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Cronicas-->Vir-a-Ser -- 01/11/2002 - 19:28 (Tiago Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vir a Ser (Tiago Xavier - 25/06/2002)


Chego em casa e tiro o casaco, os sapatos, as meias. Este exercício já me deixa exausto. Não tenho mais a vivacidade e nem mesmo a vontade que eu tinha há vinte anos. Essa barriga que agora é minha, essa falta de cabelo e os poucos que restam, esbranquiçados, que agora são meus, ontem já não eram.
Sento-me para comer. Os pratos postos à mesa denunciam o que sou: Fritas, gordura, álcool, condimentos. Não gosto de comida diet ou light. Gosto de comida "fight". Gosto de tudo que dizem fazer mal, mas que sem dúvida nenhuma é muito mais saboroso.
O Doutor Guimarães, cardiologista, aconselhou que eu mudasse meus hábitos. Disse que eu não poderia fumar, não poderia beber, deveria fazer exercícios físicos diários. Sexo ele ainda não proibiu. E mesmo que proibisse, eu ainda não cessei com o cigarro, com o uísque e o único exercício que faço diariamente é gargarejo. Escovar os dentes me dá càimbra nos músculos do braço. Outro dia resolvi fazer Cooper com uns amigos que buscam uma vida saudável, que tem bons hábitos. Não fumam, não bebem. Tenho dúvidas de que também não trepam. Eles completaram oito quilómetros. Em dez metros de exercício minha língua triplicou seu tamanho natural.
Nietzsche, em seu livro "Obras incompletas" tem um texto capitulado "A filosofia na época trágica dos gregos". Neste trecho ele comenta a visão de Heráclito de Éfeso sobre o problema do vir-a-ser de Anaximandro, filósofo grego pré-socrático. "O eterno e único vir-a-ser, a total inconsistência de todo o efetivo, que inconstantemente apenas faz efeito e vem a ser mas não é, assim como Heráclito o ensina, é uma representação terrível e atordoante, e em sua influência aparenta-se muito de perto com a sensação de alguém, em um terremoto, ao perder a confiança na terra firme..."
Quero chegar com as palavras floreadas de Nietzsche a uma degradação biológica constante que existe a cada milésimo de segundo que se passa no universo. Se o leitor chegou a conclusão de que fiquei louco, tenho a leve impressão de que está absolutamente correto. Mas posso me explicar.
Vamos supor que a expectativa de vida do homem seja de dois mil anos. Poderíamos muito bem ficar lendo esta crónica durante dois dias seguidos, sem pausa pro cafézinho. O que são dois dias comparados a dois mil anos. Alguns minutos. Mas a vida humana vive apenas oitenta anos em média. (Meus amigos corredores chegarão lá. Eu me contento apenas chegando aos cinquentinha). O que quer dizer que a cada milésimo de segundo a degradação biológica vai enfatizando-se até completar seu estado completo, ou seja, a morte. Mas nem após a morte essa degradação se completa. Augusto dos Anjos não me deixa mentir. "Já o verme, este operário das ruínas, que o sangue podre das carnificinas come e a vida em geral declara guerra". Assim que somos concebidos caminhamos eternamente para a morte, e eu ainda contribuo para essa maldita degradação com meu cigarrinho e minhas bebidinhas. Além daquela maravilhosa picanha mal passada. Chego a babar no teclado ao escrever essas palavras. Como Nietzsche dizia, o "vir-a-ser" é eterno e único. Estamos sempre vindo a ser alguma coisa. Mas nunca seremos nada, pois a cada milésimo de segundo nos tornamos outro. Nossas células vão morrendo e se multiplicando ciclicamente. Acho que Nietzsche (que nomezinho) devia titular seu texto como "A degradação na época trágica do tempo". Se alguém se opuser, os fios brancos de cabelo que caíram no chão, ao meu lado, poderão comprovar o que digo.

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