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Contos-->A BOMBA -- 03/08/2000 - 01:30 (Fernando Tanajura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A BOMBA


À tarde fez frio e a cidade ficou vazia. Todos atenderam prontamente a ordem de evacuar o local por causa da bomba que irá explodir à meia-noite
em ponto. Agora chove. Uma chuva miúda, chata, cansada, persistente. Apesar do clima frio daqui da região e do chuvisco insistente que cai há
quase dois dias, hoje à tarde, de vez em quando, fez um calor repentino. Um calor diferente, úmido, pesado. O tempo está realmente estranho hoje. Parece que acabaram de destruir o resto da floresta amazônica de tanto abafamento que fez vez por outra. Foi tudo tão sufocante - sem ar...

É muito mais estranho ver como os sinais de trânsito piscam e dão ordens para ninguém. Se por um acaso, alguém aparecer repentinamente aqui e agora sem a inteira informação do fato, na certa ficará atordoado com tanto silêncio e tanta ordem. O silêncio é gritante. A ordem é imoral de tão perfeita.

A noite chegou sorrateira, negra, repentina trazendo mais silêncio e mais tristeza, mas ainda pode-se ler o resto do pensamento do poeta:

"Nuvem veloz se movimenta negra
No céu escuro a tempestade vem."

Nada aconteceu de novo nas últimas horas, a não ser a mudança brusca da temperatura prenunciando mexeção no sistema ecológico. Faz muito frio
agora quando, finalmente, a noite se assentou de vez. Alguns letreiros luminosos acenderam-se automaticamente na hora certa, chamando atenção
não sei de quem. As lojas não cerraram sua portas como de costume e os bares estão vazios, apagados, escuros, abertos.

O cinema El Dorado ainda mantem o cartaz do filme da semana - James Bond em ação - "007 Contra Chantagem Atômica". Violência? Não. Tudo é de mentirinha. Só esta semana. Na próxima, quem sabe?, terá música e romance, filmes novos e antigos - Fred Astaire, Madonna, depois Brigitte
Bardot. Roberto de Niro, Burt Lancaster, Lana Tunner, Cher, Demi Moore. James Dean e Marilyn Moroe. Risos, cores, índios, mocinhos e piratas. Pura fantasia. Jardins de amores, grandes paixões, sensualidade, maldade, crime, Betty Davis. Flertes, namoros e brigas, tapetes mágicos de Bagdá, aventuras na Índia, Flash Gordon, ...E Deus Criou a Mulher. Ilusão da melhor: Superman, ficção, documentário e guerra. Quem sabe, Oscarito para matar saudade e matar a gente de rir...

O gás neon continua piscando nos letreiros luminosos e os sinais de trânsito mandam parar. VERMELHO! Parar pra quê?... Pode haver um
assalto a mão armada. Siga. Siga em frente! VERDE. Mas seguir pra onde? Nenhum caminho leva a nada ou a lugar algum. Está tudo vazio, venta, chove, faz frio. E o telefone público tocando logo agora neste silêncio mortal? Alguém chama alguém e ninguém responde. Não há pergunta, não existem
respostas. Quem era e o que queria? Atenção: AMARELO! Não mate. Não corra. Não morra. Mate, corra e morra se quiser. Atenção, não ultrapasse a
faixa amarela. Muita atenção ao ultrapassar. Já está quase na hora. É quase meia-noite, não acorde agora. Durma, descanse, relaxe e goze estes
momentos finais. Não saia. Ou saia, também se quiser. Eu já fiz a minha parte. Quem quiser que faça a sua. Já é sabido que há perigo nas ruas e o problema agora é seu.

Oxente, como há perigo, menino, se na rua não tem gente? Não há perigo nenhum. Pode até assaltar e matar sem problemas... Se não tem gente, não tem assalto, nem atropelo, nem morte. Pode até jogar com a sorte de um crime quase perfeito. Não tem compra, não tem venda. Não tem roubo pro delegado, nem sujeira pro prefeito.

É tarde e já está passando da hora. Eu tenho mais é que ir embora. A bomba vai explodir e não há mais tempo a perder, falta pouco. Vou pra Angra
dos Reis, Chernobyl ou Three Miles Island. Se correr, ainda chego em tempo de assistir a explosão pela TV. O problema é o trânsito.

Eu tinha esquecido, não há trânsito, tudo está facilitado. Será que eles ainda estão lá? Não sei, mas vou tentar. Tenho que acabar de ler o livro antes de ir, ou faço isso no caminho? Dialética? Não, dietética. Não tenho tempo, tenho mais é que me apressar. São onze e vinte e cinco, quase onze e meia, onze e quarenta para ser preciso. Não acertei o relógio digital e fiquei confuso. Também não se escuta mais Beethoven nem Bach, nem polca nem samba!

Onde está o relógio de parede, está no quarto? Ah sim, está no quarto. O relógio está guardado na gaveta lá no quarto. Um quarto pra meia noite.
Onze e cinqüenta. Cinco pra meia noite.

Falta pouco para a explosão. Agora, é melhor esperar e ler a notícia amanhã nos jornais. Esqueça o livro e Beethoven, vamos ver o que vai dar. Vamos ver o que vai acontecer. Tic-tac, tic-tac, tic-tac, ouço a batida insistente. Acerte o relógio que está atrasado. Que horas são exatamente, são 11:57? Não, 11:58. Onze e ciqüenta e nove. Silêncio! Escute. O silêncio é muito importante na hora de escutar. Está na hora. Escute e preste atenção. Atenção!!! Atenção é o amarelo? Não, é o vermelho.

O relógio parou.


© Fernando Tanajura Menezes
(n. 1943 - )
(in Jornal The Brasilians
New York/NY - Novembro 1990)
http://tanajura.cjb.net
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