Sou o que sou enquanto sou, e nada mais
Minha capa é feita de cores magníficas
Tons claros que se entrelaçam criando a ilusão perfeita:
Sou humano, como todos os outros
E disso minha razão nunca desconfiou
Pouco importa por que me encontro:
A Causa Primeira morrerá implícita
Não importa quantos versos pintem
Quantas cores escrevam
Pouco importa quando me encontro:
A capa, ainda jovem, ofusca a verdadeira natureza
Do auto-retrato desta alma incoerente
Soterrada por um espelho, sufocada por palavras e imagens
Pouco importa o cenário em que me encontro:
Sapatos, cinzeiros com cinzas, roupas sujas e papéis jogados
Espíritos invisíveis, moléculas de ar, elétrons em êxtase
Estantes desarrumadas, caderno de telefones aberto na letra "E"
A disposição dos objetos é irrelevante para o quadro
Pintados aleatoriamente, nada significam
Sequer simbolizam o vazio caótico daquilo que veste a capa
Assim como a penumbra se sente impotente
Tentando ser a total ausência de cores
Pura e simplesmente me encontro, o espelho defronte
O castanho-escuro sobrepõe meu livre-arbítrio
Palavra por palavra, impelido a ouvir
Minha metade negra me consumir
Imagem por imagem vasculhar, ainda vivo
Escuros recessos do inconsciente primitivo
"Tu, que persegues a verdade inquietante de tua condição
Presa ao ciclo de necessidade, fartura e alívio, ansiosa pela fuga
Tu, que bebes na fonte de teu terror mortal
Buscando em teu íntimo aquilo que é sujo, incerto, impuro
Aquilo que não tem nome
Em teus demônios negaste a própria humanidade
Querendo compreender a dimensão da eternidade"
"Revelo, pois, a verdade das verdades:
O atalho e a estrada principal esboçam um mesmo quadro
Indiferente ao bem e ao mal, à vida e à morte
Indiferente à duração de tua caminhada e ao fardo da virtude
Caminhas em direção a um único ponto
Onde Tudo e Nada convergem em dimensões paralelas"
Assim permaneço, estático, compreendendo o Absurdo
O grito se condensa e lava as vitrines da alma
Como um suspiro de alívio ao refratar a luz
Não fossem os pensamentos aprisionados
Irreversivelmente, na memória do que vejo |