Bem, lá estava eu entregando "melequinhas" partidário que sou. Alegres e inteligentes comentários sobre o adversário político eram quase que captados do universo. Palmas para mim, eu nunca havia falado tão bem em minha vida. Provas? Pois bem: a maldita timidez, que amigos mais íntimos poderiam jurar não existir, ela fazia-me calar mais que falar; ainda a maldita timidez fazia-me gago. M-m-meu... pa-pa-pa-pai do ce - ce.. do ce - ce... do céu! Ai, Deus... horrível sensação.
Pois é. Eu havia me vestido de orador e lançava afrontas brilhantes ao adversários, e se me ouvissem poderiam mudar de voto, tenho certeza. Acertivas fatais como:
- Vote como consciência, não vote com o estómago. Quem tem estómago na cabeça é camarão! - Bum, massacrava!
- Votar em um governador corrupto é corromper-se também! Plaft, outro tabefe.
- Ei moça, uma moça bonita e inteligente você! Tira esse adesivo do Roriz e vem pra cá. Deisdecê besta. O Roriz tá grilando até a terra debaixo das unhas dele. Pan, impagável.
Mas a alegria iria durar pouco. Como me disse Domigos Oliveira semana passada no jogo Flamengo e Vasco "Há muita verdade no levante financeiro da China sobre a redução de taxas de exportação de cães comestíveis", acho que era esse sentimento que Domingos de Oliveira queria exteriorizar. Pois é, lá esta eu preparando mais uma frase de efeito "educação-moral-e-cívica" quando, ao ver-me apontar uma melequinha vermelha em sua direção uma senhora arregalou os olhos e arrepiou-se toda. Assustada como se houvesse visto o próprio demónio de ceroulas (e eu acho que havia visto mesmo) ela sacou um "TA AMARRADO NO NOME DO SENHOR", e fez o gesto como se me amarrasse de verdade com uma corda imaginária (produto de um delírio provocado, talvez, por muita exposição a argumentos de Roriz). Confesso que fiquei chocado. Afinal eu estava ali para ajudar. Acredito que podemos mudar e, se não acabar com ela, diminuir a corrupção com um maior policiamento popular, mas agora eu estava "amarrado". Daquele momento em diante eu calei. Estava "amarrado", mas não no nome do senhor como a senhora havia tentado me amarrar. Amarrei-me novamente a minha timidez, foi nela que eu justifiquei o meu silêncio. Entreguei os panfletos restantes envolto a pensamentos desafiadores que não proferi. "Lobotomia! Pura lobotomia o que alguns pastores evangélicos fazem em seus fiéis. Gente que acredita nesses apócrifos difamadores". Domingos havia me alertado. Eu sei que ele falava a verdade do amigo que quer o bem, mas eu não o ouvi. Hoje, sexta-feira, calo-me diante daquela senhora vazia. Isso mesmo, vazia. Vazia de argumentos, de esperanças, de sentimento cristão (pois ela esqueceu do bem maior dos cristãos "amais uns aos outros como eu vos amei". Eu estava ali não por mim, mas pelo bem maior, pelo bem de Brasília. Arriscando meu emprego em uma instituição ligada a empresários). Ela me amarrou em outra coisa. Domingos sempre diz: "Hoje pobre, amanhã seus rendimentos sólidos com relação a desvalorização do euro catalão é fatal". É verdade. Se Roriz ganhar, o pobre que bater em minha casa pedindo pão eu vou "Amarrar no nome do Senhor". Quem sabe assim eu não o transformo em algo diferente, como aquela senhora me transformou: em algo mais frio e que está agora meio que se fudendo por Brasília.
