A POESIA DE EUSÉLIO OLIVEIRA

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 L. C. Vinholes

Numa época em que os meios de comunicação estão cheios de notícias sobre as atividades da Comissão da Verdade, que tenta elucidar o que aconteceu nos chamados porões da ditadura, lembro de um poeta cearense com quem, na década de 1960, mantive correspondência e que só conheci em setembro de 1969. Seu nome é Eusélio Oliveira.

Advogado, grande entusiasta do cinema, pioneiro do ensino audioviosual no seu estado; idealizador e fundador da Casa Amarela[i] – que mais tarde ganhou o seu nome -, inaugurada em 27 de junho de 1971, para nela promover cursos de cinema, fotografia e animação e atividades para formação de plateias, foi um grande idealizador, sonhando e trabalhando para ver pelo menos minimizados os sofrimentos dos não favorecidos pelos acessos ao saber.

Eusélio apesar do seu vasto curriculum dedicado à arte e à cultura, tendo sido professor de Estética e Audiovisual do Curso de Arte Dramática da Unversidade Federal do Ceará, presidente da Associação dos Críticos Cinematográficos do seu estado, presidente da Federação Norte-Nordeste de Cineclubes e um dos fundadores do Teatro Experimental de Arte, sofreu constrangimentos e privação de liberdade quando foi preso em 1964. Acabou seus dias brutalmente assassinado em Fortaleza, em 26 de setembro de 1991, na frente de uma banca de jornais, acompanhado por seu filho, conforme me foi dito por ocasião da visita que fiz à capital cearense em dezembro de 1993[ii].

Justamente agora tomo conhecimento de que tramita na Câmara Municipal de Fortaleza, aguardando parecer, Projeto de Lei do Presidente da Comissão de Educação, Cultura, Deporto e Lazer, propondo a criação da Medalha Eusélio Oliveira de Cinema e Audiovisual, para ser concedida a quem desempenhe papel de destaque com relação a estas duas artes. Aqueles que foram contemporâneos de Eusélio e que com ele tiveram oportunidade de convivência, certamente veem esta providência como uma maneira de tornar viva a memória deste cearense.

Na correspondência que mantive com Eusélio o tema central era a poesia da época, especialmente a poesia concreta que completava sua primeira década de presença no efervecente senário brasileiro. Do material dele recebido aproveitei um dos seus trabalhos na antologia de poesia concreta brasileira publicada em Tokyo pela revista Desing nº 27, de janeiro de 1961, ao lado de poesias de Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatri,  Ronaldo Azeredo, Roberto Thomas Arruda, Pedro Xisto, José Lino Grünevald, Alcides Pinto, também do Grupo Concreto do Ceará, Maria José Carvalho, Dora Ferreira da Silva, Clarival do Prado Valadares, Edgar Braga e Mario da Silva Brito.

                                                                                                                                                                                 v e r d e

                                                                                          v e r d v e

                                                                                          v e r d v e r

                                                                                          v e r v e r m e

                                                                                          v e r v e r m e l

                                                                                          v e r m e l h o

Comentando a publicação da sua poesia na revista Design, Eusélio, em carta de 4 de junho de 1962[iii], disse:

“A divulgação dos produtos concretos na terra do s O l nas-(c/ente), é algo útil p/ a nova cultura brasileira. Já posso considerá-lo como o disseminador da vanguarda no exterior. Espero q ainda não tenhas realizado a anunciada exposição em Kamakura, pois estou pronto a enviar o necessário p/ a consecução desse objetivo útil. Acredito também q a partir da presente data o contato/contágio entre Ceará/Japão, se acentue”.

Em anexo à carta acima mencionada recebi nove poemas concretos de Eusélio dos quais três são aqui reproduzidos como homenagem a quem também sonhou com a aproximação do Brasil com o Oriente, algo que hoje pouco a pouco se concretiza, em grande parte por ser imperativo.

                                                                                                                            p  e  s  o

                                                                                                                                                            p e  s  o

                       

                                                                                                                   c  o  n  t   r  a  p  e  s  o

 

                      

                                                                      b  a  l  a  n  ç  a                                                               b  a  l  a  n  ç  a

Em anotação de próprio punho, Eusélio faz o seguinte comentário sobre seu poema: “as palavras, ludicamente, oxilam como os pratos/balança = movimento”.

Em outra das suas criações, de maneira concisa em clima de minimalismo, certamente evocando, mesmo que inconscientemente, a paisagem costeira cearense, criou um poema quase haikai, publicado em Tokyo, em 1964, no nº3 da revista ASA, da Associação para Estudos da Arte[iv]:

                                                                                                                                                                       m a r

                                                                                                                                                                e n (s e a) d a

                                                                                                                                                                       m a r

O poema a seguir, segundo observação feita por Eusélio, seria “impresso em 2 cores”, que não são citadas, mas que, certamente, servem para ressaltar a ideia de mosaico. Entretanto o recebido estava em preto e branco e nunca tive oportunidade de apreciar o idealizado pelo poeta.

Entusiasmado com o contato feito com o Japão, Eusélio, em carta de 23 de junho de 1964[v], chama a atenção para as dificuldades que já enfrentava quando diz “acredito que cumpri c/ a palavra, muito embora o fator distância e os problemas locais”, e, logo em seguida, afirma que “J. Figueiredo e Anfrigio, Eusébio e João Adolfo integrarão definitivamente o EIXO – TÓQUIO-CEARA”. Desta correspondência consta, como anexo, a relação das poesias enviadas pelos poetas citados para serem usadas em eventuais futuras mostras no Japão. Jocosamente, referindo-se à sua foto e a de Adolfo Moura, encerra com o seguinte parágrafo: “Seguem duas ‘caretas concretas’ p/ ilustrar ou ‘perturbar’ a sensibilidade asiática”.

Finalizo estas anotações lembrando o texto constante da placa que encontrei na entrada da Casa Amarela Eusélio de Oliveira, registrando os sentimentos de amigos e companheiros unidos pelos mesmos ideais de quem foi líder no mundo da cultura e da arte na Fortaleza da segunda metade do século XX:

“Deixou nesta casa uma lacuna irreparável. Somente com a força das suas ideias será possível mantê-la erguida, pulsante, viva e soberana. Ficou o exemplo de coragem, à lição de amor, à causa da cultura do nosso povo tão sedento e carente de saber. Que os fluídos de sua genealidade se espreiem sobre esta CASA AMARELA EUSÉLIO OLIVEIRA é a homenagem de seus amigos às suas ideias, inteligência e à força de vencer plantadas para sempre.”

		[iii]Esta carta foi doada ao acervo do Centro de Referência Haroldo de Campos, Casa das Rosas, Av. Paulista nº 37, CEP 01311-902 São Paulo (SP).