegui seu telefone com uns amigos... me disseram que o senhor resolve mistérios de assassinatos...
- Sim.
- Bem, meu marido... ele foi envenenado! Em casa!
- Hã.
- O senhor poderia vir até aqui? Por favor, precisamos descobrir quem matou meu marido!
- Saco... bem quando eu estou relaxando! Posso ir amanhã?
- Venha hoje, senhor Holmes, pelo amor de Deus! Eu pago bem!
- Então tá, vai. Droga. Onde é?
Ele anotou o endereço e desligou.
- Merda. Um caso urgente apareceu. Preciso investigar.
- Tem que ser agora? – reclamou Bia, alisando a perna de Holmes.
- Sim.
- A viagem vai ser longa, a mulher mora no interior. Vou me alojar na casa dela.
- Podemos ir junto? – sugeriu Watson.
- Não sei...
- É! – disse Bia, animada – Deixa a gente ir também!
- Vamos!
- Tá, tá. Mas comportem-se. Vamos fazer as malas.
Todos juntaram as coisas que precisariam para alguns dias no campo, muito animados, e partiram no meio da madrugada. O pobre Austin foi levado junto, numa mala, desacordado. Só acordaria depois de umas cinco horas. Todos embarcaram num ônibus... e pé na estrada!
No ônibus, Holmes tentou dormir, mas não conseguia de jeito nenhum. Todos bagunçavam muito. Ainda mais porque o grupo que pegou o ônibus junto com eles era um bando de jovens em excursão, super agitados. Garotos e garotas. Todos gritando, cantando, namorando, fumando maconha ou bebendo pinga. Era como o Magical Mistery Tour dos Beatles. Um ônibus com loucos dentro. E o grupo de Holmes entrou na dança, se enturmando com todo mundo. Holmes, vendo que não ia conseguir dormir, ficou refletindo sobre seus casos pendentes, recostado à janela, de olhar profundo. Vieram chamá-lo para beber pinga, mas ele recusou. Estava com dor de cabeça, por causa da bebida, e estava mal do estômago. Ia vomitar.
- Ei, Holmes, tudo bem com você, cara? – era Watson, que viera ter com ele, e usava um colar havaiano e uma camisa florida. Suado e bêbado, o doutor se preocupara com o silêncio do amigo.
- Não, não está tudo bem. Você sabe que eu gosto de farrear, Watson... mas no momento estou perturbado por alucinações colaterais da heroína.
- Eu sempre te falei, Holmes: “Mexeu com a química, a chance é pouca”... ouvi isso de um sábio fumante de ópio em minha permanência na Guerra dos Bôeres. Fui médico lá.
- Eu sei! Mas a química, Watson, tanto seu estudo como sua prática, tanto a química como ciência, quanto nas drogas... é tão linda! Sou viciado em drogas pesadas, que posso fazer?
- Parar! Querer é poder!
- Watson...
- Quê.
- Vai se foder.
Watson foi se unir ao grupo animado mais uma vez, contrariado.
Holmes cochilou.
Eles chegaram ao ponto final quando já eram quatro da madrugada. Desceram do ônibus e tiveram que fazer mais uma caminhada depois. A mansão da tal mulher, no campo, era muito escondida. Afinal chegaram.
O aspecto do lugar era tenebroso, diria-se que mal-assombrado.
- Que medo! – disse Watson.
- Deixa de ser banana, Watson – disse Holmes, acendendo o cachimbo e apertando a campainha.
Um mordomo apareceu do nada, e abriu o portão com a chave. Era um mordomo medonho: media dois metros e quinze, era japonês, forte, ombros largos, bigodinho escroto, mãos enormes, poucos cabelos na cabeça e um olhar macabro.
- Entrem. Madalena está esperando você no hall, Sr. Sherlock Holmes – disse o mordomo, como se desse uma indireta para os companheiros do detetive – Vocês não podem entrar.
Holmes olhou-o cheio de coragem e disse:
- Você é grande mas não é dois, mané.
O gigante ficou com medo e recuou, deixando toda a galera entrar.
A casa, por dentro, era de extremo luxo e mordomia. Aconchegante.
No hall, a senhora Madalena aguardava, impaciente.
- Boa noite, Sr. Holmes. Obrigado por ter vindo.
- Não há de quê. Onde irei me alojar? Não se esqueça de meus colegas de trabalho.
- Colegas de trabalho?! – espantou-se a Sra. Madalena.
- É! Alguma objeção?! Não, né? Então, por favor, trate de providenciar nossos alojamentos, pois estamos cansados, e eu estou com a saúde péssima!
Holmes estava insuportável. Os outros ficaram quietos, embaraçados diante de uma Madalena de cabelos em pé. Esta obedeceu o detetive, pois não queria ofendê-lo e irritá-lo. Queria descobrir o assassino do marido.
- Pui, leve-os aos quartos de cima! Deixe o maior para o Sr. Holmes! – gritou a mulher para o mordomo.
- Amanhã cedo acordo e começo a investigar, está bom assim? – perguntou Sherlock, subindo as escadas. Os outros o seguiam.
- Está ótimo – disse Madalena, que logo foi para o seu quarto se deitar.
Os hóspedes estavam excitados por estarem em uma casa diferente e tão grande como aquela. Era divertido. Mas, para o hipocondríaco Holmes, era um pesadelo. Ele queria descansar, mas não podia. Sua mente estava um caco, um caos. Imagens e sons perturbavam seus pensamentos. Seus cabelos estavam eriçados. No corredor, o grupo se reuniu antes de irem deitar. O mordomo e os outros moradores da casa tinham ido para a cama. Holmes reuniu seu grupo e disse, sob a fraca luz do abajur do corredor:
- Bem, pessoal, esta casa, segundo meu conhecimento, é uma pousada, que serve de hotel para muitas pessoas na temporada. Por isso, talvez vocês pensem que, pela casa estar lotada de pessoas diversas e estranhas, talvez exista um grande excesso de suspeitos para me atrapalhar e atrasar a investigação, além, é claro, dos familiares de Madalena e a criadagem... mas quero que saibam que o mistério está solucionado, ou melhor, já estava resolvido desde que recebi o telefonema de Madalena, esta noite.
- Como?! – gritou Watson, indignado.
- Como assim, Holmes? Não é possível! – Bia não acreditava.
- Uau, Holmes – espantou-se Pri, de camisola, toda tentadora.
- Falem baixo! Vão acordar todo o corredor! Há muitos hóspedes por aqui... façam silêncio. Sim, o caso está resolvido, mas não posso entrar em detalhes, se é que me entendem. Amanhã explico tudo, preciso dormir agora. Boa noite – Holmes fez com que as garotas fossem para seus quartos, mesmo sob seus protestos, e fez um sinal para Watson. Entregou ao amigo doutor um papel, discretamente.
No papel estava escrito “Leia no seu quarto”.
Todos na casa agora estavam em seus quartos.
Watson se trocou, pôs a roupa de dormir, e leu o papel de Holmes. Dizia o seguinte:
“Watson, venha até meu quarto. Mas não venha imediatamente. Espere dez minutos para que todos estejam dormindo. Preciso de sua ajuda.”
Watson esperou dar dez minutos e em seguida deixou o quarto fazendo o maior silêncio. De meias, abriu a porta de Holmes, que era ao lado. Quase deixou sua lanterna cair no chão.
- Feche a porta.
Ele fechou.
- Watson, preciso de sua ajuda. Temos um problema.
- Qual?
- Esquecemos do Austin – e Holmes apontou para uma grande mala perto da porta – Ele ainda está lá dentro, deve estar sufocado.
- É mesmo!
Os dois abriram cuidadosamente a mala, e tiraram Austin de lá. Então deitaram ele na cama e fizeram ele voltar a si. Ele acordou.
- Onde estou? Holmes? Watson? Onde estamos?
Holmes explicou tudo a ele. E depois falou com os dois sobre o caso:
- O caso está finalizado.
- Quem é o assassino? – perguntou Watson.
- A assassina é Madalena. Ponto final.
- Por isso que foi tão grosso com ela, quando ela nos recebeu?
- Isso.
- Uau, Holmes! – Watson pulou até o telhado e voltou – Como descobriu só de falar ao telefone com ela?
- Amanhã explicarei tudo a todos os moradores desta casa, e deixarei tudo bem claro. Prefiro não dizer isso agora.
- Certo. Mas por que me chamou? – disse o doutor.
- Te chamei, Watson, porque estou precisando aliviar a tensão.
- E...?
- Vamos chamar as garotas nos nossos quartos?
- Vamos! Boa idéia, Sherlock.
- Elementar, meu caro Watson... a vida é para ser vivida... e não desperdiçada. Lembre-se sempre disso.
- Tá.
- Austin, quer dar uma trepada?
- Não me sinto muito bem, Holmes... mas agradeço mesmo assim.
- Procure um quarto, Sr. Austin, porque eu e Watson... vamos transar! – e Holmes deu uma pirueta no ar, todo ágil. Austin saiu, e em seguida o detetive e o doutor foram até os quartos de Bia e Pri. Elas não tinham dormido ainda. Tinham escutado alguém conversando nos corredores. Era Sherlock e Watson.
- O que vieram fazer aqui? – perguntou Bia, maliciosa.
- Viemos fazer companhia pra vocês... – disse Sherlock, todo sedutor, deitando-se na cama ao lado de Bia. Logo eles se despiram, e, em pleno fim de madrugada, começaram a se amar loucamente sob os lençóis. Watson fez o mesmo no quarto de Pri. E a partir de então foi um tal de trocar de quarto, sem roupa, e andar pelado pela casa, Holmes pra lá, Watson pra cá, Bia sem roupa trocando de quarto, Pri com a cueca de Holmes na cabeça... loucos.
Quando se cansaram dormiram com elas até de manhã, e as horas passaram...
Às dez e meia chegou o café nos quartos. Os casaizinhos tomaram café na cama, deitados juntos. Holmes tinha melhorado de seu estado doentio, e Watson estava nas nuvens...
Depois que todo mundo se trocou, o grupinho desceu as escadas todo animado.
Holmes chamou o mordomo.
- Pui, quero que faça um favor, amigo. Convoque todos nesta casa para uma reunião na sala de música. Por favor.
Pui, o mordomo, obedeceu.
Às onze e quinze, todos estavam na sala de música. Esta era a sala mais extensa da casa.
Holmes trancou as portas da sala. Só deixou as janelas abertas, por onde a luz do sol entrava.
Sherlock ficou em frente à lareira, virado para a platéia. Watson, Austin, Pri e Bia estavam perto dele, no sofá. No resto da sala, em poltronas, bancos e cadeiras, estavam todos muito atentos: Madalena, visivelmente abatida; Pui, o mordomo, sério; Fransciscana, a empregada principal; Dolores, segunda oficial de faxina; Maria, a outra empregada; Joana, a copeira; Lizete, a cozinheira; Paulinha, a garota ajudante de empregada; Gabriela, ajudante da cozinha; Patrícia, a enfermeira de Madalena; Johanes, o motorista; Gugu, o jardineiro; Luis, filho do jardineiro; Bete, mulher do jardineiro; Felipe, o caseiro; Tadeu, o segundo caseiro; Alberto, irmão de Madalena; Teresa, mulher de Alberto; Ricardinho, filho mais velho de Alberto; Solange, filha do meio de Alberto; Bobby, filho de Alberto; Johnny, caçula de Alberto; Laura, mãe de Madalena; Juca; Mané; Zé; Pedrinho; Marquinhos; Fernanda; Vanessa; Luciana; Sílvia; Tatiana; Natália; Figueiredo; Renato; Zezinho; Zulmira; Cãozinho; Totó; Felino; Louro; Chiquinho; Fafá; Simone; Gal; Rita; Didi; Dedé e muitos outros. Eram muitos hóspedes.
Holmes pegou um violino que tinha na sala e começou a executar Beethoven no instrumento. Ele era fera. Todos prestavam atenção. No final aplaudiram, mas ele mandou parar. Começou a falar:
- Vou ser direto e reto: Madalena matou o marido, Liminha, pra ficar com o dinheiro dele.
Houve espanto geral na sala. Holmes pediu silêncio. Madalena saltou pra cima dele com uma faca.
Holmes deu um soco na mulher e ela caiu que nem esterco no chão.
- Pui, chame a polícia pra levar esta criminosa. Caso encerrado.
- Mas como foi que descobriu, Sherlock? – perguntou Watson. Todos queriam saber.
- Muito bem. Eu descobri porque ela me ligou, ontem à noite, para pedir minha ajuda. A voz dela denunciou tudo. Logo notei que a voz dela era a voz de alguém que fingia. Sei muito bem esse treco de tom de voz, é muito psicológico, minha experiência permitiu que eu descobrisse. Além disso... enquanto falava com ela ao telefone, escutei um som que na hora reconheci como sendo o som de um secador. O secador foi a chave. Matou tudo.
- Como assim? – perguntou Bia.
- Oras, nem é preciso o raciocínio. Uma mulher que acaba de achar o marido morto jamais poderia pensar, estando em estado de choque, em passar o secador no cabelo, ou até mesmo em tomar banho e lavar a cabeça... a não ser que o cabelo desta pessoa esteja sujo de sangue do marido, certo? E, para se usar um secador num momento deste, é preciso muita frieza. Ela não sofreu com a morte do marido. Ela fingiu que estava abalada, mas deixou o secador ligado e isso a denunciou. Notei no tom de voz dela toda a frieza de uma assassina. Não preciso nem olhar o corpo. Chamem os guardas para limpar tudo, e prendam esta mulher. Isso é tudo. Agora vou me retirar, e, se me permitem, vou descansar, pois a noite foi muito árdua – e Holmes deu um sorrisinho para Bia.
Depois de tudo resolvido, Holmes, Watson, Bia e Pri foram para o jardim gramado da mansão. Era uma grande área verde, grama cortada, árvores lindas. De dia era tudo bonito na casa. O sol quente brilhava sobre os quatro, que, estirados pela grama, faziam sexo e fumavam um baseado. Eles se vestiram como hippies, cheios de trapos, e reviveram Woodstock. Viajaram. Óculos escuros, faixas coloridas, ao som dos Beatles e The Doors. Holmes puxou um violão da sala de música, começou a tocar, falar de paz e amor, todos em sintonia, poesia, harmonia, paz de espírito, no war, peace, houve muito psicodelismo e tudo começou a girar...



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