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Contos-->KÁTIA VOCÊ NÃO MORREU -- 09/02/2003 - 00:36 (lira vargas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
KÁTIA VOCÊ NÃO MORREU


Um ano de namoro com Isac engravidei, foi um escândalo, meus pais ficaram revoltados, meu irmão propôs um aborto. Pedi ajuda a Isac, recebendo em troca sua indiferença e sua fuga da responsabilidade. Revoltada jurei que nada me faria abortar aquele bebê indefeso, fruto de um amor tão intenso. Embora Isac fosse casado e com dois filhos, esperava um apoio e continuava a amá-lo na esperança de que ele mudasse de atitude ao menos no dia do nascimento de nosso bebê.
Mas minha Kátia nasceu mesmo sozinha comigo, pois, a essas alturas, eu já morava em casa de uma amiga. Minha filha foi o bebê mais bonito do berçário, seus olhos pareciam de um anjo, a pele era macia, contrastando com seus cabelos negros e finos.
Ela foi crescendo e, talvez por compensação do destino, Kátia era maravilhosa nunca me dava trabalho. Tentei procurar Isac, mas esse recusou-se a atender-me .
Quando voltava do escritório, ela tinha sempre uma novidade para contar-me. O tempo passando. Minha família já concordara com o fato de Kátia não ter um pai por perto e talvez por ser muito meiga, conquistara a amizade de todos. Desisti de procurar Isac, entreguei a Deus aquele amor impossível e cruel.
Kátia já estava com 16 anos. Um Sábado, ela e duas amigas do colégio pediram-me que as levasse a um baile. E como insistira muito acabei concordando. Mas no sábado, recebi a visita de meus pais, e, como havia tempo que não os via, tentei desmanchar o programa de minha filha, mas meu irmão ofereceu-se de leva-lá. Muito aflita tentei argumentar, mas Kátia implorou com seus olhinhos e não consegui negar nada. Ela era tão compreensiva, só pedia o que era possível.
Minha filha foi acompanhada por meu irmão e pelas duas amigas que seus pais me confiaram. O baile terminaria às onze horas da noite. Calculei que no máximo à meia noite elas já teriam voltado, mas para meus desespero as horas foram passando e nada. Quando já era de madrugada, eu já não agüentava mais de tanta angústia, meu irmão chegou no carro da polícia com as amigas de minha filha. Quando os vi saltar do carro, meu desespero foi tão grande que fiquei calada, engoli o grito. Meus olhos correram por dentro do carro, na esperança de que Kátia saltasse logo e me contasse o que acontecera. O policial nada falou, talvez por falta de coragem diante minha ansiedade. Meu irmão estava todo machucado e o caso foi relatado. A amiga de Kátia explicou chorando que, ao saírem do clube, uma turma de oito rapazes, em plena rua, agrediram meu irmão e estupraram minha filhinha até a morte. Havia tanta gente, mas ninguém fizera nada. Não consegui chorar, corri para dentro de casa, minha amiga Celi tentava confortar-me, mas ela também estava sofrendo. O aborto fora feito dezesseis anos depois, exatamente na responsabilidade do meu irmão que sugerira. Fui levada anestesiada emocionalmente para o IML. Quase não reconheci minha filhinha, seus olhos estavam arregalados de pavor, sua boca entreaberta no meu desespero decifrei que seus lábios haviam me chamado. Disso não tive a menor dúvida. Suas mãos fininhas ainda sujas de areia estavam raladas e sangravam. Suas roupinhas estavam num banco, rasgadas estupidamente. Alisei seus cabelos ajeitando-os para ver melhor seu rostinho que tantas vezes beijei. Em seu corpo cheio de hematomas a marca da brutalidade daqueles monstros, vestígio do sofrimento que a minha jovem filha sofrera. Pedi ao funcionário daquele ambiente frio, um lençol para cobrir minha filhinha , seu corpo exposto como os outros cadáveres, machucava-me ainda mais. Na parede ao fundo, um crucifixo pendido, olhei e perguntei o porquê daquilo, o que fizera para merecer tanta dor, o silencio reinava naquela sala, o gelo do meu medo era mais gelado do que aqueles frigoríficos. E como se o Cristo me ajudasse, vomitei o soluço abafado que me esmagava a alma. Meu grito ecoou naquele lugar, depois chorava e segurando as mãozinhas de minha filha, minhas lágrimas misturavam aos seus cabelos e rosto. Tentaram tirar-me dali, mas não queria deixá-la sozinha, desejava que fosse um sonho, perguntava a Celi se tudo aquilo era real. Fui levada para casa. Ao amanhecer meus olhos estavam ainda parados, incrédulos diante daquele fato. Ficara a madrugada toda sentada em seu quarto, diante de suas fotos. Vi todos os seus retratos, quando era pequenininha, fotos da escola, em todos parecia que ela ainda estava ali, num vínculo muito forte que nos unia. Recordei as noites em que ela sentia medo e dormia em minha cama, as febres, suas alegrias, seus carinhos. Deus, como podia ter acontecido aquilo, perguntava a todo instante. Após o fato, lembrei que não ouvira falar nos assassinos, nada sabia do que fora feito deles, não sabia nem se foram pegos. Nasceu então dentro de minha alma o desejo de vingança. Os dias se passaram e nada se sabia e quem eram os monstros. Foi num sábado, algo me dizia que os assassinos deveriam se freqüentadores daquele clube. Pedi informações ao chegar ao clube, e nada. Passados meses, soube de outro estupro à saída daquele clube. Procurei a família da vítima, e identifiquei-me com a dor daquela mãe, que como eu passava a mesma prova terrível. A polícia não descobrira uma só pista dos agressores. Ouviam-se depoimentos dos jovens que assistiam aos estupros, mas nada ficava esclarecido. Jurei descobrir quem eram eles. Passei a rondar o clube na hora da saída do baile. Foram muitos sábados e já adquirira um revólver. Minha sede de vingança era tanta que o sono não me abatia. Ficava até de madrugada todos os finais de semana perto daquele maldito clube.
Foi numa madrugada. Escondida atrás de uma árvore. O baile terminara e as pessoas desciam a ladeira. Pensei que, como nos outros sábados, meus esforços seriam inúteis. Mas percebi gritos de horror. Saí apressadamente, da sombra. A noite era fria. Um vento misterioso se abatia sobre as árvores. A multidão corria, uma jovem era agarrada por uns rapazes. Ela gritava e eles a imprensavam contra um carro, já com muita prática, iam arrancando brutalmente suas roupas. Todos gritavam, mas iam se afastando, a jovem desaparecendo naquele grupo de monstros, já não gritava mais. Corri ladeira acima. Nos meus olhos via minha filhinha. Senti o desespero de querer salvá-la, urrei como um animal ferido. Apontei o revolver para aquele grupo que nesse instante me olhavam, assustados e fui atirando sem piedade. Atirei, descarreguei toda a arma neles. A jovem estava caída por cima do carro. Uma bala a atingira no braço. Mesmo assim não parei de atirar, recarreguei a arma. Um deles tentou correr atingido na perna, mas minha ira era tamanha que o alcancei e com o gritos de clemência e perguntei se ele havia matado minha filha, ele acenou que sim, acreditando que eu não atiraria nele. Descarreguei as últimas balas nele. Chutei os corpos até deforma-los, gritei para a multidão que ali estava que eram cúmplices, para as janelas que se abriram, que todos eram culpados, ninguém fazia nada por covardia, pois outras vítimas haviam morrido ali. Em frente a todos e ninguém tivera coragem de socorrer ou ao menos identificá-los perante a polícia.
E a polícia chegou. A jovem fora levada para o hospital, seus pais foram comunicados, seu estado não era grave. Fui levada para a delegacia, mas a fúria ainda me dominava. O policial informa que eu teria que aguardar o delegado. Fui detida por flagrante e aguardei o julgamento na cadeia. Foram terríveis aqueles dias. Recebia a visita de meus amigos, aguardava o julgamento, soube que aqueles assassinos eram filhos de famílias de classe média alta e agiam sob efeitos de drogas e por isso ninguém os pegava.
Chegara o dia do julgamento. Cheguei à sala. O caso havia mobilizado a opinião pública que se dividira. Meu advogado de defesa não me dera esperanças de vitória. A sessão começou. O juiz pediu a palavra do advogado de defesa. O promotor exaltado me acusava de violenta de fria de criminosa daqueles jovens problemáticos. Já convencera os jurados de que eu era uma assassina fria e calculista e que meu aspecto passivo provava o quanto era indiferente. Meus pensamentos estavam em minha filhinha. A voz do promotor soava na sala: Dez jovens foram cruelmente liquidados no meio da rua sem terem chance de defender-se. Nesse instante o ódio apossou-se do meu ser. Olhei aquele profissional caro, eu que até aquele instante permanecera de cabeça baixa. Nossos olhos se encontraram. Ficamos pasmados, foi tão nítida nossa reação que o público silenciou. O promotor que tanto me acusava era Isac. Ele nem se lembrara de meu sobrenome. Ficamos nos olhando, nos perguntando. O juiz pediu que o promotor continuasse a acusação, mas Isac falou apenas: Peço que me seja dada dispensa do caso!
Saiu da sala.
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