Ela sempre teve mania de levar em sua bolsa aqueles bloquinhos de papel colante. Por onde passava, colava uma frase.
Ele sempre adorou frases. Teve, por toda a vida, coleções delas. As melhores e piores eram arquivadas em sua estante.
Ela estava atrasada para assistir ao filme. Vestiu a primeira roupa que encontrou pela frente e correu para o cinema. Queria ouvir Caetano Veloso no filme de Almodóvar.
Ele leu no jornal que o filme Fale com Ela, de Almodóvar, era mesmo muito bom. Resolveu conferir. Estava perto do cinema.
Ela combinou o encontro com o novo namorado lá dentro da sala. O rapaz guardaria seu lugar.
Ele comprou o bilhete no valor de cinco reais e entrou sozinho no cinema. Já estava escuro, mas pôde reparar em sua frente, um rapaz que olhava para trás a toda hora.
Ela chegou finalmente ao cinema. Comprou o bilhete. Teve vontade de ir ao banheiro.
Ele achou estranho o nervosismo do rapaz da frente porque nunca gostou de pessoas impacientes.
Ela saiu do banheiro dando gargalhadas. Entregou o ingresso ao bilheteiro e entrou no cinema.
Ele olhou para trás e avistou a mulher, que sorria descontrolada. Olhou o rapaz da frente, esse fez sinal para a mulher.
Ela avistou o rapaz, continuou sorrindo e o beijou.
Ele teve vontade de ser beijado por aquela mulher.
Ela contou ao rapaz que no banheiro, quando foi dar descarga, essa ativou outra privada e uma mocinha ao lado gritou de susto.
Ele ouviu a historia e achou hilária.
Ela não viu boa reação no rapaz, que disse não achar graça nenhuma em sanitários descontrolados.
Ele achou que o rapaz foi grosseiro com ela e franziu a testa.
Ela ficou em silencio e olhou para a tela que anunciava o trailer Gangues de Nova York.
Ele não viu o trailer. Apenas olhou para os cabelos da mulher e sentiu seu perfume.
Ela respirou fundo e saiu do cinema sem dizer uma palavra.
Ele foi atrás.
Ela abriu a bolsa e retirou o bloco. Escreveu uma frase, colou na parede e foi embora.
Ele olhou para a folha do bloco e leu a frase: “o melhor namorado é aquele que gosta de historias simples de privadas publicas”.
Ela fez sinal para o ônibus.
Ele pegou a frase e saiu do cinema.
Ela entrou no ônibus e foi para casa.
Ele chegou em casa e colocou a folha com a frase da mulher em sua coleção.
Ela resolveu que voltaria ao mesmo cinema na ultima sessão.
Ele abriu o jornal e grifou: “ultima sessão do filme Fale com Ela, às 21:30, dessa segunda-feira”.
