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Contos-->AS PALAVRAS DO VAMPIRO -- 01/02/2003 - 12:07 (Benedito Generoso da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS PALAVRAS DO VAMPIRO

(Inspirado em personagens do grande humorista Chico Anísio)

Acho que o leitor ainda se lembra de Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, que fez sucesso num programa humorístico de televisão, tempos atrás.

O que nem todos sabem, porém, é que esse brasileiro típico, já tão sem sorte, teve ainda o azar de encontrar em certa madrugada, quando perambulava pelas ruas da capital federal, um índio estirado num banco na Praça dos Três Poderes, dormindo embriagado.

Nosso vampiro, mais generoso que os jovens estudantes que atiraram álcool e atearam fogo no pobre Galdino, fez a coisa ao contrário, ou seja, sugou o sangue do ébrio dorminhoco, ficou de fogo e acabou no dia seguinte com uma tremenda ressaca e uma terrível dor de cabeça.

Foi aí que ele teve uma boa idéia e entabulou conversa com seu assistente, demonstrando muito enfado e a firme resolução de mudar de vida.

-- Sabe no que eu tô pensando, Calunga?
-- Pera aí, não vai dizê que patrão tá pensando em casá?
-- Deixe de sê bobo, Calunga! Se pra casá precisasse de pensá, ninguém casava. O que eu tô querendo é me arretirá e fazê penitência. Acho que errei de vocação e não quero mais ser vampiro. Vou me converter num ermitão do deserto.
-- Eba! Se patrão se torná um monge, eu me transformo em buda brasileiro.
-- O cê?! Só se for um buda mole, que é o máchimo que o cê vai conseguir sê.
-- Ei patrão! Agora fiquei triste, pois acabei de alembrá que no Brasil não tem deserto.
-- Já vem o cê ponhá areia no meu prato. Tá pensando que eu me preocupo com isso? Vou me desertá porque quero, mas se eu não querê ir pro deserto, o deserto vem até eu. E de agora por diante me chame de mestre que o cê vai sê meu discípulo.

E lá se foram os dois à procura de um deserto no interior do país, mas tiveram mesmo de contentar-se com uma montanha, que logo escalaram, acomodando-se no topo. Lá em cima, após longo tempo de meditação, Bento Carneiro achou que já era hora de voltar ao convívio social e pregar suas boas novas ao povo, e, então, comunicou ao seu discípulo a próxima etapa de sua missão.

-- Óh, grande mestre! Como vóis mecê vai podê discursá, se não sabe falá brasileiro direito?
-- O cê parece que não aprende, Calunga! Brasileiro eu não sei falá direito e nem torto, mais eu sei falá purtugueis muito bem. O cê vai vê só.

E assim, acompanhado pelo discípulo fiel, Bento Carneiro deixou a montanha, atravessou o vale, encontrou uma baixada e sentou-se numa pedra. O povo se aproximou e ele fez sua primeira e única pregação, que ficou conhecida como o Sermão da Planície. E desse modo pregou à multidão:

Quem procura agradar demais a si mesmo, acaba desagradando os demais;

A falta de educação de uma pessoa só é menor que sua própria ignorância;

Aquele que não sabe pedir “por favor” e dizer “muito obrigado” é um ignorante ao quadrado;

O ignorante só sabe dizer “eu”, nada além de mim; o sábio é capaz de dizer “eu e vocês”, tudo para nós. O iluminado diz naturalmente “vocês e eles”, nada para mim, tudo para vós;

Quem grita com os outros em público é porque não consegue abafar a voz da própria consciência e, assim, testifica perante todos que sua conduta é ainda pior dentro do lar;

Aquele que trata algumas pessoas com rispidez, outras com indiferença, e umas poucas com cortesia é um hipócrita, assemelhando-se ao camaleão, que muda sua cor segundo o interesse e a conveniência;

A delicadeza é um dia ensolarado, mas a grosseria é uma noite sem luar, em que até as estrelas se escondem de vergonha;

Uma paixão recalcada é uma bomba prestes a explodir, e ai daqueles que estão por perto, quando o amor se transforma em ódio.

Bento Carneiro pretendia continuar, mas foi interrompido por uma voz advinda da multidão, bradando insolentemente:

-- Índio chefe não quer sermão. Índio aqui deseja salmão.
-- Cala a boca aí, seu índio velho! Por acaso não sabe que eu posso te pinchá uma baita duma praga em riba do cê? -- retrucou Bento Carneiro, abrindo largo sorriso e deixando à mostra os dentes podres, dentre os quais sobressaíam os dois caninos aguçados, para continuar em seguida:

-- Nem só de peixe vive o homem, mas também de lágrima, suor e sangue. Por ventura não sabe que estamos no século vinte e um, no terceiro milênio e no início de uma nova era? Acabe de vez com essa carranca, pois já é tempo de saber que chefe de cara feia é animal em extinção.

Ao ouvir essas palavras, o cacique enrubesceu, ficou ainda mais carrancudo e, arregalando os olhos, partiu para cima do vampiro que, ajudado pelo discípulo amado e por outras pessoas, conseguiu se safar e retornar ao cume da montanha, onde quedou ofegante à sombra de uma árvore.

Calunga, o querido discípulo, aproximou-se assustado e lhe perguntou:

-- Que foi que aconteceu, mestre? Vóis mecê tava indo tão bem e de repente...
-- Cala a boca seu idiota! -- respondeu nervoso Bento carneiro.
-- Então o cê não viu que a curpa foi das palavras?
-- Como assim, mestre? Suas palavras foram brilhantes!
-- Isso é verdade, mas em verdade eu te digo: as palavras são inúteis para quem não precisa delas e são ineficazes para quem delas necessita. Doravante ficarei calado, pois o silêncio é mais eloqüente que as palavras.

Dizendo isso, o mestre vampiro cerrou os lábios, fechou os olhos e entrou em profunda meditação. Voltou a si ao ouvir um zumbido, seguido de um baque, e mal teve tempo de ver o discípulo caído ao lado, com uma flecha que lhe atravessava o peito.

Mais que depressa, o vampiro latino deslizou montanha abaixo, envolto na capa preta surrada, indo esconder-se em sua antiga caverna, onde encontrou à espera o velho caixão forrado com uma porção da boa terra brasileira. Acomodou-se, confortavelmente, disposto a tirar uma soneca centenária, mas antes de puxar a tampa esqueceu momentaneamente sua mudez e bradou aos quatro ventos:

-- Bem feito, calunga! “Não creu n’eu, se ferrou. E pra quem ri de mim, minha vingança será malígrina”.

Com estas últimas palavras, deixou cair a tampa e o caixão se fechou, seguindo-se um silêncio sepulcral, logo interrompido por vozes ao longe, de inocentes crianças, que iniciavam uma saudosa cantiga de roda: Um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam, incomodam muito mais...

BENEDITO GENEROSO DA COSTA








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