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Contos-->Borboletas são flores -- 03/08/2000 - 16:30 (fabrício lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O que são borboletas?
-Borboletas são flores sem raízes,
sem elos com algum passado
difícil de esquecer;
desprendidas do mundo real.
Borboletas são flores que voam.




Num tempo adorável de recordar e que me enche de nostalgia, andava pelas ramagens de árvores pequenas e retorcidas nos fundos do hospital. Lá, eu, meus irmãos e alguns amigos passávamos toda a tarde caçando borboletas de todos os tipos: grandes, pequenas, azuis, amarelas e pretas, sendo que as amarelas eram mais abundantes.
E é um paraíso imaginar e um sonho acreditar ver um jardim de flores bonitas com inúme-ras borboletas fazendo amor com elas. E para pegar nossos troféus, utilizamos apenas as mãos, nenhum outro instrumento. Entretanto, desculpem a minha falta de modéstia perante às disputas para provar quem era melhor, mas eu, na maioria das vezes, vencia.
Era simples, necessário é apenas calma e jeito e assim como dois dedos seguram uma ca-neta (eu particularmente uso três), com dois dedos pegava-se as asas de uma borboleta. Elas debatiam-se muito, mas não havia nenhuma força física nelas. Sua única força e que me acariciava a alma era a sua beleza e a sua notória contradição referente ao transcorrer de toda a sua vida. Existe um universo de diferença entre a larva e a sua fase metamorfoseada.
E já no final da tarde, antes do crepúsculo, tão adorado por vidas solitárias, contemplado mais de setenta vezes num dia pelo Pequeno Príncipe, reuníamos todos no meio das ramagens com nossas sacolas cheias de borboletas e como uma chuva de flores ao contrário, libertávamos todas ao mesmo tempo numa linda visão poética. E ríamos e corríamos ante àquele espetáculo.
Depois deste êxtase de felicidade, nossos ânimos definhavam-se com o cair da noite e com a pungência de algumas estrelas no leste do céu. Voltávamos para casa sujos e cansados. Geralmente, banhávamos e dormíamos cedo por não haver nada de interessante na TV.
Na manhã do dia seguinte, havia aula e como de costume briguei novamente, quer dizer, não briguei; me bateram. Engraçado que sempre divertia-me assistir filmes de luta e no entanto não sa-bia que um soco na barriga doía tanto.
Mas, graças a Deus, a manhã terminou depressa e pude voltar para casa. Já não estava tão alegre e a bóia demorava a sair. Convenientemente almoçávamos às duas da tarde depois de assistir o Chaves. E às três, com o Sol mais ameno, voltávamos às nossas flores que voam.
Isto durou algum tempo, uns dois anos, eu acho. E não me lembro bem porque deixei de caçar borboletas. Ou nevoeiros densos não me permitem ver, ou alguém conseguiu a chave-mestra das gavetas de minha memória, roubando algumas. No entanto, tenho uma vaga suspeita de que tenha sido quando ao tentar pegar uma borboleta bem bonita, grande e colorida, acabei machucando-a. Deve ter sido ansiedade.

Ela ficou agitadíssima. Batia as asas, mas não voava, e eu, sem saber o que sentir, levei a borboleta para minha casa e coloquei-a num vidro numa esperança sem fundamento algum de que ela se curasse e voltasse a voar. Pus uma tampinha de garrafa com água para que bebesse, porém não con-seguia imaginar o que uma borboleta comia. Então resolvi perguntar a meu pai, que na hora divertia-se muito com um filme tailandês dos anos oitenta:
- Pai, o que uma borboleta grande, bem bonita e machucada gosta de comer?
- O quê? – respondeu ele, não querendo perder nada do filme. Mesmo assim, repeti novamente a per-gunta e ele:
- Deixa de frescura guri – bradou, impaciente.
- Mas pai, eu preciso saber.
- Ah, sei lá; arroz, eu acho.
- Arroz? Tá bom.
Peguei uma colher de arroz na panela sem minha mãe ver e coloquei em outra tampinha de garrafa.
Dois dias passaram-se e nem um pingo de água a borboleta bebeu e arroz muito menos co-meu. Depois de alguns minutos sem saber o que fazer, tive a idéia de pô-la bem junta às duas tampi-nhas. Ela estava viva, com certeza, mas não mexia mais as asas.
No dia seguinte, bem cedo, antes de ir para a escola, fui vê-la e ela estava morta. Fiquei triste, mas não chorei. Em minha infância só chorava por dor física, quando apanhava no colégio, na rua ou em casa. Só aprendi a chorar de dentro para fora quando na juventude fechei-me em mim mes-mo e isolei-me do mundo real.
E agora, depois de velho, a morte anuncia a chegada da primavera, pois vem com flores. Quanto à borboleta, enterrei-a no fundo do quintal dentro de uma caixa de fósforo, entre as folhas de capim-santo.



10/08/1999
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