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Contos-->A Casa da Saudade -- 29/01/2003 - 00:44 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



A Casa da Saudade


Enrique J. Floreios chegou na escola, cansado das pessoas ao seu redor. Procurava se manter calmo, mas a verdade era que a escola já estava acabando com a saúde dele. Seu sistema nervoso já não suportava os boçais de sua classe e suas ignorâncias. A idiotice dos professores perturbava Enrique há anos, e ele ultimamente têm procurado protestar contra atitudes incorretas e absurdas destas pessoas.
Os colegas eram todos ignorantes, xingando-se uns aos outros e se batendo a toda hora. Um garoto de sua turma, Vicente Cruz, havia batido em uma garota, Sabrina, porque ela o chamou de bicha. O moleque nem era dos mais violentos, mas o que ocorreu nesta Sexta foi que ele se irritou e retirou seu órgão reprodutor externo para fora da calça e começou a esfrega-lo na cara da menina, repetindo ser homem, e muito homem, aos berros.
Outro garoto, Lúcio Machado, tentou intervir, sendo Sabrina sua amiga, e Vicente ficou mais irado ainda, chutando o menino na virilha. Enrique observava o pobre garoto no chão, se contorcendo, gemendo desamparado. A professora neste momento nem estava na sala. A professora era Tereza, que ensinava Português. Ela no momento estava na sala da coordenadora, reclamando por causa de um aumento prometido pela diretora meses atrás. Ela queria mais dinheiro para poder agüentar aqueles tipos de alunos. Senão pediria demissão. As olheiras sob os olhos de Tereza eram fundas e formavam uma pele muito sensível, escura, de tanto cansaço. Era uma escola particular, onde se cobrava uma mensalidade relativamente alta. Aquelas pessoas eram piores que marginais, eram animais.
Durante a briga, a classe entrou em euforia. Um outro aluno, Cristiano, tinha um visual bem diferente dos outros: usava uma coleira com vários espetos afiados para fora, que cortavam as pessoas do ônibus que Cristiano pegava todos os dias para ir à escola. Um dia a coleira furou uma velha, e Cristiano nem ligou. As pessoas reclamaram do sangue que a velha soltava, e então Cristiano a chutou para fora do ônibus. Todos ficaram satisfeitos.
Nesta Sexta-feira, quando a professora entrou na sala, entrou em estado de choque e os alunos ficaram ainda mais excitados. Dois deles começaram a fazer sexo em cima das carteiras, fumar, enfim, ninguém respeitava mais nada. O garoto ferido ficou no chão, chorando, e Vicente, o selvagem, enfiou seu órgão na boca de Sabrina. Ela chorava desesperada, e suas amigas nada faziam, também com medo. Enrique baixou a cabeça sobre sua carteira e procurou esquecer o que se passava. Impossível. Os gritos entravam em seu ouvido, e de repente seu nariz começou a sangrar. O sangue escorria e manchava sua camiseta. Ele não sentia a mínima vontade de ir lavar o nariz, e nem ligou para a sujeira. Ninguém prestava atenção nele. Uma garota viu que ele sangrava e se aproximou. Ele pensou que ela fosse ajuda-lo, trazer um lenço ou algo parecido, mas não, ela começou a se torcer toda, sobre a mesa dele, e lamber todo o sangue que caía do nariz dele. Ela passava os dedos na mesa ensangüentada, e depois lambia a mão, sem desperdiçar uma gota sequer. Seus olhos eram vidrados, aturdidos.
Em seguida Enrique passou mal e sentiu uma intensa tontura na cabeça, sua visão começou a clarear, e ele não podia parar o sangue. Ele olhou em volta. Queria dar um berro, no meio daquele inferno que a classe se tornara, mas não tinha forças. Caiu no chão. A garota continuava seguindo-o, sedenta de sangue. Enrique caiu perto da mala de seu colega, que estava aberta. Lá dentro ele viu uma maçã, era o lanche do menino. Ele pegou a maçã, enfiou na boca ela inteira, com os dentes cravados. Era uma maçã grande, modelada e brilhante. O caldo do fruto escorria pelos cantos da boca, indo parar lá na ponta de seu queixo. Ele chorava, e viu que suas lágrimas queimavam seu rosto ao passarem pela pele. Eram como ácido ardente, dilacerando seu rosto. Mas não podia parar de chorar.
A professora Tereza se sacudia, deitada no chão lá na frente da classe. Enrique sentiu o cheiro da maconha no ar, e depois um intenso cheiro de álcool. Olhou em volta, e viu três colegas abraçados, saltando em cima de todos os alunos, com garrafas de álcool de cozinha nas mãos, e bebendo sem parar das garrafas.
Quando viu Vivente, este recebia uma mordida de Sabrina em seu órgão reprodutor. Ela fincou seus dentes no membro de Vicente, que gritou de dor e ficou extremamente vermelho, e seus olhos se transformaram, viraram duas chamas incandescentes expelindo ódio que era bombeado direto de seu coração petrificado.
Um aluno se matou com um tiro na cabeça.
Neste momento Enrique sentiu que precisava fazer algo. Pegou no caderno uma porção de folhas arrancadas onde tinha escrito na noite passada alguns poemas de sua criação. Ainda com a maçã na boca, foi até a frente da sala, tropeçou na professora Tereza e subiu na mesa dela. Lá, de pé, começou a recitar os poemas, tentando gritar com a maçã na boca. Mas era difícil, muito difícil... a garota vinha a seus pés, chupando todo o sangue que podia, que agora escorria pelas calças dele. Os poemas se entalavam em sua garganta, eram como um grito de amor apunhalado e entrouxado goela abaixo, impedido de viver. Seu coração amargurado queria chorar e cuspir as belas palavras poéticas na cara daqueles infelizes adolescentes perdidos! Era uma euforia em chamas metralhada para todos os lados, a ejaculação de um ódio pútrido no rosto dos pais e das mães de cada adolescente presente naquela maldita sala de aula. Os alunos tinham uma pedra dentro de si querendo ser lançada naquele momento, e eles brigavam entre si, cheios de ira, a raiva espumava e coagulava nos cantos de suas bocas, e de repente uma veia saltou nas têmporas de Enrique. Estourou, arrebentou e jorrou sangue sobre a professora Tereza. A diretora entrou na classe. Estava serena, impassível. Carregava uma mesa com as duas mãos. Uma mesa com uma toalha em cima. Era uma daquelas pequenas mesas redondas de cozinha, com uma bonita toalha xadrez com cores leves, aquelas mesas que nos lembram da época quando brincávamos de boneco sentados na cozinha de nossas mães, alheios ao mundo e ouvindo o barulho da água da torneira aberta caindo na pia, onde a mãe lavava a louça e falava sozinha, lembrando-se de que precisava, ainda naquela tarde, buscar o irmão mais velho na escola. Ela às vezes olhava para a gente, rapidamente, vendo se seu filho ainda estava lá, ou se já tinha sido levado por seu bando, dentro de um carro possante, enfiando o dedo e masturbando as meninas mais novas até altas horas da madrugada, e tossindo uma fumaça cinzenta e fedorenta, que deixava seus dentes fedorentos e amarelados, e que eram a fumaça de uma vida pura indo embora e se misturando ao vento frio da noite.
Em seguida a diretora foi embora e voltou de novo, trazendo um velho junto com ela. Ela sentou o velho ao lado da mesa e depois foi embora. O velho bebia um copo de vinho português, muito bom, olhando atento a garrafa importada, e lendo as inscrições que vinham nela, como a cidade onde era fabricado ou a data de validade. O velho apoiava o cotovelo na toalha xadrez, e vestia uma blusa de frio meio verde, que a falecida mulher havia tecido para ele. A garrafa de álcool atinge o velho na cabeça. Ele cai. E chora.
De repente, a boca de Enrique não pode agüentar mais aquela maçã entupida, daquele jeito, impedindo-o de dizer suas poesias. Uma delas era sobre Adriana, colega de classe que ele achava muito bonita. Seus olhos eram lindos. Enrique procurou Adriana naquele momento, ela era fodida por Júlio, o garoto atingido na virilha. A dor de Júlio passara...
Então a maçã cedeu, e a mandíbula de Enrique se fechou bruscamente, arrancando um caldo doce da fruta, dilacerando um grande pedaço mordido e lançando-a para o chão. Ninguém queria a maçã. Só o velho. Mas o velho estava com paralisia.
Enrique desmaiou por um minuto, depois acordou novamente, e viu que tinha urinado nas calças, estava ensopado, e havia um telefone ao seu lado. Pegou o gancho, e discou. Era urgente, era uma emergência, todos precisavam ser impedidos. Ocupado. Desligou. Pegou de novo, pois podia ter caído errado. O telefone era velho, daqueles onde se gira o dedo na roleta para discar, e era de cor azul-claro. Todo engordurado. Enrique tentava segurar o gancho, mas o desespero o dominava, e a gordura fazia ele escorregar de sua mão. Caiu no chão. Ele foi tentar pegar o fone no chão, mas ele escapava de suas mãos. Pulou em cima dele, e finalmente conseguiu. Todos gritavam à sua volta, e ele percebeu uma chama ardente perto dele. Botavam fogo na classe. Mesmo assim conseguia ouvir o sinal de ocupado no telefone, tinindo estridente em seu ouvido, aquele barulho constante, aquela batida que lhe dizia: “Não adianta, otário, todas as crianças da África e de alguns países da Ásia estão ligando neste momento! Esquece! Nunca vai chamar, está sempre ocupado, seu imbecil! Os negros estão ligando há séculos, assim como os índios! Agora, seja um bom menino, e comece a foder uma menina!” Era o que o fone lhe dizia.
Ele caiu no chão, perto do velho, e começou a ouvir em seu ouvido um som de rádio, aqueles rádios bem velhos, tocando músicas já esquecidas pelo mundo, algo que nem chegou a entrar nas paradas dos dez mais nos Estados Unidos, e que entrou no ostracismo antes mesmo de existir. Músicas que trouxeram para Enrique a mais dolorosa depressão e agonia. Era triste como ver a imagem de seus pais pensando em ter um filho, em 1979. Sentados na cama, discutiam a idéia, o pai de bigode e cabelo comprido, e a mãe com bocas de sino marrons. Eles sorriam, e o pai dele dizia que precisava tirar um pouco de dinheiro do banco no dia seguinte, na volta do trabalho. As músicas eram tristes como um dia meio chuvoso, porém sem chuva, aqueles dias que ficam cinzentos e escuros o tempo todo, e em que você dorme um longo tempo e, quando acorda, já são sete da noite e você se sente arrependido por algum motivo, mas não sabe qual. Triste como um grupo de jovens andando na rua vestidos de preto, com os braços cobertos até a ponta dos dedos, e com profundas olheiras sob os olhos, recebendo rajadas de vento cortante. Triste como o garoto da coleira, Cristiano, que agora comia todos os livros que podia, abocanhando até mesmo o espiral dos cadernos, que entalavam em sua garganta. Uma menina enfiava um walkman em seu órgão genital, e uma outra pulava em cima dela, tentando pegar as pilhas que estavam dentro do aparelho. O fogo aumentava, e logo alguns alunos já estavam queimados, berrando agonias boêmias que eram idéias vagas parecidas com os versos de um poeta da 2a geração romântica brasileira que os alunos estudavam. Outros vomitavam violões inteiros, violões sem cordas e sem melodias ou notas afinadas. Violões roxos com o rosto de John Lennon estampado nas costas, ou vomitavam chapéus de feltro cinza, com cheiro de mofo e cartões daqueles que as entidades entregam dentro do ônibus ou do metrô, com uma foto de Gandhi estampada neles.
O fogo destruía tudo, e transformava as paredes em painéis psicodélicos nebulosos, painéis móveis onde Enrique enxergava cenas de garotos magricelas segurando suas pranchas de surf embaixo do braço e com os cabelos engomados, ou dentro de seus carros azuis e amarelos dos anos 50, dobrando esquinas sem parar durante um baile onde alguém apanhava. Era seu tio quem apanhava, e ele devia ter uns doze anos na época. Mal sabia ele que, décadas depois, emprestaria dinheiro para o pai de Enrique poder comprar uma casa com dois banheiros.
Ficou um eco na cabeça de Enrique, que de repente saiu correndo para fora daquela escola desgraçada, lazarenta, e saiu pela rua, sem fôlego, chorando cada vez mais e com as roupas cheias de sangue coagulado. De dentro de suas orelhas saiam rosas cheias de espinhos que cortavam sua cabeça. Elas cresciam aceleradamente, e ele as arrancava, a toda hora, até chegar no metrô, onde entrou no primeiro trem que chegou. Dentro do ambiente altamente claustrofóbico havia centenas de pessoas deprimidas, se empurrando e vendo quem consegue ser mais emburrada. Um velho escarrava nos pés de Enrique, que enfiou a mão no bolso da calça e tirou, satisfeito, uma folha de papel. Sobrara um poema! E ele começou a gritar aqueles versos, porém sua voz não saía, parecia aqueles sonhos em que você tenta gritar e o som não sai. A agonia dentro de sua cabeça era tão grande... Ele não agüentava, era horrível... nos corredores daqueles negros túneis pelos quais o trem passava, Enrique via, de relance, um monte de rostos de pessoas doentes, com a pele amarela, ou com defeitos nos braços, pedindo ajuda para ele. Alguns eram bastardos, ou tinham a língua presa para fora da boca, de uma maneira horrível, como se tivessem uma praga presa em suas vidas, cutucando-as o dia inteiro e fazendo elas ficarem tristes com seus defeitos. O metrô parou numa estação, e ninguém desceu. Porém, entraram mais umas dezenas de pessoas lá dentro, se cutucando e se batendo, se xingando, se matando e comendo a carne dos infelizes que estão a seus lados. Os bancos para deficientes ardiam em chamas.
Enrique olhou para as pessoas que haviam entrado desta vez. Teve um sobressalto ao ver que eram seus colegas de classe, que vinham andando em sua direção. A menina queria beber seu sangue, e Vicente arrancava os dedos de todo mundo com os dentes, e depois engolia tudo, vomitando em seguida. Eles vinham atrás dele, pegá-lo. Queriam pegar Enrique e acabar com ele, porque Enrique deixara o telefone fora do gancho lá na escola, e ninguém suportava ouvir aqueles gritos filhos da puta dos negros da África saindo pelo fone a todo momento.
As veias e artérias de Enrique começaram a estourar por todo seu corpo, e a pressão dentro de seu cérebro aumentou progressivamente. Chega, pensou ele. Abriu as portas do metrô em movimento, em alta velocidade. Abriu com os dentes, de tanto desespero. Estavam vindo atrás dele! A cabeça! A cabeça! Ele pulou embaixo dos trilhos escuros e apertados, e o metrô arrombou sua cabeça, de onde saíram milhões de margaridas limpas e perfumadas.
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