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Contos-->PÁSSARO BRANCO -- 08/02/2003 - 23:43 (lira vargas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

PÁSSARO BRANCO

Trabalhava numa empresa de exportações. Começava meus dias muito cedo. À noite ia para o curso, pretendia prestar o vestibular de medicina naquele ano de 1970. Uma tarde, após o lanche, fui tomada por fortes dores no abdome, e como foram insuportáveis, fui levada em emergência para o hospital mais próximo.
Fui submetida à vários exames e os médicos concluíram que meu caso era grave e teria que ser operada. Não desconfiava de nada, na minha simplicidade, e talvez por meus vinte anos, não sabia que estava condenada pelo câncer. Após a operação, fiquei sabendo que meu útero havia sido retirado. Aí é que fui desconfiar que meu caso era sério. Meus pais moravam no interior de Minas, e como o meu apartamento era pago com meu salário, tive que rescindir o contrato. Arranjei uma vaga em um pequeno pensionato do qual minhas companheiras ajudavam-me nas tarefas de meus curativos.
Dois meses após sair do hospital, pensei que já estava curada, pois os médicos me garantiram que o câncer fora visto há tempo. Uma manhã fui ao hospital apanhar meus documentos. Ao chegar no pátio, havia um degrau em que tropecei, então ao cair um médico que ia passando, ajudou-me a levantar, rimos do fato e conversamos muito, mas não mencionei o que acontecera comigo. Dei meu telefone e no dia seguinte fui surpreendida pôr aquela voz do outro lado do convidando-me para um almoço.
Nossos encontros foram mais constantes, sentia-me tão apaixonada que nem me lembrava da doença. Cada momento era uma eternidade quando não o via. As vezes no trabalho ficava olhando o telefone esperando ouvir aquela voz que me dava tanta alegria. Quando nos encontrávamos, minha alegria era tão grande que esquecia do mundo e das dores que passara.
Uma tarde de Domingo, o sol estava quente, fomos a Lagoa Rodrigo de Freitas, nossas mãos entrelaçadas ansiosos pôr ficarmos juntos, as gaivotas numa dança alegre nos saudava com esse espetáculo, a lagoa parecia exibir-se para o mar distante, e as montanhas coloriam com variedades de verdes, os edifícios contornando, de uma varanda, avistei orquídeas, e seu dono regando-as, com o carinho de pai., alguns barcos abandonados à beira da lagoa, parecia um sinal de solidão. Sidnei, era seu nome, meigo, cabelos ao vento, rosto de menino, eu o chamava de pássaro branco, olhos transparentes, sem pedir, num silencio do céu, levou-me para seu apartamento, nos amamos em uma comunhão de desejos, sem medo, entreguei meus mais íntimos segredos de mulher, com uma ponta de medo do golpe do destino, o segredo de meu passado fora esquecido, nos transportamos nos caminhos infindos em beijos anelantes, como dois pássaros que voam nos anéis dourados pêlos últimos raios de sol a procura do caminho do céu infinito, a felicidade era plena, nossos corpos descobrindo o prazer do amor ali misturados confundindo tamanha comunhão do nosso amor. A tarde findava, Sidnei disse que teria que ir embora, seu plantão seria naquela noite, Levou-me para o pensionato, no abraço, segurei seu rosto, uma vontade imensa de pedir que não fosse embora, mas nada falei, era uma exigência infantil, silenciei, na despespedida de um beijo suave, promessa de nossa jura de novos encontros, fomos batizados pela tarde de sol.
Ao chegar em meu quarto, fiquei lembrando dos momentos que passamos, um sorriso de felicidade, de minha cama vi os primeiros sinais da noite, e estrelas brilhavam no céu, levantei até a janela, fiquei estarrecida, estava toda ensangüentada, com uma hemorragia intensa, minhas pernas não obedeceram e cai no chão. Acordei no hospital, lembro do medo que Sidnei fosse ao meu quarto, olhei para a imagem de Cristo que pendia na parede e conversei com Ele, implorei para que não deixasse Sidnei me ver, não queria que ele soubesse de minha doença. Foi a última lembrança que tive. Entrei em estado de coma de tanto sangue perdido. Quando acordei, já haviam me transferido para um hospital especializado dessa doença. Estranhei o ambiente, no CTI aqueles cuidados para não haver contaminação, as enfermeiras davam os recados das amigas que me procuravam. Aí sim, fui experimentar o verdadeiros sabor do medo. Da solidão e da doença, e o que é pior, pela primeira vez senti medo da morte, da perda de meu pássaro branco. Perguntei a enfermeira quantos dias eu estava ali. Cindo dias, respondeu. Meu Deus que horror, preferi Ter morrido do que ficar lúcida, aguardando que o manto, que não sei a cor, da morte me envolver.
Fui transferida para a enfermaria. Minhas companheiras de quarto foram minhas informantes de qual era a gravidade de minha doença. Seus lamentos de dor me assustava tanto, e eu não entendia pôr que eu não sentia dor física, uma delas era uma menina de quatorze anos, seu sofrimentos era tão grande, que uma noite ele me pediu que a matasse. Vivia calada, esquecia-me de mim mesma, lembrava apenas do pássaro branco, asas que me aqueceram, lábios sabor de mel, um vôo do destino e a doença e o tempo nos separaram. De meu quarto avistava árvores que acolhiam andorinhas no final da tarde, quando nos últimos raios de sol douravam as nuvens, e o crepúsculo vinha entoando uma melodia triste, era o prenunciar da noite, a chegada das horas mais longas, onde o tic-tac do relógio parecia querer adormecer com ela, onde parecia querer afastar Deus daquele hospital, o silencio da madrugada que se arrastava, era quebrado ora por lamentos de dores ou pêlos passos lentos de uma enfermeira sonolenta para atender uma campanhia alarmando o pedido de socorro. Meus passos pelo quarto eram difíceis, pois minhas pernas não obedeciam minhas ordens. Fui à cama da jovenzinha, seus olhos inundados de lágrimas, uma luz fosca, suplicantes, emergiam daqueles olhos semimortos, seus lábios pronunciaram um pedido tão sincero, tão dolorido, pedia-me que falasse com Deus para levá-la. Suas dores eram tão intensas que olhei para o céu nesse instante envolvido pelo manto da noite e pedi à escuridão, que levasse o pedido a Deus, que amenizasse aquela criatura que era Sua filha também. Senti suas mão cravadas em meu braço, tanta súplica. Fiquei parada de costas para ela, meus pensamentos para Deus, e fui tomada pela lembrança de sidnei que não sabia onde eu estava e que passava por aquele drama, e uma lágrima de saudade inundou meus olhos, fomos interrompidas pela chegada de uma enfermeira que aplicou uma injeção na jovem.
Na manhã seguinte, quando sai do banho, minhas costas doíam muito, quando arrastava-me para a cama, ao sentar, percebi o quanto perdera peso. Passei minhas mãos pela perna, minhas costelas estavam dilatadas, senti medo. Estava na hora da visita do médico. Já não me importava mais, pois sabia que os medicamentos eram dolorosos e não tinha outro jeito. Deitada na cama, olhava o teto, uma borboleta solitária dava voltas pelo quarto, cheguei a sorrir, não sabia como era bom vir uma borboleta voando. Alguém bateu na porta, era a enfermeira com medicamentos, e com ela dois médicos, meu coração disparou, olhei para o outro lado da cama, ele entrou sem me reconhecer, não tive coragem de olha-lo, quando se aproximou de minha cama, vi surpresa em seus olhos e até piedade. Ele segurou minha mão num contato singelo, onde nossas almas desesperadas se comungaram um dia, um calor de surpresa e alegria nos envolveu, e senti o calor de seu abraço no meu corpo frágil, num misto de choro e riso, derivado de nosso amor, do sabor da separação inevitável. Nada dissemos por uns segundos. O outro médico, de longe nos observava e percebi um profundo carinho em seu olhar. Depois da emoção dos primeiros momentos, ele disse que eu deveria Ter avisado, que foi muito difícil me localizar. Passamos quase toda manhã juntos. Acho que Sidnei foi um tônico revitalizante.
Novamente senti crescer dentro de meu peito aquela garra de viver, uma força intensa lutava contra aquele inimigo misterioso flagelando meu corpo, naquela luta desenfreada, cada dia mais eu ia perdendo mais peso. E para aumentar meu sofrimento, já era encomodada pôr fortes dores e muita fraqueza. Sidnei, o meu doce pássaro vinha todos os dias. Uma tarde, quando o sol já preguiçosamente se ia, chorei, pois Sidnei não viera naquele dia.
À noite, uma solidão pesada não deixava-me dormir, pedi a enfermeira um calmante. Já quase adormecendo, percebi movimentos em meu quarto, a jovenzinha estava morrendo. Chorei tanto que meu travesseiro ficou molhado, virei-o duas vezes de lado. Com sacrifício levantei da e esbravejei todo meu desespero a Deus, pela prova difícil que ele havia me imposto, pelo meu sofrimento e o dos outros enfermo. Na manha seguinte seu leito vazio, os vestígios de suas cobertas foram friamente mudadas Uma outra companheira , ocupava seu leito, silenciosa vivia concentrada a escrever um diário, nunca lamentava, apenas chorava muito quando sentia dores, e adormecia virada para o lado da janela. Uma noite, Ficamos a nos olhar com uma comunicação que só quem sofria como nós, entenderia nossa linguagem, nossos olhos sabedores de nossos destinos breve, o prenuncio da morte, se entendia numa mistura de medo sem solução. Ficamos nesse silencio até adormecermos. E nessa manhã, novamente meu pássaro branco não veio. A nova companheira que escrevia o diário foi para uma cirurgia e não voltou, a outra moça de outro leito também morreu, e cada dia os leitos eram substituídos, os dias se passando minhas amigas já se acosturam com minha doença, não me visitavam maios e Sidnei também não mais voltou, e no meu silencio aguardava a minha hora. Soube pôr uma enfermeira que Sidnei casara com uma moça de sua cidade.
Naquela manhã minha dor foi maior doque todas, até identifiquei com a dor que senti na hora em que a jovenzinha morrera e quando a companheira do diário me olhou da maca quando fora levada para a cirurgia e sabia que não voltaria.
O que me surpreendia, é que cada dia que passava eu ia perdendo peso, mas já não sentia dores, o médico era uma pessoa amiga, o único amigo que me restara. A doses de quimioterapia já não me faziam vomitar tanto. Fui melhorando a cada dia, até que recebi alta.
Meses depois, fui submetida a novos exames, foi constatado que a doença estava estacionada em fase de recuperação e talvez cura.
Era véspera de Natal, o médico que me acompanhava pôr tanto tempo, Dr. Isac, veio ao meu quarto e disse que tinha uma surpresa para mim. Trouxera minha alta e um convite para ir à sua casa conhecer sua família. Como eu já havia perdido o emprego, ele me ofereceu para trabalhar em seu consultório.
Fiquei sabendo que ele perdera sua esposa da mesma doença.
Voltei para o curso e prestei vestibular para medicina. Hoje sou médica, dedico minha vida às pessoas doentes. Nunca mais soube de sidnei. O Dr. Isac de amigo transformou nossa amizade em um grande amor. Um dia, quando saímos de uma longa cirurgia, no corredor, ele pegou em minha mão e carinhosamente colocou um anel, e pediu-me em casamento.
Somos felizes, seus dois filhos moram aceitaram-me com amor, e já estamos pensando em adotar um bebe para completar nossa felicidade.
Lira Vargas.
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