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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->"Um Roteiro Para Costa-Gravas" -- 10/01/2004 - 23:46 (Raymundo Silveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
São Pedro era a maior cidade de Santa Cruz que, por sua vez, era o maior país do continente. A população de São Pedro beirava os dezesseis milhões de habitantes e uma parcela bem significativa deste formigueiro humano era de imigrantes ou de descendente de imigrantes de outras nações. Havia gente que veio, ou cujos ascendentes vieram, de todos os cantos da face da Terra. Só o Produto Interno Bruto de São Pedro era cerca de um terço de todo o resto do país.

Havia também uma corrente migratória interna, mas não era vista com tão bons olhos quanto os imigrantes estrangeiros. Ou seja, alguns dos próprios compatriotas dos petropolitanos, não eram bem recebidos lá. As causas desta aberração são múltiplas e mesmo não interessando muito para o propósito desta história, poderiam ser resumidas num só conflito: os cidadãos estrangeiros traziam dinheiro; os cidadãos supostamente compatriotas da gente de São Pedro que emigravam pra lá iam à procura de dinheiro.

São João da Carnaúba era também uma “cidade” de Santa Cruz, mas não constava na maioria dos mapas. Até hoje economista algum, nenhum antropólogo e nem ninguém entendeu como aquele povo conseguia sobreviver.

O índice de criminalidade em São Pedro era diretamente proporcional à concentração da sua riqueza nas mãos de poucos cidadãos, mas sempre foi imputado aos imigrantes de lugares assemelhados a São João da Carnaúba. Na verdade, tratava-se de uma conseqüência direta do amor acendrado que muitos cidadãos ricos de São Pedro dispensavam a um certo produto do qual os habitantes de São João da Carnaúba nunca tinham sequer ouvido falar: um pó branco importado de outro país e que modificava radical e artificialmente - supostamente para melhor - o comportamento das pessoas.

João Sebastião da Conceição nasceu, cresceu e viveu sem nunca ter saído de São João da Carnaúba, mas até hoje nenhum nutricionista conseguiu dar uma explicação científica para este fenômeno. Com efeito, naquela terra, durante os meses de agosto a dezembro, ou em qualquer época dos anos de seca brava o panorama era desolador. Tudo aquilo que antes era vegetação, se resumia a um cipoal ressequido, sem o menor vestígio de clorofila. A fauna se restringia a pequenos répteis e escassos roedores que a população esfaimada devorava, no afã de obter um mínimo de suprimento de carne em sua dieta. Quando havia chuvas, João plantava milho e feijão e sua única esperança de sobrevivência era a colheita de uma eventual safra substanciosa.

Uma boa parcela da população de São Pedro fingia tolerar aquela avalanche de miseráveis a invadir a sua amada cidade, embora se denunciasse subliminarmente através de atos falhos, das entrelinhas dos seus escritos e de conversas com outros cidadãos de São João da Carnaúba, cujos privilégios também discrepavam da maioria miserável dos seus conterrâneos. Mas, havia pequenos grupelhos inseridos entre a população de São Pedro que agiam abertamente nos mesmos moldes da intolerância nazi-fascista que predominou na Europa durante os anos de 1930 e parte dos de 1940. Márcio Carpaccio estava entre estes.

Obviamente, João Sebastião da Conceição não suspeitava de nada disto. Para falar a verdade, ele não sabia nem pra que lado ficava São Pedro, mas mesmo assim decidiu ir morar lá por causa dos maravilhosos cenários que via na TV - sim ele possuía TV que era comprada quando as tais safras substanciosas lhe permitiam pagar intermináveis prestações mensais, mesmo em detrimento de melhor nutrição para a sua família. Ele a mulher e os dois filhos homens assistiam a espetáculos que nunca tinham imaginado sequer em sonhos: gente bonita bem vestida, gente bonita pelada, gente bonita trepando como coelhos; a abundância de alimentos sofisticados nas mesas do povo de São Pedro. Tudo aquilo fazia João e sua família delirar, suspirar, salivar. Como nunca houve ninguém para ensinar a eles que era apenas fantasia, João e sua família pensaram que São Pedro seria mesmo apenas o porteiro do céu e levou todo mundo pra lá.

Os contrastes entre João Sebastião e Márcio Carpaccio eram maiores do que entre um condenado do inferno e um habitante da corte celestial. Enquanto o primeiro não sabia falar a língua do seu próprio país, o outro praticamente só falava gíria, algum dialeto do seu grupo, ou usava o inglês como segunda língua. Ademais, João não tinha sequer a menor idéia do planeta onde morava - ele nem sabia o que significava a palavra planeta. Carpaccio, por sua vez, conhecia o mundo inteiro; João, a mulher e os filhos só possuíam uma roupa cada um, Carpaccio raramente repetia um terno; Carpaccio, quando tinha um resfriado, ia aos médicos mais famosos, João, quando tinha ferida braba, à rezadeira; Carpaccio respirava, João suspirava; Carpaccio trepava, João usava a mulher; João era chamado de paraíba, Carpaccio, de skin head. No entanto, por mais surrealista que pareça esta situação, ambos tinham os mesmos direitos, eram regidos pela mesma Constituição e, portanto estavam sujeitos, pelo menos teoricamente, às mesmas leis, pois ambos eram santacruzenses
Em dezembro do ano que passou, um dos filhos de João Sebastião da Conceição esteve completando um ano e seis meses de prisão, acusado de assalto a mão armada e até hoje ainda aguarda julgamento. Enquanto isto é submetido freqüentemente a toda espécie de violência física e psicológica. Encontra-se, inclusive, ameaçado de morte.

Em dezembro do ano que passou, Márcio Carpaccio e seus companheiros estiveram comemorando, em plena liberdade, um ano de uma ação que promoveram num trem suburbano onde obrigaram o outro filho de João Sebastião da Conceição a se atirar de um dos vagões sobre as proteções laterais de uma ponte, estando a locomotiva a toda velocidade. Parece filme de Luís Buñuel; não é. Mas poderia perfeitamente servir de roteiro para Costa-Gravas.
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