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Contos-->Post Festis -- 29/01/2003 - 00:53 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Post Festis

Alta madrugada.
Silêncio total nas ruas desertas, banhadas pela escuridão do céu...
Sem ruídos, pedestres ou veículos, fui andando por estas ruas na calma e na serenidade da solidão. A lua lá no alto...
Eu andava bem devagar, porém decidido, como que hipnotizado. Havia toda uma atmosfera, um perfume sereno nesta experiência peculiar.
Fiquei olhando a casa, quando a encontrei, durante um tempo. Era uma bela casa, muito grande também. Ficava em uma vizinhança extremamente relaxante, arejada, repleta de frondosas árvores e arbustos frescos. O ar puro me fazia bem. Era tão diferente...
Ruas calmas, que faziam você imaginar a pacata vida daqueles moradores. As casas eram todas daquela forma, grandes, bem pintadas e cuidadas, com muitas flores e plantas ao redor. Casas perfeitas, que enchiam a minha imaginação com seus mistérios e perfumes.
A experiência só se tornou inesquecível por causa destes efeitos psicológicos que as imagens me proporcionaram.
Em frente à casa havia uma árvore cheia de pequenas flores roxas, abundantes. Não conheço as flores, não sei nomes, mas sei que deixavam o quadro ainda mais belo. Agradável.
Eu senti vontade de parar, me sentar perto da árvore e permanecer ali, na madrugada, para todo o sempre... esquecer de todo o resto e respirar vida.
Olhei o céu, ele era do azul mais escuro, totalmente limpo, naquela madrugada. Sem nuvens e estrelas. Eu estava só.
Não vira ninguém andando pelas ruas, seja de carro ou a pé, durante todo o meu percurso. Isso me deixou à vontade, confiante.
Sim, havia um perfume exótico, e uma música, também. A música só eu ouvia, e me deixava em perfeita harmonia com aquele ambiente.
Muitas folhas e flores caídas sob a árvore, na rua, e, com os pés, eu as arrastava, de leve, fazendo-as produzir um farfalhar calmo que consistia no único som do momento.
Me sentei nas flores. Da casa não vinha nenhum som, nenhuma luz, nada. Observei. Número 30. Que singelo, que belo! A rua? Não reparei. O bairro? Não faço idéia. Um bom lugar.
Eu havia perdido a gravata na rua... a camisa amassada... foi só então que resolvi ver o que tinha nos bolsos do smoking. Não me lembrava, estivera bebendo muito, porém o efeito começava a passar.
Chaves de casa, em cartão, a carteira e... ah, sim. Por isso o instinto me levara a olhar o bolso do smoking. Lá havia um resto de erva, que eu peguei na mão. E um baseado já começado. Foi na festa. Mas não o terminei...
Fiquei olhando aquilo. Meu olfato constatava uma briga de odores e idéias – a calma e o perfume do local lutava com a fragrância da droga, num embate onde o resultado seria dado por mim. Eu.
Um impulso elétrico estimulado pelo meu cérebro fez-me lançar o fumo e o baseado na rua, e em seguida eu cuspi em cima, irado. Foi preciso aplicar muita força de vontade naquele ato.
Dispensei aquela destruição, aquela morte disfarçada de fumo, lancei-a longe, e decidi optar pela beleza e a serenidade... percebi que as coisas boas da vida, que eu não via desde a minha infância, ainda podiam existir. Aquele local onde eu me encontrava me fez enxergar isto.
Em seguida apoiei as costas da cabeça no tronco da árvore, olhando para o alto, e quis sorrir. Sorri de dentes abertos.
Seria o que? Quatro e meia da madrugada? Por aí.
Lembrei-me, contra minha própria vontade, da festa onde me encontrava algumas horas atrás. Toda a falsidade e a hipocrisia da alta classe média alta estava presente...
Tinha sido convidado por um de meus velhos companheiros de noitadas... éramos próximos. Nos encontrávamos há anos nas farras da vida, nas festas da mocidade...
Ele era um conhecido do dono da festa, um gordo novo-rico casado com alguma socialite, metido a bonzão, e safado. Meu amigo me contou. O gordo era um sacana ladrão dono de uma empresa, e traía a mulher com a colega de trabalho, que também estava lá. Duas drogas de pessoas. O dinheiro da mulher dele ele gastava com heroína, pra fazer a cabeça junto da amante... coitada da mulher traída! É o ser mais pobre, depois dos próprios infiéis e traidores.
Lá na festa, festa de fraques e champanhes, jantares e salões, música ao vivo, valsas e papos falsos, a cobiça e o orgulho imperavam. Mulheres disputando roupas, visuais, e homens solteiros... que tristeza! Falsidade.
Nós (eu, meu parceiro e os outros farristas de sempre) nos esbaldávamos em meio ao álcool e às mulheres.
Nas primeiras horas fiquei bêbado... todos estavam, ou ficaram, mais cedo ou mais tarde.
E aí um homem rosa, altão, falou no microfone que haveria uma valsa.
A música corria solta. Fui dançar. Chamei uma garota de dezenove, que estava junto das amigas, toda animada. Ela aceitou antes de eu terminar de pedir. Mais uma galinhazinha cheia da grana, querendo dar. Meus amigos, assim como eu, sempre consideramos sagrada a farra, os prazeres, a bebida, a maconha, o sexo fácil...
Nossas vidas boêmias eram isso. Prazer.
Dançamos. Eu mais pisei nos pés da menina do que dancei. Não enxergava nada normalmente. Ela ria.
Fomos rapidamente, assim como meus companheiros também, até um quarto escuro do salão. Era um escritório. Tivemos o nosso insuperável prazer, e íamos lá, de hora em hora, naquela interminável noite, continuar nossa brincadeira a dois. Prazer imperdível. Nos beijávamos, eu a agarrava, rolávamos e ríamos juntos.
No jantar fomos, com nosso grupo que incluía quatro de nós, homens, e suas respectivas parceiras, nos sentar a uma das inúmeras mesas do salão, em meio à musica interminável. Fumamos e bebemos até chegarmos aos extremos. Era o auge da exaltação, a nossa loucura.
Não posso ainda acreditar que, “discretamente”, foz sexo com minha “amiga” na mesa do jantar. Muitos perceberam, mas a maioria das pessoas estava se divertindo em sua própria mesa, com seus próprios grupinhos.
Fumávamos um baseado atrás do outro, ficamos doidões, e ninguém veio reclamar. Outra das garotas subiu na mesa e começou a dançar selvagemente. Quando ia começar uma strip-tease, caiu de tontura. Caiu com a cara no molho rosê. Vomitou três vezes em cima de meu amigo e dormiu, em seguida.
A farra durou tantas horas que aquilo se tornou, em minha mente, uma espécie de sonho confuso. Tantas horas... e, quando eu me encontrava em frente ao espelho do banheiro, dizia em pensamento para minha imagem exaltada no reflexo – “São horas perdidas”. Mas logo eu mesmo me mandava calar a boca – “Quieto! Vai lá, aproveita!” E ia.
Então, houve um momento, lá pelas três e meia, em que me encontrei sozinho na mesa. Todas as pessoas nos cantos, se pegando discretamente, ou nas varandas que davam para o céu, ou dançando na frente do salão. A música ficou numa espécie de segundo plano pra mim.
Eu sozinho, meus amigos com suas garotas, “dançando” loucamente.
Vi o gordo sacana, o anfitrião, em loucos momentos com a amante, e acendendo-lhe um baseado. Nem sinal de sua esposa.
A agitação estava lá na frente, e eu fiquei num silêncio estranho, lá atrás, na mesa. Eu olhava o infinito lá na frente, uma moça caía no chão de tanto rodar. Os músicos suavam. Na larga varanda, ao ar livre, vi um homem bêbado se declarar para uma garota que tinha a metade de sua idade.
Eu pensava em tudo e em nada. Os atos daquela noite perderam qualquer sentido para mim. Por que as pessoas faziam aquelas coisas? Por que eu fazia aquelas coisas?
Somente mais tarde me lembrei de ter visto uma mulher, muito bem vestida, sair da multidão dançante do salão e atravessar as mesas vazias até o banheiro.
Lembro-me que os toaletes ficavam atrás de minha mesa. Ela passou ao meu lado.
O que me deixa mais intrigado e revoltado é o fato de não me lembrar de absolutamente nada sobre ela. Não enxergava bem devido ao álcool e à maconha, e tudo agora era como num delírio. Não identifiquei sua aparência, suas roupas, nada marcante. Uma mulher. Andava de um modo elegante e sereno, disso me lembro. E sei que durante o tempo em que ela passou todo o som foi embora. Silencio harmonioso na minha cabeça. Eu não ouvia a música, os gritos, nada. No entanto, lá estavam os convidados, e a banda, tocando!
O silêncio continuou, permanentemente, a partir do momento em que a vi.
Ela demorou, eu acho, uns dois minutos no toalete. Eu olhava para a frente, delirante.
E quando ela voltou, passou um pouco mais perto de mim do que havia passado antes.
Não notei nada de excepcional.
No entanto, em seguida ela emergiu novamente na multidão em movimento. Não podia mais vê-la.
Só então meus olhos encontraram um pequeno papel sobre a mesa, perto de meu copo de cerveja. Era um papel-cartão branco, dobrado no meio, e que, por algum motivo, me chamava a atenção.
Sem perceber, peguei o papel. Estava escrito, em letras femininas, o seguinte.

“Olá, notei que está sozinho e parece preocupado com algo.
Se forem problemas do coração...”

Em seguida, depois das reticências, vinha um endereço, do qual não me lembro. Pus o papel no bolso.
Eu na ouvia nada e não raciocinava. Me levantei, andei pelo salão. Apareci na varanda. Olhei aquelas pessoas. Voltei. Saí do salão. Na rua, aquela serenidade me embalava. Fui guiado, caminhando madrugada adentro.
Não me lembro por onde passei, quanto andei...
Já devem ser quase cinco e meia, e resolvo me levantar. Vou até o pequeno portão da grande casa.
Um portãozinho de madeira, pintado de branco.
Apóio a mão sobre ele.
Meu olhar cobre aquelas janelas misteriosas, aquela porta...
Ouço alguns pássaros cantarem. O céu está agora um pouco menos escuro.
Abro o portão, caminho lentamente pela trilha que há no meio do jardim, e que me leva até dois degraus que antecedem a porta da frente.
Então, olho pra mim mesmo. “O que é isso? Olhe só pra você, olhe o seu estado”. E sofro um pequeno impulso, uma vacilada na qual eu quase me viro de costas... mas volto.
Vou até a porta, ponho a mão na maçaneta. Giro uma vez, ela não abre. Giro agora mais fortemente, e ela se abre. Silêncio.
Eu entro.
Escuro, silêncio. Fecho a porta atrás de mim. Uma linda sala me recebe, cheia de seus móveis de boa qualidade. Perfume agradável.
Há uma escada, pois é um sobrado, e um corredor. Decido ficar na sala.
Me sento no sofá, sem fazer barulho. Meus sentidos estão aguçados. Muitas coisas passam pela minha cabeça.
Passo por um momento de transe, do qual quando acordo, meio perdido, não me lembro de nada. Devem ter-se passado uns quinze minutos... o céu clareou um pouco, agora. Posso ver os móveis ao meu redor com mais detalhes...
Me levanto, meio aflito.
Procuro algum retrato nas prateleiras, nervoso. Olho em volta. Nada. Não há fotografias?! Não há a fotografia de uma mulher...? Que anda de forma serena, e...?...
Começa a dar passos ponderantes em direção à porta da rua. Numa última olhada vejo, por acaso, um porta papéis na mesinha de centro. Sem tampa. Espremo os olhos, e vejo, dentro, uma pilha de cartõezinhos.
Levanto a cabeça e vou até lá. Com movimentos leves, pego um deles. Psso meu dedo por sua superfície... papel-cartão branco... e esboço um sorriso iluminado em meu rosto.
Naquele dia, deixei a casa, depois de deixar um daqueles cartões sobre a mesa, no qual escrevi “Obrigado...”.
Desci a rua, naquela mesma serenidade, sob a fraca luz do céu daquele início de manhã.
De uma das casas, veio uma música de um rádio, que eu não ouvia faz tempo...



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