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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->A MALDIÇÃO DA ROSA BRANCA- AGORA SIM COMPLETO -- 16/02/2004 - 10:50 (Angellus Domini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A maldição da rosa branca
Por Tomas von Reichbeger
CAPITULO I

Estados Pontifícios, 1846.

- Mama, para onde está me levando? Nunca permitiu-me chegar perto deste lugar? Por que isto agora? – Andréas Ravasi estava realmente preocupado. A porta que dava para a escada do sótão do casarão da família Ravasi estava trancada há décadas e a menção a existência deste sótão era assunto proibido desde a morte de Vincenzo Ravasi, seu bisavô, em situação inexplicada. O casarão localizava-se em um local chamado “A montanha da desolação”, pois o loca carregava o estigma de que todos os que o habitassem seriam mortos em situações bizarras. Esta lenda foi divulgada pela família Ravasi, que sempre teve interesses no local, e a gerações conseguiu a posse total da montanha, erguendo seu casarão no cume, e montando uma pequena fortaleza, abastecida por sua criação de ovelhas e de sua vinha, famosa por abastecer as adegas do Papa. Porém a maldição parecia confirmar-se na trajetória de poder da Família Ravasi. Todos os patriarcas da família morreram em situação similar. Enlouqueciam e após alguns dias, cometiam suicídio. Vincenzo Ravasi, o bisavô de Andréas, saltou do sótão do casarão, contra as rochas inalcançáveis do abismo, ficando assim, sepultado no mesmo. Desde aquele dia, o sótão tornou-se local proibido. Seu avô, Leonne Ravasi, também enlouquecera há alguns anos, e sua mãe, a atual matriarca Maria Pia Ravasi, o internara em um asilo para loucos. Morrera em poucos meses após a internação, que já fazia quinze anos. Desde então Maria Pia assumira todos os negócios da família.
- Não te interessa ainda, Andréas, apenas continue andando, e tente não tropeçar na escada e apagar o lampião.
Assim continuaram em silêncio a subir os degraus que davam para o sótão. Pareciam duas figuras retiradas dos livros de Dante. Dona Maria Pia Ravasi ainda trajava o luto de seu marido, Moshe Ben Gurion , o judeu, que também aparecera morto em condições misteriosas. Dizem que fora envenenado pelo sogro, logo após o nascimento de Andréas, o único neto varão de Leonne, para que o velho patriarca pudesse o educar como cristão, e aproveitar-se para livra-se do parentesco com um judeu, o que arruinou sua reputação por algum tempo junto aos magistrados da Igreja, e conseqüentemente arruinando seus negócios. Maria Pia entrava agora na casa dos cinqüenta anos. Seu cabelo, já embranquecido, amarrado em uma trança que lhe alcançava a cintura demonstrava os anos sem corte, dede a morte do marido. Alta e magra, caminhava com o apoio de uma bengala, já sentindo o peso da idade que chegava e a artrite que a acometera desde quando nasceu Andréas. Na juventude desafiara o pai, e contra seu gosto, fugira com Moshe para a Polônia, onde casaram-se, segundo a religião judaica. O velho mandara persegui-los e leva-los presos de volta a Roma, no casarão dos Ravasi, onde ela teve seu filho, Andréas, e perdeu o marido. Andréas jamais soube quem foi seu pai, muito menos que tinha sangue judeu. Para não morrer também, e obcecada pelo poder da família, para vingar o marido, Maria Pia submeteu-se à vontade do pai. Passou o resto de vida, aguardando o dia em que o pai, seguindo o destino dos patriarcas da família, enlouquecesse. Foi, pouco a pouco, tirando de seu caminho seus irmãos, dos quais as mais novas, Caterina e Ana, mandou-as na adolescência para o Carmelo. O irmão casula Pio, já por vontade própria, tornou-se franciscano, e viajou em missão para as Índias. Nunca tiveram notícias suas. Já o mais velho, Inocenzo, desapareceu. Suspeita-se que Maria Pia tenha dado um sumiço em seu irmão, ficando assim como a única herdeira. As três filhas de Inocenzo, ficaram sob a guarda de Maria assim que sua mulher contraiu novo casamento e partiu para a Sicília. Ficara no castelo, como a única herdeira, e com a loucura do pai, e com a mãe idosa e doente, sentira que chegara sua hora. Assumira a sua parte na herança e ficara como tutora das sobrinhas. Metade das terras do irmão franciscano e das irmãs carmelitas fora doadas para a Igreja, e a outra metade, comprada pela própria Maria Pia. Mais tarde, alegando ser vontade do pai não separar as terras, troca com a Igreja por outro lote, comprado por Moshe para Andréas antes dele nascer, e que até então estava abandonado. Finalmente era dona de tudo. Casara suas sobrinhas, e agora estava somente com seu filho Andréas e com os criados. Os filhos de suas sobrinhas, que sempre visitavam eram as únicas pessoas que alegravam a casa. Andréas era um jovem de vinte e sete anos que ainda estava à sombra da mãe. Anêmico, fraco e tímido, fora mimado pela mãe, por ser a única lembrança possível do judeu Moshe, pois a menção de seu nome na casa era severamente castigada por Inocenzo, e pelo avô por ser o único neto varão. Não conhecera o pai, raramente saia dos limites da propriedade da família, e várias vezes o cura da vila fora chamado para lhe dar a extrema unção. Ultimamente estava mais forte, mais ainda conservava em sua fisionomias pálida, realçada pelo cabelo preto e olhos azuis, as marcas da anemia.
Andréas e Maria Pia chegaram a grande porta que dava para o sótão proibido. Maria Pia, retira do busto um molho com três chaves. Uma grande, com o cabo trabalhado, e duas pequenas, simples. Com a mão magra tremula, coloca a chave grande na fechadura da porta e abre. Um rangido seco anuncia que o tão temido sótão fora aberto. Lá dentro somente uma mesa, um lamparina, uma cadeira, e dois baús. Um pequeno, de aço, do tamanho de um livro. E um grande, também de metal. Maria Pia caminha na direção do pequeno, e com uma das chaves pequenas o abre.
- Tome, Andréas. Eis o motivo pelo qual todos nossos antepassados enlouqueceram. Não seja o próximo, meu filho!
- Mama, do que estás falando? Mama, o que pretende fazer?
Maria Pia, com um golpe violento arremessa a cadeira contra a frágil janela, já comida pelo tempo. Seu rosto está desfigurado, somente com a luz que começara a entrar Andréas pode perceber o estado de sua mãe. Seus olhos estão vermelho, de sua boca escorre uma baba constante. Maria Pia enlouquecera.
- Não seja o próximo Andréas, não seja o próximo! Ela olha firmemente nos olhos do filho, como em um momento de lucidez, aproximando-se de costas para a janela. Andréas, paralisado, apenas olha, tentando entender o que faz a mãe.
- Mama, o que está fazendo? Mama, não!
Maria Pia atira-se de pela janela. Mais uma vez a maldição se cumpriu.

CAPITULO II
Brasil, 2000.

- Senhores acadêmicos, a Faculdades Ravasi de Santa Cecília, quer desejar a todos vocês as congratulações de terem vencidos os exames vestibulares, e estarem hoje ingressando nesta nova etapa da vida de vocês, a vida acadêmica! – Ermínia Ravasi, está em êxtase. Todo ano era mesma saudação. Professora de pedagogia aposentada, e bisneta do fundador da Faculdade, Sr. Inocenzo Pio Ravasi, que viera da Itália após a morte de seu pai, Andréas Ravasi, próspero vinicultor, e apostara na Educação na pequena Santa Cecília. Fundara um colégio particular, e entregara aos Franciscanos. O Colégio cresceu, e alguns anos depois, vencendo a concessão aos franciscanos, retoma e obtém a autorização para transformar o antigo Colégio Inocenzo Ravasi, na Faculdade Ravasi de Santa Cecília. Após ficar viúva, apenas cinco anos após o casamento, Ermínia dedicara toda sua vida à educação, e atualmente, já com mais de meio século de vida, à direção da Faculdade. A Faculdade conta com oito curso: Música, Letras, História, Educação Artística, Ciências; Filosofia e Teologia, que permanecem ainda sob a responsabilidade dos Franciscanos e base da formação dos freis do convento de Santa Cecília, e a menina dos olhos de Ermínia, o curso Pedagogia. – gostaria de agradecer também a presença de nosso prefeito, senhor Antony Cesari, do vice-prefeito, senhor Francisco Maia Sobrinho. É uma honra à nossa Faculdade em receber os representantes do poder, estreitando cada vez mais os interesses em comum entre a Faculdade e a Administração Municipal!
- Agradeço a gentileza, senhora diretora, mais à honra é mais minha em participar da solenidade de abertura do ano letivo, que da Faculdade em me receber, pois toda vez que venho aqui, sou como um filho que a casa torno, matando a saudade do tempo que estudei Letras, e que tive o privilégio de ter vossa senhoria como professora, na qual me espelhei no caráter durante o período em que exerci o magistério antes de ingressar na vida pública, e também com muita saudade lembro-me que pertenci à última turma que lecionou nosso grande mestre, senhor Hermínio Ravasi, vosso pai. Aproveito também para cumprimentar todos os nossos munícipes e nossos vizinhos,vem a nossa Santa Cecília para estudarem o curso superior. Sejam bem-vindos! O prefeito falou com tom emotivo, quase teatral, como todo candidato às vésperas da reeleição. Ele sabe que foi o apoio da Família Ravasi, hoje comandada por Ermínia, que sempre fez os prefeito de Santa Cecília.
- Agradeço as palavras de nosso prefeito e ex-aluno, senhor Antony. Lembro-me bem quando o senhor estava entre os calouros, e sempre esperei de vós, assim como meu pai também esperou, que se tornasse um grande cidadão, esperança que não foi em vão. – enquanto Ermínia falava, o prefeito respirava aliviado. Era comum Ermínia atacar seus desafeto políticos em público, como fez durante a visita da Secretária da Educação, que veio propor a estatização da Faculdade. Na ocasião Ermínia respondeu, na frente de todos os alunos que não gostaria de ver todo a luta da família transformada no lixo que se encontra o ensino superior do Estado. Se ela elogiara o prefeito, é porque o apoio estava garantido. – Quero apresentar a vocês nossos professores chefes de departamento, que serão responsáveis por seus respectivos cursos, e todos os problemas deverão ser levados até eles – Ermínia chamou um a um pelo nome, abraçou-os como uma mãe, e os mostrou-os aos alunos. A faculdade sempre buscou manter o estilo família, onde a diretora era a grande mãe. Dava conselhos aos professores mais novos, vistoriava pessoalmente as condições das salas de aula, o cardápio da cantina e até mesmo as condições do banheiro. Em suma, vivia em função da Faculdade. Os professores chefes de departamento, geralmente os mais experientes, formavam o Conselho Administrativo, todos nomeados por Ermínia. Sua irmã, e braço direito, Elza Ravasi, ainda solteira, apesar dos quarenta anos, era soberana no curso de Letras, ganhando a chefia do departamento após apenas três anos de serviço, e sempre apoiava em tudo o a irmã fazia. Frei Norbert Schönborn, um franciscano alemão de quase setenta anos, único a ter os conselhos aceito por Ermínia, seu confessor a mais de trinta anos, era o superior do convento franciscano de Santa Cecília, e chefe vitalício do departamento de Filosofia e Teologia. Porém, dado a sua saúde fraca e compromissos com o convento, há alguns anos, delegara a Frei Orlando Shauts, representá-lo na Filosofia, e a Frei Benedito Loiola, na Teologia. Judite Cesari, a misteriosa professora de Teoria Musical, esposa do prefeito, era chefe do departamento de Música. Mesmo lecionado há duas décadas na Faculdade, e sendo uma das primeiras alunas do curso em Santa Cecília, ninguém, nem mesmo Antony, sabe de onde ela veio, qual sua família e o que veio fazer em Santa Cecília. Sabe-se apenas que ela chegou para estudar, mas acaba por se apaixonar por Francisco, o vice-prefeito, que na época era noviço dos franciscanos, e se olhavam durante os intervalos da aula, quando ela sentava-se no gramado da Faculdade para tocar flauta. Francisco sai do convento, porém, Ângela Ravasi, que vai conseguir arrasta-lo ao altar, depois de um jogo pesado de sedução motivado por descobrir a paixão que seu noivo, Antony, sente por Judite. A Judite restou entregar-se, ninguém sabe porque a um casamento fadado a ruína, com o inveterado Antony, mas que já completa dezenove anos. Ângela e Francisco mudaram-se para Curitiba, mas há oito anos voltaram a Santa Cecília, e por essas ironias do destino, Antony e Francisco entraram juntos na vida política. Primeiro como vereadores, agora como prefeito e vice e apostando na reeleição. Ângela também assumiu chefia de departamento. Formada em Artes Plásticas na Federal do Paraná, ela conseguiu, através da ajuda de Frei Norbert, também artista plástico, convencer a Ermínia a pedir autorização para o curso, que acabou tornado-se um grande sucesso. Tereza Conceição Cunha, uma das três professoras negras da Faculdade, era a chefe do departamento de Pedagogia. Amiga de Elza, e uma das preferidas de Ermínia, também era uma das mais velhas da casa, perdendo apenas para Ermínia e Frei Norbert. O chefe de História era o mais jovem entre os chefes de departamento da Faculdade, com apenas 34 anos, Mestre em História Antiga, Alexandre Pastorius, ao ser interrogado como chegou a chefia de departamento em apenas um ano, respondia que se tempo de serviço fosse importante, o Cairo, e não Nova York, seria o centro financeiro do mundo. O fato é que seu jeito despojado, e suas aulas dinâmicas conquistaram Ermínia. No departamento de Ciências, era o grande problema de Ermínia. Tinha diversos professores , mas nenhum correspondia a sua vontade. Kleber Maderna, um professor quase aposentado, assume apenas para “cumprir tabela”, como dizia Ermínia, mas dentro de apenas dois meses ele estaria aposentado, e nenhum deles estaria à altura, no dizer da diretora, de substituir o físico Frei Alex Mher, que fora transferido para a Casa Central, em Assis. Sua esperança era conhecer a nova professora que fora indicada pela prima Ângela, que a conheceu em Curitiba, e chegaria em dois dias para assumir a vaga do frei.

CAPITULO III

O dia esta tranqüilo quando André com o toque insistente e irritante do telefone. Leva a mão, derruba o telefone, que continua tocar.
- Alô! Que horas são?
- Alô! Obrigado pelo “Oi amor, tudo bem? Obrigado por me acorda para não chegar atrasado no primeiro dia de aula depois de não ter ido com você na vigília para a volta às aulas”.
- Oi Val, desculpe. É que ontem eu fui dormir tarde e não acordei direto ainda! Hei, Valquiria, espere, não desliga... Alô...
- Tu-tu-tu-tu
André termina de acordar, e começa a tentar se arrumar para ir para a Faculdade. Passara a noite inteira com os amigos festejando o último dia de férias, e também aprovação no curso de Ciências. Olha para o telefone e pensa se vale à pena ligar para a namorada agora e perder a hora, ou falar com ela na Faculdade. Se bem que ele já está procurando um motivo para por um fim a este namoro sem sentido que já dura quatro anos. Ele não sente mais a mesma atração que sentia antes. Quer agora se concentrar nas aulas, principalmente Física, sua verdadeira paixão. Valquiria que também prestou vestibular entrou no curso de Letras. Tinha sido aprovada também em Direito, em Jacarezinho, no norte do Paraná, mas preferiu permanecer em Santa Cecília, somente para estudar na mesma Faculdade que ele. André ainda não sabia o que o levara a namorar Valquiria. As diferenças começavam pelas famílias. A família de André era mais desestruturada o possível. Seu pai era alcoólatra, sua mãe o abandonara quando tinha seis anos com a avó. Com quinze anos já trabalhava, e atualmente, já aos vinte anos, com a ajuda da avó, e o dinheiro que conseguiu guardar, mudou-se para a Pensão dos Estudantes, prédio de cinco andares doado pela Faculdade e administrado pelo freis, para cursar Ciências. Sempre teve bom relacionamento com os freis, apesar de seu ateísmo, e gostava de debater filosofia com Frei Orlando Shauts. Valquiria viveu todos seus dezenove anos para o estudo. Sua família sempre foi rica, o que lhe proporcionou um conforto financeiro para estudar sem preocupar-se com nada mais. Ela sempre quis que André aceitasse a proposta de sue pai, para que eles se casassem e assumisse uma parte dos negócios, mas André jamais aceitou, pois só se casaria após a Faculdade, o que dificultou ainda mais a relação de André com o pai de Valquiria. Freqüentadores do Espiritismo, ela e o pai converteram-se ao metodismo depois do suicídio da mãe, que se enforcou após uma sessão no centro. Valquiria jamais entendeu o ateísmo de André, que se tornou motivo de constantes brigas após sua conversão. O que ele mais queria agora era coragem para terminar com Valquira, porem ela sabia que sentiria falta.
Pegou o telefone. Toca, uma, duas, seis vezes. Ele sabe que ela vai atender
- O que você quer? Ser estúpido de novo? – ela estava realmente braba.
- Alô! Val olha, desculpa, mas você sabe que eu não curto esse negócio de religião. Ir a um culto com você de vez em quando, até vai. Mas varar a madrugada orando, e escutando a pastora pregar sobre uma coisa que eu não acredito já é demais!
- Você é um frio e insensível! Poderia pelo menos ter ido me buscar!
- Mas Val, você sabe... Toda vez que chego lá é a mesma coisa. Querem me convencer. Se fossem pelo menos como as conversas que tenho com o Frei Shauts, tudo bem. O cara entende meu ponto de vista, me respeita e simplesmente apresenta o ponto de vista dele como um igual. Mas lá eles querem ser superior, absoluto, como se eu tivesse que abrir a cabeça e eles desejarem o conhecimento lá dentro como se eu fosse um cabeça oca.
- Você não tem jeito André. Vou orar muito para o Senhor te fazer enxergar a verdade.
- Então estou perdoado?
- “Não sete, mais setenta vezes sete...” Fazer o que né seu bobo! Te encontro na aula. Beijão.
Era a ultima coisa que ele queria escutar. Ela o perdoara. E ele não conseguira terminar de novo.
As aulas começaram com uma decepção para André. O professor de Física, Frei Alex Mher, fora transferido para Assis.
- Malditos celibatários! Retiraram a atração do curso de Ciências. Aquele alemão era demais, o cara manjava muito, e ainda vamos ficar sem aula de Física.
- Acho que não – reponde um rapaz que aparentava ter uns 32 anos, o único arrumadinho da turma – Depois de amanhã, termos uma professora nova, que vem de Curitiba. E não blasfeme contra os freis, que você pode acabar ajoelhado no milho.
- Ou arder no fogo do inferno!
Os dois caíram na risada.
- A propósito, eu sou o Benedito, e você?
- André. Você é novo na cidade não?
- Sim, vim do Norte do estado somente para ter aulas com o Frei Mher. Mas acabei gostando da cidade. E você?
- Sou daqui mesmo. Morava na fazenda com minha avó, mas agora estou morando na Pensão. Também está morando lá?
- Não, já passei da idade de morar em pensões de estudante. Sou formado em Educação Física, e vim estudar e aproveito para garantir um dinheiro dando aula à tarde e a noite.
A conversa teve que encerrar por ali. O professor Kleber acabara de entrar na sala para sua aula de Álgebra, e explicou que seriam seus últimos mêses antes da aposentadoria, e queria aproveitar bem suas ultimas aulas. No fim da aula, passou uma bibliografia sobre a matéria, e recomendou que utilizassem o máximo da Biblioteca, pois, graças a Inocenzo Pio e aos Freis, a Biblioteca da Faculdade, um prédio em estilo antigo onde morou Inocenzo Pio e que ficava na quadra de frente à Faculdade, contava com vários manuscritos originais, e dada o seu valor ganhara vida própria, com quase independência da Faculdade e atendia toda a comunidade, mais os livros mais raros estavam reservados exclusivamente aos alunos. André tinha a oportunidade que sempre sonhou, poder andar livremente pela biblioteca e aproveitar-se da coleção de Física organizada pelo professor Frei Mher.
A abertura da Biblioteca para a comunidade aconteceu depois que Tomaso Ravasi, avô de Ermínia, morrera. Ermínio Ravasi já morava na casa onde residem, atualmente Ermínia e Elza, e Ângelo morava na casa da Fazenda. Tomaso que ficara viúvo decidira ficar morando perto da Faculdade para sentir o calor da mocidade. Após a morte do velho, Ermínio e Ângelo decidiram incorporar a casa ao complexo da Faculdade, e transforma-la em biblioteca, e assim preservar proporcionar a casa o calor da mocidade que Tomaso sempre gostara. Inicialmente, os freis faziam a guarda da biblioteca. Quando frei Camilo Sá morreu, há 10 anos, Ermínia, com o consentimento de Frei Norbert Schönborn, apostou na responsabilidade e amor pelos livros da Professora Marina Reuter, de apenas trinta e um anos, que lecionava Literatura Francesa. Não podia ter feito escolha melhor. Marina fez mudanças total que deram fama à organização da biblioteca. Com um sistema de climatização especial, colocou todos os manuscritos originais no andar superior da biblioteca, no qual somente professores da faculdade e alunos, desde que com solicitação por escrito do professor de que seria necessário para a matéria, com hora marcada. No segundo andar, livros para interesse acadêmico e a biblioteca informatizada, com trinta computadores conectados à rede, onde somente professores, da faculdade e das demais escolas de Santa Cecília, e alunos da Faculdade devidamente identificados podiam entrar. No andar térreo, a parte livre ao público e uma sala onde funciona a Secretária Municipal de Educação e a Documentação Escolar Estadual. Marina Reuter tinha uma relação pessoal com a biblioteca. Casada e sem filhos, ela passa o dia todo cuidando dos livros como se fossem seus. Sua assistente, Beatrix, que todos chamavam de Bia, apesar de ter 19 anos, que por ter que trabalhar para ajudar a família parou os estudos por um tempo, e ainda estava no primeiro ano do ensino médio, apesar de ter 19 anos, mas ela a escolhera a dedo, pois era uma menina que tinha interesse pelos livros, e Maria queria molda-la a seu gosta para que possível, fosse sua sucessora na administração da Biblioteca.



CAPITULO IV

- Professora Ermínia Ravasi! Bom dia. Sou a professora Márcia Cristina Gomes, de Física! - Márcia a primeira vista não lembrava nem em sonho uma professora de Física. Alta, cabelo preto cortado bem curto, realçando a pele clara e os olhos negros, o corpo bem esculpido, realçado em um jeans justo e uma blusa que realça-lhe o volume dos seios.
- Oh, sim, sente-se, por favor! – disse Ermínia, analisando-a de alto a baixo - A senhorita que veio substituir meu querido Frei Alex Mher? Disse dando-lhe as costas e reparando uma mancha na cortina
- Quem em dera chegar a tanto, senhora – Márcia ainda estava de pé e procurava encarar Ermínia nos olhos - Jamais alcançaria o professor Frei Mher! Fiquei sabendo que ele foi ensinar em Assis, se não estou enganada?
- Ele foi assumir um cargo como superior e mestre dos noviços, mas para ensinar-lhes Filosofia.
- Uma pena que uma cabeça tão grande, um grande físico, tenha que ensinar Filosofia para um bando de pirralhos! Disse Márcia, enquanto mexia em sua bolsa.
- O que disse, professora Márcia?
- Nada, nada... Só estava pensando alto – Márcia estende uma pasta para Ermínia – Aqui está meu currículo, não tão bom quanto de Alex Mher, mas não tão ruim quanto pareço.
- O que esta dizendo, não se julga um professor pela aparência – Ermínia abre e começa a ler – Graduação em Física na Universidade Federal do Paraná; Pós-Graduação na Puc-Campinas, Mestrado também na Puc-Campinas, Lecionou na Unicamp e Puc... Que a traz a Santa Cecília – pergunta Ermínia, olhando nos olhos de Márcia, - que a encara por alguns minutos.
- Quando se perde alguém de maneira trágica, se busca refugiar-se do passado, não é mesmo?
- Do que está falando? - Agora é Ermínia que está sendo encarada, e visivelmente nervosa.
- Meu marido foi assassinado em Campinas, não sobrou muita coisa. Uma mão, uma perna... Desde aquele dia, Campinas perdeu o sentido para mim. Então a professora Ângela, que conhecia meu marido Da Faculdade de Artes, me contou que teria uma vaga de Física aqui. Então, vim. Preciso ganhar meu pão.
- Tudo bem professora, a vaga é sua. Fará um contrato de um semestre, após será efetivada.

CAPITULO V

Os dias passaram-se como se voassem e aproximava-se o período das provas. A professora Márcia estava mostrando a que veio. Toda a turma estava muito envolvida, e ela estava conseguindo sem maiores problemas substituir Frei Alex Mher. André estava completamente absorvido pelo curso. Quase não via Valquiria durante a semana, mas já nem se importava mais em terminar o namoro. Estava, com a distancia, aprendendo a gosta dela novamente. Só precisava de um tempo. Valquiria também estava totalmente envolvida com o curso e começava a relaxar um pouco os compromissos com a Igreja Metodista, e com o contato com acadêmicos de todos os tipos, começou a ser mais tolerante com o ateísmo do namorado. Benedito ainda não se encontrara. Dava aulas à tarde e à noite, mas seu jeito fechado como os demais professores acabaram por isola-lo. Na Faculdade o único amigo era André, que passavam horas e horas falando sobre física. André descobriu que Benedito também era ateu, mas quando era adolescente freqüentou a Congregação Cristã, obrigado pela mãe. Aos vinte fugiu de casa para estudar, e nunca mais voltou. Morou em Jacarezinho, onde estudou Educação Física, mas onde nasceu, e o que fez antes de vir para Santa Cecília, jamais revelou, e toda vez que André tocava no assunto, desconversava. Valquiria desde o primeiro dia em que o viu, não gostou dele. Vivia implicando com André, dizendo que ele não era boa companhia, que era muito esquisito, mas com o tempo foi o tolerando, pois toda vez que falava mal dele, era razão para brigar com André. Dizia que Benedito escondia alguma coisa no passado.

CAPITULO VI

- Professora Márcia posso falar com a senhora?
- Senhora André? Desde quando se chama uma pessoa quase da sua idade de senhora? Me ofende assim garoto, acha que sou tão velha assim? Márcia olhou bem nos olhos de André, e deu um sorriso que quase o desmontou. Ele ficou vermelho e abaixou a cabeça. – O que foi garoto? Fala, o que ia me pedir?
- Bem, é, eu, queria que a senho... Você me desse uma permissão daquelas que é necessário para entrar no, no... andar restrito da Biblioteca. Seria possível?
- Depende? O que você pretende fazer no andar restrito sem que seja necessário? Nenhum aluno pediu permissão ainda para aquele andar este ano, e não quero enfrentar problemas com a poderosa Senhora Reuter!
- Bem professora, é que a parte mais importante da coleção de física do Frei Mher está lá, e todo mundo diz que é uma das melhores já reunidas...
- Tá bem, ! Mas olhe lá hein. Não vá me arrumar problemas. Já lhe disse, nada de problemas com Marina Reuter. Ela tem poder de fogo para desabonar qualquer um com a Ermínia, e não quero confusão. E se me chamar de senhora de novo, nuca mais lhe dou esta solicitação.
André conseguira. Iria poder verificar o que fez a fama dos livros de Alex Mher. Passar pela portaria não fora tão simples. Apresentara a solicitação da professora Márcia, mas esquecera da carteirinha de estudante e comprovante de pagamento da mensalidade. Para surpresa de Bia, em quase quinze minutos já estava de volta. Bia o acompanha até o segundo andar, e reservadamente apresenta a Marina a solicitação.
- O que você quer exatamente rapaz? Pergunta Marina com voz grave e autoritária, mas o mesmo tempo em um tom baixo, que ela se acostumou a falar nos seus dez anos de Biblioteca.
- Bem, é que a professora Márcia nos deu um trabalho, e ainda não encontrei alguma novidade nos livros, e ela sugeriu os livros do Frei Mher. André já estava quase tremendo. Tinha vontade de sair correndo, tal era a frieza da expressão de Marina Reuter sobre ele, como se dissesse “eu sei que você está mentindo”.
Mas ao contrário, Marina leu mais uma vez a solicitação, olhou friamente para André, e disse:
- É por aqui!
O coração de André quase saiu pela boca de alegria, foi seguindo Marina pelos corredores da antiga casa, onde cada sala ou quarto tornara-se uma seção de livros, dos mais variados assuntos.
- Realmente os freis fizeram um bom trabalho! - Comentou André com ar de bobo para quebrar o gelo.
- E é por isso que eu estou aqui, para proteger esse trabalho. - Respondeu secamente a bibliotecária, demonstrando que ali não era lugar para conversa.
Continuaram a andar, chegando até uma saleta, utilizada para uns volumes novos de artes. Podia-se sentir o cheiro do livro recém adquirido, que ainda não fora sequer manuseado. Distraiu-se um pouco, quando uma voz o chamou do meio das estantes.
- Pela sua carinha de assustado não veio ver artes, não é mesmo meu rapaz. Aposto que está inaugurando a seção restrita não? - André já conseguira distinguir de quem era a voz: Ângela Ravasi Maia, que naquele momento verificava a nova aquisição para o departamento de Artes, livros com a reprodução de quadros dos renascentistas, barroco e impressionista. Estava radiante, como uma criança que ganha um brinquedo novo. – Viu que gracinha minhas novas crianças, benzinho. Pena que a Marina fica como um cão de guarda em cima e nem deixa eu levar para casa ainda.
- É Ângela, sou mesmo um cão de guarda, se não metade dessa obra já estaria na sua casa, né?
- Viu como ela é chata. Quem é você, garoto?
- Sou o André, estudo Ciências, e estou indo fazer uma pesquisa para a professora Márcia, de Física.
- Há, a Márcia já chegou matando. Bonita ela né. Vocês conseguem assistir aula ou ficam olhando para as pernas delas? - Ângela falou já quase gargalhando com a cara de vergonha de André, mas suas gargalhadas foram interrompidas com uma pequena bronca.
- Devia ter vergonha de portar-se assim Professora Ângela, ainda mais com o sobrenome Ravasi. Quer arruinar a reputação de nossa família? - Ermínia com o semblante sério estava acompanhada de Elza sua irmã, e da Chefa do Núcleo de Educação, Sandra Pereira Silva, uma jovem negra, que começou a trabalhar como servente no Ginásio Estadual, formou-se, e aos 32 anos, já era atingia a Chefia.
- Credo Ermínia, que cara é essa, aconteceu alguma coisa...
- Aconteceu Ângela. Recebi uma denuncia grave sobre um professor... – Ermínia para de repente, e fita André - Quem é você rapaz? O que faz aqui?
- Ele é aluno de Ciências e veio fazer uma pesquisa para a professora Márcia. – Marina intervém, prontamente, sentindo como se seu autoridade na Biblioteca fosse questionada por Ermínia. Se ele estava ali, é porque ela tinha autorizado. – Vai fazer uma pesquisa nos livros antigos.
- Sim, então suba logo. Marina, quero que você e a Ângela me acompanhem, pois a denuncia que fizera é muito séria.
- Mas, Ermínia, se é um professor da Faculdade não me diz respeito, não é? – Ângela não parecia nem um pouco preocupada com o assunto, e estava envolvida ainda com seus livros.
- Quem disse que era professora da minha Faculdade. Um professor das crianças de Santa Cecília foi acusado de ser maníaco sexual... – Ermínia já estava alterada, e Ângela deixou cair o livro que estava em suas mãos. – e você rapaz – disse severamente para André – não ouviu nada, suba e faça sua pesquisa.
Marina Reuter, visivelmente contrariada a intromissão da diretora no comando da Biblioteca, abre a porta que dá acesso ao andar superior.
- Os livros de Física estão nos estantes 03 a 07, mas tome cuidado. Estes livros são raridades, e não podem ser pagos. Pesquise tudo o que quiser ai mesmo, pois eles não são emprestáveis. Quando terminar, interfone para a recepção, que a Bia vem abrir a porta.
André sentiu o ar frio do andar climatizado gelar-lhe o rosto. Viu quando Marina fechou a porta e seguiu as outras. Sentiu-se sozinho. Foi subindo as escadas, quando defrontou-se com uma enorme sala sem divisórias como era os andares de baixo, repleta de armários numerados em ordem, como era esperado. Dirigiu-se para o armário de numero três, olhou longamente os nomes, autores, distraindo-se por alguns minutos. Começava a entender o porque de tanto segredo, tanta rigorosidade naquela coleção. Começou a andar entre os armários, olhando os títulos, quase todos em latim, grego, inglês antigo, árabe. Títulos em português do começo do século XIX, títulos atuais, mas raros, enfim, uma verdadeira coleção de obras de arte. Envolto em tantos volumes, começa a andar, olhando os titulo enfileirado nas prateleiras negras, como soldados que protegem o saber, começa a perceber o tamanho da sala em que esta. Ela ocupa todo o terceiro andar do prédio, em uma peça única, ainda guarda as marca da decoração sombria e fria do século passado. Mais uma coisa começou a chamar-lhe a atenção. Uma porta sem fechadura incrustada na parede, que aparentemente não dava a lugar nenhum, estava semi-encoberta por um armário com livros de teologia dos antigos donos da biblioteca. Ao lado dele um grande baú, que estava pregado ao solo, e aparentemente não era aberto há muitos anos. Sem saber porque, ficou admirando o baú, como se uma força o atraísse para aquela peça. Começou analisar o baú. Devia ter pelo menos uns cem anos, era de madeira maciça, entalhado com figuras de animais: dois leões com as patas dianteiras elevadas como se estivessem lutando, uma águia carregando uma cobra no bico e uma rosa no meio dos três animais. A rosa era pintada de uma tinta branca, mas mostrava marcas do desgaste do tempo, e em seu miolo ficava o buraco da fechadura. O resto do baú era entalhado em baixo relevo com figuras disformes, que lembravam ramos de roseira. André mediu-o e encontrou a medida de cinco palmos de altura por sete de comprimento. Era realmente uma bela peça. Tentou abri-lo, mas percebeu que estava trancado. Agora já tinha esquecido completamente o motivo da visita ao prédio; estava completamente por aquela peça de madeira. Ficou por algumas horas ali, sentado no chão, tentando descobrir como abrir aquele baú, e mais, imaginado o que poderia ele conter. Sua imaginação rolou a mil. Quanto mais pensava, mais atiçava sua curiosidade em saber o que aquele baú continha. De repente, fora despertado de seu êxtase por uma mão em seu ombro.
- Sr. André, já estamos fechando, o senhor não gostaria de dormir aqui, ou gostaria?
A pergunta ecoou longe, fazendo André perceber o quanto estiver distante nestas ultimas horas. Virou-se para descobrir que o chamara, e deparou-se com a novata Bia, que tinha encontrado quando entrara ali. Pode reparar que, apesar da pouca idade, Bia aparentava ser mais velha que ele. Baixa, magrinha e com o cabelo preto cortado a chanel, copiando o modelo da ruiva Marina Reuter. Usava uma camiseta com o emblema da biblioteca e calça jeans, roupa que adotara como uniforme, por não ter outra opção; guaradva todo o dinheiro para ajudar a terminar de construir a casa onde morava com sua mãe e seus irmãos. Acostumada desde cedo ao trabalho pesado, pois perdera o pai para o alcoolismo, Bia sustentara a casa desde então. Trabalhou para Marina de doméstica, e com o apoio desta voltara a estudar. Por seu jeito compenetrado, sério e organizado, Beatrix conquistou a confiança de Marina, que a transferiu para a limpeza da Biblioteca, dando a ela o acesso ao andar restrito do prédio. Em pouco menos de um ano, ela já era a assistente direta de Marina na administração da Biblioteca.
- Desculpe-me, mas não pensei que se passara tanto tempo. – André olha para o relógio e se espanta que conseguira ficar tanto parado olhando para aquele baú antigo.
Bia parece compreender André. Fica olhando por alguns instantes para o baú e depois, fala com um sorriso para André:
- Ele é realmente atraente. Já fiquei tardes inteiras olhando para ele, pensado o que pode estar guardando. Nem a dona Marina sabe. Ela diz que isto é coisa do avô da professora Ermínia. Parece que o velho tinha parte com o coisa-ruim. O tal do Sr. Tomaso nunca se entendeu com os freis. Esta sala era o único lugar que ele ficava durante os seus últimos dias. Ninguém o via. Dizem que quando estava morto, no caixão, estava quase um esqueleto, de tão magro, o coitado. Toda vez que dona Ermínia vem aqui, ela jamais encosta neste baú, nem sequer olha. Nunca comentou nada, e a única vez que a Marina perguntou o que havia nele, ela a proibiu de tocar no assunto. Eu tenho medo deste lugar... – Bia já se afastara do baú e evitava olha-lo. – Venha senhor André. Já tenho que fechar a biblioteca. A Marina vai ficar até mais tarde em reunião com a professora Ermínia, com a Ângela e com a Sandra e a professora Lia, a diretora do ginásio.
- Mas o que aconteceu?
- Parece que tem uma fofoca de um professor do ginásio. Coisa de pedofi...- Bia coloca a mão sobre a boca, com cara de quem falou que não devia e não tinha como voltar atrás.
- Você está dizendo que tem um professor pedófilo no ginásio, aqui em Santa Cecília? Os nossos professores? Tem alguma coisa errada nisso? - André parece chocado com a noticia. Santa Cecília jamais teve um caso sequer deste com professores, e seus professores sempre foram muito firmes com os alunos, mantendo uma tradição de moral e disciplina que fazia fama.
- Bem, quer dizer... Não é bem assim, parece que tem um professor que veio de fora, e... Ah esquece isso. Vamos logo que tenho que ir na casa da Marina entregar a chave.
André saiu da biblioteca com aquilo na cabeça. Nos últimos anos, o único professor novo que se mudou para Santa Cecília fora Benedito, e ele jamais poderia aceitar que Benedito fosse um pedófilo. Era um cara normal, aplicado, sério. Pesava contra ele o fato de ser ateu, o que para as professora mais antigas era inadmissível, um professor sem moral cristã, como elas diziam, era o fim do mundo, e também ser tão fechado, quase sem amigos. Na faculdade o evitavam, dos professores aos alunos, com exceção de André, por acha-lo estranho. André chegou no seu quarto com aquilo quente na cabeça. Entrou no banho, pensando em procurar o amigo, mas estava tão cansado que, ao sair do banho, nem ao menos se trocou, e já caiu na cama, entregando-se ao sono. Tivera um sono pesado, e sonhara que estava novamente na biblioteca, mas o salão restrito estava vazio, somente com o baú. André aproximou-se dele e o abriu. Encontrou um esqueleto coberto de pele, que aos poucos foi tomando a forma de Benedito, gritando que era inocente. André acordara com o despertado, já quase na hora de ir para a aula. Estava assustado e havia transpirado tanto durante o sono que seu lençol estava ensopado.
Durante aquela semana Benedito não apareceu na Faculdade. Todos comentavam o caso de pedofilia. Mais nada havia de concreto. Apenas uma denuncia anônima, dizendo que o professor Benedito era um pedófilo fugido de sua cidade, acusado de manter uma relação com uma criança de doze anos. Especulava-se se era menina ou menino. Na aula, o professor proibira de comentar no assunto. O mesmo fizera Ermínia, dizendo que não havia provas, e que não podiam denegrir a imagem de um aluno da Faculdade e de um professor.
Passaram-se vários dias, e já se esquecia o fato. Porém Benedito estava sumido desde então. Não atendia telefone, sua casa estava fechada e não se observavam movimentos. André o procurara algumas vezes, mas como nada encontrou, pensou que ele estava viajando, para esquecer o fato. Estava agora novamente com sua atenção voltada para o baú. Sua situação com Valquiria estava estável, isto é, via-a com certa freqüência. Visitava-a nos fins de semana, e quando dava, se encontravam na Faculdade. Com a ajuda da professora Márcia, André, freqüentemente estava no andar proibido da biblioteca para visitar o baú. Certo dia estava sentado, observando como estava preso ao solo, quando percebeu que no assoalho, bem perto do baú, tinha uma fenda, quase imperceptível, já encoberta pela cera que dava o brilho no lugar por dezenas de anos. Pegou sua lapiseira, que trazia no bolso da jaqueta, junto com a caneta e documento, e com a ponta começou a esfregar na fenda que começava a revelar uma pequena placa solta no assoalho, do tamanho de uma caixa de cigarros. André começou a esfregar com mais força, e quase quebrando a ponta metálica de sua lapiseira, arrancou a pequena placa, e ao ver o que escondia, quase gritou de alegria. Uma pequena chave, com o cabo esculpido em forma de cabeça de leão, quase toda tomada pela ferrugem do tempo. André conseguiu refazer-se da euforia inicial, e começara a pensar no que fazer agora. Aproxima-se do baú. Sente seu coração querendo sair do peito de alegria, como a criança que ganha um brinquedo novo. Coloca a chave no miolo da rosa, dá duas voltas, e escuta o barulho das trancas se soltando dentro do baú. Conseguira, seu objeto de desejo finalmente estava próximo de suas mãos. Era uma outra caixa, mas de metal, com os mesmos desenhos, os leões e a águia com a cobra, e a rosa, num alto relevo. Preso a ele por um corrente, uma pequena chave. André já tinha avançado demais, ele sabia. Estava nervoso, e o suor escorria pelo rosto, embora estivesse num ambiente frio. Mas decidiu ir até o fim. Com as mãos tremulas, pego a pequena chave e colocou na fechadura da pequena caixa de metal. Um livro, com capa de couro, e folhas amareladas pelo tempo, pouco menor que a caixa era o único conteúdo. André não tivera coragem de abrir o livro. Poderia danifica-lo. Mas não conseguia parar de pensar no que deveria ser aquilo. Um baú antigo, com a chave escondida em um piso falso, com uma pequena caixa de metal com um livro dentro, que ninguém pode falar. Não fazia sentido. Mas André decide fazer a loucura que poderia comprometer sua vida. Pegou o seu cinto e com ele amarra o livro envolta de seu corpo, e que seria facilmente disfarçado por sua jaqueta. Fecha a pequena caixa de metal e a coloca novamente no baú.Recoloca a chave do baú no lugar. Limpa o suor, e fica andando entre os armários para distrair-se um pouco, e ficar menos nervoso. Finalmente, ciente da loucura que acaba de fazer, decide que esta na hora de ir. Já deu sorte demais por hoje. Bia e Marina poderiam ter chegado a qualquer momento e ele poderia a esta hora estar indo para a cadeia. Mas ainda teria de passar pela portaria. Respira fundo, e interfona para que Bia venha abrir a porta. Ninguém atende, e ele ouve passos vindo pela escada. André vê a porta abrir-se e depara-se com Bia e com a professora Márcia.
- Parece que os livros do Frei Mher têm açúcar. Você não sai mais daqui. – Márcia disse sorrindo para André, demonstrando que estava feliz por ter um aluno tão aplicado – Quero ver todo esse conhecimento sendo aplicado na sala de aula.
- É, realmente, o livro, quer dizer, os livros me fascinaram bastante. – André já estava nervoso. Já não pensava mais em nada.
- Fascinam tanto professora, que tiver até que vir busca-lo outro dia, de tanto que estudava... – Bia mal disfarçava o riso, e olhava como cúmplice para André, sabendo que sua verdadeira obsessão tornara-se o baú. - Ah, ia me esquecendo, um amigo seu, aquele professor dos boatos veio te procurar.
- O Bendito? Ele esteve aqui?
- Sim, disse que passa na tu casa depois. Queria te falar, mas disse que não queria te incomodar nos estudos, e como não podia subir... - Bia ainda nem pode falar e André já saiu correndo pelas escadas. Benedito estava há dias sem dar noticia. Ele queria saber o que realmente aconteceu. Bia tentou chamá-lo, mas o hábito adquirido com Marina, de nunca gritar na Biblioteca falou mais forte. Ela achava que André fosse incapaz de roubar algum livro, e, além disso, ele não estava com nenhuma bolsa. Era improvável que fizesse algo assim. Deixou a professora Márcia fazendo suas pesquisas e foi cuidar de suas tarefas.
Quando chegou a portaria, André encontrou a professora Ângela e a professora Ermínia, que lhe perguntaram se ele sabia da Marina ou da Bia. Apressado ele disse que não viu a dona Mariana, e que a Bia estava no terceiro andar, deu as costas para elas e apressou a sair da biblioteca, enquanto ouvia os passos delas pelas escadas.
André já sentia-se incomodado com o peso do livro. Sem ter tempo de ir para casa, pois queria passar pela casa de Benedito antes, passou em uma livraria e comprou uma mochila barata, mas com grande espaço. Não seria inútil, já que precisava mesmo de uma. Entrou em um banheiro, e desamarrou o livro do corpo e colocou na mochila, colocou juntos os documentos e coisa que guardava no bolso. Já estava a caminho da faculdade quando foi abordado por um carro.
- André, estava te procurando, posso falar com você? – André reconheceu a voz de Benedito, que parecia nervoso e triste.
- Cara, onde você se enfiou estes dias todos. Estávamos todos preocupados. Que aconteceu?
- Entra no carro, que a gente pode conversar melhor, mas não aqui no centro. Não quero ser visto por enquanto por muitas pessoas.
André entrou no carro. Os vidros escuros garantiriam um pouco de privacidade, rodaram pela cidade, em silêncio. Até que Benedito resolveu quebrar o gelo:
- Por que ela fez isto comigo?- falou com uma certa mágoa
- Ela? Ela quem? Quem fez o que?
- Sua namorada André, a Valquiria.
- A Val? O que ela te fez? Eu não estou entendendo mais nada.
Benedito acende um cigarro. Esta tremendo, quase não consegue falar:
- André, o que você faria se soubesse que sou gay?
- Gay? Você? Mas o que isso tem a ver com a conversa?
- Eu morava em uma cidade do interior, pequena, zona rural. Meu pai me expulsou de lá. Fui para Jacarezinho e estudei. Tentei voltar para minha cidade já formado, quando o velho morreu, mas minha irmã, que era diretora da escola jamais me aceitou na escola. Foi quando resolvi ir para São Paulo trabalhar em academias. De São Paulo fui para Minas dar aulas, mas uma aluna começou a dar encima de mim. Como disse para ela o que realmente era, ela inventou que eu estava assediando os garotos. Ficou provado que tudo era mentira, mas o clima era insuportável. Vim para Santa Cecília, tentar refazer minha vida, mas...
- Mas o que? - André já estava nervoso e já falava alto com Benedito. – e o que a Val tem a ver com tudo isso?
- Essa garota de Minas é prima da Valquiria. A Valquiria já sabia de tudo. Sua prima entrou em depressão depois do acontecido e teve que ser internada. A cidade toda zombava dela ter se apaixonado por um gay, já que o escândalo foi parar no fórum, correu processo, e os alunos negavam que eu os assediava. Eles nem sabiam que eu era... Acabou cometendo suicídio. Quando cheguei aqui, e comecei a falar com você, a Valquiria venho falar para eu sumir da cidade. Eu disse a ela que eu só queria refazer minha vida. Não queria problemas com ninguém. Mas ela disse que ia se vingar pela sua prima se eu não sumisse da cidade e nunca mais falasse com você. E inventou toda aquela história de pedofilia. A professora Lia, me chamou para uma reunião com aquela mulherada, a dona Ermínia, a Marina, a Sandra e a Ângela, mais os professores da escola. Contei toda a história para eles. Mas eles disseram que seria melhor eu para de dar aulas aqui. Estou desempregado, sem moral e sem saber o que fazer. – Benedito começou a chorar baixo, estava realmente desesperado. André sem saber o que fazer coloca a mão em seu ombro, abraçando-o, tentando acalma-lo, até que batidas no vidro do carro os chama:
- Era que eu estava esperando para ver, seu sem vergonha. Eu passei quatro anos da minha vida sendo fiel e você me trai com uma...
- Não se atreva a dizer nada Valquiria, você não sabe o que esta dizendo.
- Eu não estou pensado nada André. Eu simplesmente vi, você abrando este veado.
- Cala a boca Valquiria. Já não basta ter acabado com a vida dele. Ter feito ele perder o emprego e o nome aqui em Santa Cecília. O que mais que você quer?
- Quero que ele morra. Assim como ele fez com minha prima.
Valquiria já estava gritando. André desce do carro para tentar conversar com ela, e nem percebe que sua mochila, que estava em seu colo cai.
- Valquiria vamos conversar, você esta nervosa, mas não tem nada. O Benedito somente estava nervoso. Eu...
- É, e ai você resolveu consola-lo com seus abraços. Como pude ser tão idiota e não perceber...
- Olha Valquiria, quer saber, eu já estou de saco cheio desse namoro, de você, da sua família viver querendo controlar minha vida. Acabou, Valquiria, acabou. Não suportaria viver com uma pessoa sem escrúpulos com você. Nunca mais quero olhar na sua cara. Benedito me dá uma corona até em casa. - André já não estava consciente do que falava. E nem notou a mochila, com o precioso livro que estava ali no chão. Estava para entrar no carro, quando ainda ouviu Valquiria gritar:
- André, se você entrar nesse carro, eu te mato, esta me ouvindo, eu mato vocês dois.
André entrou no carro sem prestar atenção em Valquiria, que continuava gritando que ia matar os dois. Bendito tocou o carro, e André pediu que o levasse para casa. Não falaram nada. Benedito ainda estava chorando.
Valquiria ficou transtornada. André o abandonara por culpa de Benedito. Ela jamais o perdoaria. Pela primeira vez odiou André, e sentia o desejo de vê-lo morto, junto com Benedito. A lembrança da prima que cometeu suicídio veio a sua cabeça, e ela prometeu vingança. Começava chover, e já estava escurecendo, quando Valquiria notou algo no chão. A mochila de André. Pegou-a e saiu correndo, para se proteger da chuva que ameaçava engrossar. Sabia que André a procuraria para buscar aquilo.
Quando chegaram na casa de André, ele perguntou se Benedito queria entrar, ma ele disse que não, pois precisava arrumara as coisas para ir embora e estava chovendo muito. André estava descendo do carro, quando procurou sua mochila.
- Benedito, onde esta a mochila que eu estava carregando? Estava aqui no carro?
- Deve ter caído do seu colo quando você desceu para conversar com ela.
- Preciso voltar lá, aquela mochila não pode sumir, de jeito nenhum.
Voltaram para o local onde encontraram Valquiria. André e Benedito procuram por cada canto. Nada.
- A Valquiria deve ter encontrado. Amanhã você procura melhor, André. Você já está encharcado. Pode ficar doente. Vamos?
- Mas Benedito, você não entende, não posso perder aquele livro...

- Que livro? Não estava procurando a mochila?
- É, mas tem um livro antigo, bem antigo que eu... Peguei emprestado na biblioteca. A Marina vai me matar se eu não devolver.
- Mas vamos. Amanhã a mochila aparece.
André se conforma em esperar. Agora já estava tudo perdido mesmo. Se o livro tivesse tomado chuva, adeus. Se alguém o encontrou, e junto, seus documentos, estava perdido da mesma forma. Se a mochila ficasse perdida e com ela o livro, ele seria esquecido, pois como a Bia disse, ninguém, há muito tempo abria o baú. Jamais saberiam de seu crime.
Bendito o deixou em casa. Subiu as escadas ouvindo o barulho da chuva. Começou a se perguntar porque escolher um quarto no sétimo andar, o último, se o elevador estava estragado. Estava mais calmo, mais tinha noção das burradas que fez em um só dia. Roubara um livro antigo da Biblioteca e o perdera. Fora flagrado por sua namorada abraçado a um homossexual. E terminara o namoro. Já estava esperando o que Valquiria iria armar para ele. Mas uma coisa não saia de sua cabeça. Os gritos de Valquiria de que iria mata-los. Jamais passara por sua cabeça que Valquiria fosse capaz de algo assim. O que queira agora era tomar um bom banho, dormir e esperar pelo que iria vir a seguir.
A chuva tinha aumentado, e os relâmpagos iluminavam a noite escura. Tirou a jaqueta molhada e dependurou-a na cadeira, pegou sua toalha e estava se dirigindo para o banho, quando acaba a luz. André joga-se no sofá, desanimado e sem vontade de tomar banho gelado. Procura uma vela na gaveta do criado-mudo, guiando-se pelas luzes dos relâmpagos, quando ouve alguém bater a porta. André ascende à vela esse dirige para a porta, tenta olha pelo olho-mágico, mas está escuro. André pergunta que em é. Não reponde. Ele abre uma fresta da porta, e ilumina o rosto do desconhecido com a luz da vela.
- Você? Que surpresa? Não imaginava que viesse a minha casa? O quer a uma hora dessa. Entra, você esta pingando – André dirige-se para o sofá para pegar a toalha, e inclina-se no chão. – eu ia tomar banho, as acabou a luz. Tome, seque-se, vai ficar doente.
Sem que André pudesse se virar, um forte golpe com a cadeira o derruba...

CAPITULO VII


- Valquiria, acorde, vamos? O que você fez, filha? A policia esta aqui.
- Policia? Que policia pai? Do que o senhor está falando. – Valquiria acorda assustada. Chegou a noite em casa toda molhada da chuva, e chorando. Ainda não tivera tempo de refletir sobre o que aconteceu na noite anterior.
- O Detetive Adelmo e mais dois policiais querem falar com você. É sobre seu namorado.
- Que? Sobre o André? O que tem ele?
- Parece que uma pessoa ouviu você dizendo que ia matar ele...
- Sim, mas e daí...
- Ele está morto! - Seu pai senta na cama e olha para a filha, com olho de decepção. – Filha, você tem algo a ver com isto? Fale a verdade.
- Pai, o senhor acha que eu seria capaz de matar alguém, acha?
- Bem, não filha. Mas a polícia tem testemunha dizendo que você ameaçou ele e um amigo, e logo após ele foi assassinado. Vai ter que ir a delegacia para prestar depoimento. O Dr. Mário, nosso advogado, já está se dirigindo para lá. Troque-se e vamos. –
Seu pai já falava como uma ordem. Valquiria senta-se na cama para por os pensamentos em ordem. Tentou chorar, mas não conseguiu. Não conseguia estar triste. Primeiro teve que esconder aquela mochila. Podia achar que ela o roubou, e usar como proa contra ela. Abre-a para ver o que há nela. Encontra o livro, canetas e documentos de André. Coloca a mochila embaixo do colchão, os documentos no fundo de sua gaveta de calcinhas e o livro ela esconde em uma sacola de loja, que tem umas peças que ela tem que trocar. Depois ela vai dar um jeito de sumir com isso.
Seu pai pediu ao detetive que ela pudesse ir no carro dele, e os policiais concordaram. A vizinhança inteira se aglomerava na rua para entender o que estava acontecendo, viram a policia sair e logo atrás o carro do pai de Valquiria com ela. Na delegacia o advogado já estava esperando. Entrou junto com ela na sala do delegado Guilherme Pádua, que já a esperava para o depoimento.
- Bom dia garota. Sei que deve estar triste pela morte de seu namorado, mais temos que esclarecer algumas coisas. - O delegado olhava fundo nos olhos que Valquiria, tentando encontrar algum medo, ou fuga, mas Valquiria estava calma e tranqüila.
- Ele não era mais meu namorado! – disse Valquiria em tom firme – Ele terminou nosso namoro ontem à noite.
- Então o rapaz, procura a namora, termina o namoro e ela o ameaça de morte. Horas depois ele é atacado com um golpe de cadeira e atirado pela janela. Todo o apartamento é revirado...
- Como sabem que foi assim. Ele poderia ter se jogado da janela. – Valquiria já estava ficando nervosa.
- Por que ele se mataria? - Guilherme ouve com satisfação. Começava a arrancar algo da menina – Era jovem, estudioso, tinha uma namorada bonita, seus tempos de crise familiares já tinham passado. Ou você sabe de alguma coisa? Algum segredo? Ou acha que ele se mataria por causa do fim do relacionamento?
- Não! Quer dizer. Antes de ele morrer, nós brigamos, mas foi ele que terminou. Mas eu o vi abraçado com um amigo...
- E alguém se mata porque a namorada o viu abraçado com um amigo?
- Com amigo gay, talvez. André era muito vaidoso com sua imagem. Sobre o que iam penar sobre ele, se soubessem que terminamos por causa do Benedito.
- Ah, agora começou a clarear, o amigo era o Benedito, aquele que a senhorita denunciou como pedófilo e que ficou esclarecido que era tudo uma farsa... - Guilherme estava fazendo Valquiria entrar em seu jogo. Se ela não o matou, que Guilherme começa a achar que era o mais provável, sabia muito bem quem foi.
- Ele mesmo. Não aceitava que ele estivesse livre depois do que fez com minha prima. E agora estava dando encima do meu namorado. Jamais aceitaria isto... – Valquiria começa a chorar, mas ainda continua falando – sabia que ele esteve sumido, e que o André estava preocupado com ele. Vi quando o André entrou no carro dele, depois de sair da Biblioteca e os segui. Então eu os vi se abraçando. Fiquei cega de raiva, e parti para cima do André. O bicha ficou no carro, enquanto eu e o André brigávamos. O André disse que não gostava mais de mim. Depois do Benedito ter enchido a cabeça dele contra mim, eu sei. Me acusou te ter destruído a vida dele, mas e o que aquele veado fez cm a vida de minha prima... – Valquiria para um pouco, está ofegante. –Não matei o André. Ele foi com o Benedito de carro para casa, e eu fui na chuva a pé. Ameacei sim, mas não matei o André. Se tem alguém que vocês tem que investigar é o Benedito. - Valquiria começa a chorar, um choro forçado, que quase não saia lágrimas.
- Tudo bem menina – Guilherme já esta satisfeita com o depoimento. – já pode ir, mas não deixe a cidade, a qualquer momento iremos precisar te ouvir de novo.
Valquiria sai e Guilherme manda perguntar se encontraram Benedito. O policial responde que ele está no velório de André, e esta sem condições de falar. Ela pede que o vigiem, e que assim que passar o enterro quer vê-lo sem falta. Valquiria vai para casa, e não tem coragem de ir ao velório de André. Passa a noite em casa, até que decide olhar que livro era aquele que André esta carregando. Pega sacola da loja onde ia trocar as peças, tira o livro. Ele era de couro, com uma correia fechado-o. Abre a correria, e começa a folhear o livro. As folhas estão quase coladas umas nas outras, e ela vai abrindo-as com todo cuidado, tentando entender o que está escrito. Era latim. Tenta ler um pouco, e percebe se tratar de um livro de vida de santos. Só consegue entender isto. O livro não tem o carimbo da Biblioteca, e nem a ficha de empréstimos atrás. Ela julga tratar-se de um livro da coleção antiga da Biblioteca, mas se estranha, pois eles não são emprestados jamais. André devia ter roubado o livro, pensa ela. Coloca o livro novamente na sacola. Era sexta-feira. No sábado cedo seria o enterro de André. Não teria coragem de ir. Ficou na cama, até que adormeceu. Ficou todo o fim de semana trancada em casa. No domingo, o advogado veio conversar com ela, e disse que o Benedito também prestou depoimento. Disse que queira ir embora, mas o delegado o impediu, e recomendou que ele não deixasse a cidade. Mas que a suspeita maior era sobre ela. Bendito confirmou que ela os ameaçou de morte, e que antes de entrar em casa, André pediu para voltarem que tinha perdido uma mochila com um livro, e ele achava que Valquiria tinha pegado a mochila. Valquiria reconfirmou para o advogado tudo o que disse para o delegado, mas omitiu que realmente pegou a mochila de André.
- Bom Valquiria, não encontraram nenhuma pista. Parece que o assassino estava usando luvas, não deixou digitais. A cadeira estava torta, e as marcas nas costa de André indicam que ele estava abaixado, e que o golpe foi muito violento. Com muita força. Mas o motivo da morte foi à queda de sete andares. Seu apartamento foi revirado, como se estivessem procurando algo. O assassino aproveitou-se da noite de chuva, e desligou a luz do prédio. Todos pensaram que fosse uma falta de luz normal no dia de chuva. É melhor você evitar sair muito. E esteja sempre com o celular ligado caso eu precise falar com você.
Na segunda não teve aula. A professora Ermínia dispensou os alunos, dizendo que lamentava muito terem perdido de maneira tão trágica um de seus alunos que estavam iniciando sua vida acadêmica. Beatrix e a professora Márcia, ambas muito tristes, tiveram que prestar depoimentos. Beatrix disse que ele quase todo dia ia fazer pesquisas na biblioteca, e a professora Márcia contou que apenas dava as solicitações para a pesquisa por que ele demonstrava interesse pela matéria, e ela queria incentiva-lo ao estudo da Física. Quando foi interrogada sobre um livro que ele teria pegado na biblioteca, Beatrix disse que ele ainda não emprestara nenhum livro, e que os livros que ele pesquisava não podiam ser emprestados, dados seu valor. Márcia, ao ser interrogada pelo delegado se achava possível alguém pegar um livro escondido na biblioteca, ela disse que sim, e que inclusive já fizera isto quando era aluna. Ambas foram dispensadas, e o delegado estava cada vez mais convencido de que Valquiria era a verdadeira culpada. Mas ainda faltava uma prova que justificasse sua prisão.
Valquiria aproveitando o dia livre da aula, foi passear pelo shopping, trocar as peças de roupa, e decidir o que fazer com o livro. Seu pai teve que viajar a negócios e estaria dois dias fora da cidade. Valquiria querendo ficar sozinha dispensou a empregada por esses dois dias, dizendo que poderia se cuidar sozinha e a empregada também poderia folgar. Estava mais alegre, mas ainda pesava as acusações de assassinato. O advogado pediu que ela não saísse da cidade, e estivesse sempre alerta, e ligasse para ele a qualquer momento. Com um óculos escuro para disfarçar as olheiras do choro da véspera, Valquiria saiu em seu carro, para o shopping, lembrando que André jamais gostava de sair de carro com ela, e que dizia que um dia ela ainda os mataria. Bem, agora ela era acusada de matar-lo. Chegou no shopping, dirigiu-se para a loja onde ia trocar as peças. Todos olhavam para ela como se fosse uma atração de museu. Sabia que todos comentavam que ela não foi ao enterro, e que era acusada do crime. Trocou a roupa, e ganhou uma sacola maior. Tomou um sorvete, e ficou pensando que fazer com aquele livro. Envolta com seus pensamentos, nem percebeu a chegada de Benedito, com uma sacola semelhante à dela, pois saíra da mesma loja, a chamando:
- Valquiria, porque fez aquilo com o André?
- Não sei do que você está falando. Ah sim deve ser do crime que você cometeu. Você matou o André, Benedito! Você o levou para casa, esperou ele subir, cortou os cabos de luz e atacou-o. Você o matou assim como matou minha prima. –
Valquiria foi calada com um tapa de Benedito.
- Você sabe que não foi isso que aconteceu Valquiria. Eu não matei sua prima e nem o André. Ele era meu amigo. Jamais acontece nada do que você imaginou. E você sabe que não fui eu quem matou o André. Foi você. Vai ficar tudo provado, que foi você que matou ele. E ainda vou rir da tua cara na prisão. E tem mais garota. É bom você não atrapalhar mais a minha vida, senão a próxima a aparecer morta vai ser você. Não sou assassino, mas você, eu não me importaria de mandar para o inferno!
- Você vai pagar caro por esse tapa, sua bicha! E é bom me matar mesmo, porque senão eu acabo com você.
Valquiria pega sua sacola, que ficou jogada no chão, junto com a sacola de Benedito. Livra-se dos curiosos que os cercam, e sai. Benedito conversa com os seguranças do shopping, que estava chegando para dispersar o tumulto, explica que foi agredido por Valquiria e que apenas se defendeu. Pega sua sacola e sai. No caminho, fica pensando nas palavras de Valquiria, de que o mataria. Jura a si mesmo que se ela fizesse algo com ele, levaria ela junto. Valquiria, ainda sentindo o rosto queimar com o tapa de Benedito promete se vingar dele, assim que ficar esclarecido a história do assassinato do André. Vai fazer de tudo para provar que Benedito que matou André.
Valquiria chega em sua casa. Está sozinha. Coloca a ração para o gato que fica se esfregando em seus pés, querendo carinho. Não dá bola para o bicho e vai para o quarto. Esta cansada, e o que mais quer é um relaxante banho. Vai até a banheira, começa a enche-la e resolve experimentar as roupas novas que acabara de tocar. Sempre gostava de experimentar suas roupas no quarto, se olhando no espelho. Tira a roupa que esta usando, coloca seu roupão, e pega a sacola. Acha estranho que ela estivesse tão leve, pois o livro ainda estava lá. Quase entrando em desespero, despeja o conteúdo da sacola na cama: pares de meias masculinas, algumas cuecas, duas camisetas, uma bermuda, umas calças jeans e algumas revistas. No meio uma carteira de couro, com dois cartões de crédito, uma carteira de identidade, e alguns cartões de visita, todos em um único nome: Professor Benedito Ferri. Valquiria grita um palavrão de raiva. Joga tudo no chão e se desespera. No momento em que estava discutindo com Benedito, trocara as sacolas e nesse momento, ele deveria ter encontrado o livro, que poderia usar contra ele como prova contra ela no processo do André. Mas, refletindo melhor, se ele apresentasse o livro, não teria como provar que estava com ela, e como foi ele o último que viu André vivo...
Mais calma Valquiria resolve ir para o banho, a banheira esta quase transbordando. Começa a se despir das roupas intimas quando toca a campainha. Toca insistentemente, ela grita um já vai com um pouco de raiva, volta a vestir o roupão e sai para atender a porta.

- Tanto tempo que estou aqui, e quando estou entrando no banho me interrompem. Se não for nada importante vou mandar para aquele lugar... – a campainha continua a tocar. Ela grita que já está indo de novo e abre a porta, – Você? O que quer com....-
Antes que pudesse completar a palavra, Valquiria sente o aço frio penetrando seu ventre.

CAPITULO VII


Benedito dorme um sono pesado, e demora a despertar, mesmo com a batida insistente em sua porta. Abre os olhos assustados. Está cansado por ter ido dormir tão tarde. Dirige-se a porta, ainda está sem camisa, os olhos pesados. Olha para o relógio e percebe que ainda são nove da manhã. Desde que perdera o emprego, tem acordado sempre depois do meio-dia, aproveitando o sossego provisório do seguro-desemprego. Chega a porta e ainda batem. Grita calma e a abre. Quase desmaia de susto ao ver três viaturas da policia cercando sua casa e uns oito policiais armados o esperando, prontos para invadir a casa.
- Professor Benedito gostaria que o senhor nos acompanhasse, sem termos necessidades de utilizar a força bruta. O senhor tem muitas coisas a explicar. – o detetive Adelmo era uma raridade entre os policiais. Educado, sempre dialogava com os suspeitos. – o delegado tem algumas perguntas a lhe fazer
Benedito estava assustado e sem saber o que fazer. Pediu um minuto para trocar-se. Está apavorado. Em poucos minutos, já está trocado, dentro da viatura, dirigindo-se para a delegacia.
- Posso pelo menos saber o por que disso? – pergunta com a voz tremula.
- Como lhe disse, professor, só umas perguntinhas. – o detetive Adelmo já esta também calmo, mais sua voz amedrontava Benedito.
Chegando na delegacia, ele foi levado imediatamente a sala do delegado, que já o aguardava. Ele pediu que ele se sentasse, e pediu que os guardas saíssem, pois queria interroga-lo a sós.
- Se for sobre o caso do André – Benedito já estava mais calmo, mais ainda tremia ao falar – já disse tudo o que sabia.
- Não me caro. Não é sobre esse caso. – Guilherme começa a percebe o nervosismo de Benedito, e começa a fazer suspense, deixando-o mais nervoso ainda. – somente me responda uma coisa – Guilherme senta-se, abre sua gaveta e pega um objeto embrulhado em um saco plástico - conhece esta carteira?
- Sim, ela me pertence, mais ela estava na minha bolsa de compras...
- Junto com camisas, calças, bermudas, meias e cuecas, não é mesmo?
- Sim, mas não entendo, a sacola está na minha casa, e eu não mexi nela desde ontem.... – Bendito já tremia e mal conseguia falar.
- Onde esteve ontem, senhor Benedito?
- Bem, fui ao shopping. E como não posso deixar a cidade, fiquei a noite em casa ...
- Encontrou alguém de especial no shopping, não é mesmo?
- Sim, eu encontrei com a Valquiria...
- E ameaçou que ia matar ela, não foi?
- Não! Quer dizer, nós discutimos porque ela dizia que eu que matei o André, mas não fui eu, não fui... – Bendito começa a soluçar.
- Senhor Benedito – o delegado começa a andar pela sala, como se falasse sozinho – Valquiria não gostava do senhor por ser o pivô do suicídio de sua prima. O senhor vem para Santa Cecília, e torna-se amigo do namorado dela, mesmo sabendo que ela não gostava do senhor. – Benedito tenta falar, mas Guilherme faz sinal para que ele se cale – Ela o denuncia como pedófilo. O senhor é flagrado abraçado com o namorado dela. Ele aparece morto, e o senhor foi a ultima pessoa que o viu vivo. Três dias depois do crime o senhor encontra a garota num shopping. A esbofeteia e a ameaça. Ela é encontrada morta na banheira com o estomago perfurado por uma faca de cozinha, e sua sacola de compras no quarto dela...
- O que o senhor esta dizendo? A Valquiria esta morta! Mas não pode ser, meu Deus, não pode ser... – Benedito começa a chorar, como se tivesse levado um choque.
- O senhor ficara sob investigação, mas como não foi flagrante e ainda não temos provas, ficara em liberdade. Mas nem ouse sair da cidade. Vai caracterizar fuga e ai sim estará encrencado.
- Mas não fui eu que matei a Valquiria, eu passei a tarde toda em casa. Estava com uma visita...
- Esta pessoa pode comprovar o que está dizendo?
- Sim eu estava oferecendo um jantar para a Sandra, a chefe do núcleo de Educação, e com seu assessor, o Jorge. Ela esta me ajudando a conseguir transferência para outro município.
- E como o senhor explica que sua sacola de compras foi encontrada no quarto da vítima?
- Não sei, deve ser quando nós discutimos no shopping, e como estávamos com sacolas da mesma loja, deve ter acontecido uma troca. Como eu não olhei na sacola quando cheguei em casa, e a joguei dentro do guarda-roupa, deve estar la em casa a sacola dela. Só assim posso explicar minha sacola na casa dela.
- Bem, senhor. Mandarei que um policial te acompanhe até a sua casa, quero que esta sacola aqui. E também vou mandar interrogar a Dona Sandra. Acho bom a história dela bater com a sua. Caso contrário estará encrencado.
Guilherme chamou um policial que acompanhou Benedito e pediu que na volta buscasse Sandra para depor. Recomendou mais uma vez a Benedito que não ousasse sair da cidade até que tudo estivesse esclarecido. Chegando em casa Benedito pediu que o policial esperasse na sala, pois não ficava bem um policial casado no quarto de um gay. O policial, espantado, resolveu espera-lo na porta. Benedito vai até o quarto e procura a sacola, mas percebe algo pesado e grande no fundo. Aproveitando que conseguiu fazer o policial esperar do lado de fora, resolve verificar o que há na sacola. Encontra algumas roupas, e outra sacola plástica menor, com um livro.
- Vaca! Este livro deve ser o que estava com o André e que ele estava tão preocupado. Tinha certeza de que ela estava envolvida com o assassinato dele. Este livro fica comigo.
Bendito colocou o livro na gaveta do armário, e foi levar a sacola para o policial. Quando este o interrogou o porque da demora, disse que precisou ir no banheiro. O policial pegou o pacote e saiu. Bendito correu para o quarto e começou a folhear o livro. Estava em latim. Lembrou-se de que Sandra fora educada em um internato de freiras em Jacarezinho, onde a conhecera há alguns anos, e que aprendera o latim, e que poderia dar-lhe uma mão, tentando entender o que André estava procurando com um livro tão antigo e em latim. Do pouco que Benedito pode entender, era de que se tratava de um livro sobre santos, pois algumas palavras e alguns nomes ele reconhecera. Estranhara mais ainda que o amigo ateu tenha pegado este livro. Tentou ligar para Sandra, mas ela não está. A secretária informa Benedito que Sandra e Jorge foram à delegacia, prestar depoimentos. Pesando melhor, Benedito chega a conclusão que não seria bom para ele se encontrassem aquele livro em sua casa. E decide que vai entrega-lo Sandra, dizendo que o comprou há muito tempo, pois o achara bonito, e agora o encontrou enquanto preparava as malas para ir embora, e como ela sabia um pouco de latim, podia tentar entender do que se tratava. Liga para a casa dela, e a secretária eletrônica que atende. Ele diz que estava com um livro antigo em latim, e pergunta se ela pode tentar traduzir para ele.
À noite Benedito vai à casa de Sandra, e não a encontra. Resolve então ir à casa de Jorge, o jovem assessor de Sandra, e que foi com ela no jantar a sua casa na véspera do assassinato de Valquiria. Jorge Salas, filos de um peruano e uma brasileira, morava em Santa Cecília, na Pensão dos Estudantes desde que começara o curso de Pedagogia, há três anos. Desde então, trabalhava com Sandra no Núcleo de Educação. Ao ver Benedito a sua porta, ficou receoso e com medo.
- O que você deseja? - pergunta abrindo somente a parte de vidro, ficando assim protegido pela grade da porta.
- Pô Jorge, você também vai ter medo de mim? Você estava em casa ontem, sabe que não fui eu que matei a Valquiria? Sabe onde a Sandra está?
- Ela teve que viajar para a capital logo depois do depoimento, para... – Jorge parecia ainda com medo de Benedito, mas já estava mais calmo - para prestar esclarecimento sobre o seu caso.
- Que caso?- Pergunta Benedito com ar ameaçador, fazendo Jorge recuar.
- Aquela denuncia. Do assédio a aluno...
- Mas ficou tudo provado que era mentira! - Benedito já estava exaltando
- Sim, mas eles pediram que ela fosse pessoalmente esclarecer o caso. Mas ela estará de volta em uns dois dias. É urgente o que você queria com ela?
- Bem, acho que você pode me ajudar. Não sei se ainda estarei na cidade quando ela voltar. Gostaria de que você entregasse isto para ela – ele estende um volume para Jorge, que recua assustado – Calma. É só um livro. E como sei que ela estudou latim com as freiras do internato, gostaria que ela tentasse traduzir para mim. Depois eu ligo para ela perguntando. Será que poderia fazer isto por mim
Jorge olhou para o pacote. Sentiu um pouco de medo, mas consentiu com cabeça. Despediu-se com um aceno de Benedito e fechou a porta. Benedito desceu as escadas do prédio lembrando-se de André. fora ali que ele o viu pela ultima vez. Mesmo se conhecendo há pouco tempo, pois estava ainda nos primeiros meses de aula, era o único amigo que conseguira na Faculdade. Os outros até conversavam com ele, mas notou que de certa forma o evitavam. Entrou no carro, colocou uma musica e desejou nunca ter vindo para esta cidade. Estava revivendo seu passado tudo de novo, quando foi acusado de provocar um suicídio. Agora estava pior. Era envolvido até o pescoço com dois homicídios. Pensou consigo mesmo o que poderia acontecer de pior. Chegou em casa, sentindo um forte dor de cabeça, dando sinal de que uma gripe o havia atacado. Colocou um pouco de água no fogo, para fazer um chá, e deitou-se no sofá, para descansar um pouco, pensando o que faria se fosse preso. Não agüentaria muito tempo. Ouve alguém batendo à sua porta. Tenta fingir que não está, mas continuam batendo. Levanta-se, e vai até a porta.
- Oi, queria mesmo falar com você, mas não esperara que viesse tão logo a minha casa. Mas não podemos deixar para conversar amanhã? Hoje não estou bem, e estava indo deitar-me. - Benedito está para fechar a porta, - Como? Água, há sim! Me desculpe, mas estou realmente cansado. Mas um pouco de água não posso negar.
Benedito pede que o visitante entre que ele vai a cozinha pegar a água.
- Desculpe-me os modos, mas estou muito abalado com todos esses acontecimentos. Quer gelada ou sem gelo?
Ele ainda fala quando sente um golpe o acertando na cabeça...

CAPÍTULO X

Algumas semanas se passaram em santa Cecília desde a morte do professor Benedito Ferri. A cidade parecia respirar aliviada. O delegado Guilherme pedira licença de seu cargo alegando doença. O detetive Adelmo estava cuidando das investigações, mas até agora nada. Estava faltando uma peça no quebra cabeça, que ligasse as mortes. Talvez o tal livro. Mas que livro era este?
Sandra disse que Benedito havia lhe ligado na noite do crime e havia deixado um recado na secretária eletrônica pedindo a tradução de um livro em latim, mas que ela voltou quando ele já estava morto, e não sabia que livro era.
Jorge estava com medo e não sai de casa. Conseguiu um atestado médico e ficou uns dias sem aparecer no trabalho. Não teve coragem de contar para a policia que estava com o livro de Benedito. Ele queria saber porque aquele livro despertava tanta curiosidade. Nos dias que esteve em casa, sozinho, aproveitou para tentar traduzir um pouco do livro. Em seus capitulo iniciais narrava a história dos mártires do primeiro século do cristianismo, A partir do meio iniciava-se outro livro, um manual utilizados pelo inquisidores durante a Idade Média:

“Directorium Inquisitorum
C
hamam-se hereges pertinazes e impenitentes aqueles que interpelados pelos juízes, convencidos de erro contra a fé, intimados a confessar e abjurar, mesmo assim não querem aceitar e preferem se agarrar obstinadamente aos seus erros. Estes devem ser entregues ao braço secular para serem executados. Chamam-se hereges penitentes os que, depois de aderirem intelectual e efetivamente à heresia, caíram em si, tiveram piedade de si próprios, ouviram a voz da sabedoria e abjurando dos seus erros e prossedimento, aceitaram as penas aplicadas pelo bispo ou pelo inquisidor. Denominam-se hereges relapsos os que, abjurando da heresia e tornando-se por isso penitentes, reincidem na heresia. Estes, a partir do momento em que a recaída fica plena e claramente estabelecida, são entregues ao braço secular para serem executados, sem novo julgamento. Entretanto, se se arrependem e confessam a fé católica, a Igreja lhes concede os sacramentos da penitência e da Eucaristia. [...]
Jorge continuava a ler o texto, absorto em pensamentos, de como aquele livro podia ter trazido a morte para as três ultimas pessoas que o tocaram. Notou algo estranho, pois em algumas partes do livro, haviam paginas que em uma das linhas estava escrita em uma língua diferente que ele não pode entender de que se tratava:

“VEREDICTOS E SENTENÇAS
Sentença de Absolvição
Directorium Inquisitorum
P
rimeiro tipo de final de processo: o réu, depois de responder a um processo comum, e depois de as opiniões de especialistas serem ouvidas, fica totalmente livre de qualquer crime de heresia. É o caso do réu que não foi indicado como herege nem pela própria confissão nem pelo testemunho dos fatos, nem tampouco pelos legítimos depoimentos das testemunhas e que, além disso, não aparece como suspeito nem apontado do crime
prt sprr, mvl ncntr-s sb
Em casos como este, procede-se da seguinte maneira: o inquisidor ou o bispo (ou ambos, embora não tenham que atuar juntos quando se trata de absolvição) entrega ao réu uma sentença de absolvição com o teor seguinte: "Nós, frei Fulano de Tal, da Ordem dos Pregadores, inquisidor etc.: visto que tu, Fulano de Tal, residente em..., diocese de..., foste alvo de uma acusação de heresia cujo teor é o seguinte (etc.); Visto que tais fatos, apesar da sua natureza, exigiam necessariamente nossa atenção e vigilância; Investigamos tudo de que te acusavam para sabermos a verdade e, por essa razão, recebemos e analisamos testemunhas, concedemos-te a assistência de um defensor, fizemos tudo que era preciso fazer segundo as
sgnd prtlr trv mvmnt rds
Visto que examinamos todo esse material, solicitamos a opinião de juristas e teólogos; Tomando assento no nosso Tribunal, em conformidade com a nossa função de juiz, com o olhar fixo apenas em Deus e interessado apenas na verdade, com os Sagrados Evangelhos diante de nós, a fim de que nosso julgamento emane da face de Deus e para que nossos olhos vejam a verdade, Pronunciamos nossa sentença definitiva da seguinte maneira:
Trcr prtlr br pssgm pr ouro
Invocando o nome de Cristo, Não encontrando - em tudo o que vimos e ouvimos, no que foi proposto nesta causa - nada que tenha legitimimamente provocado por que foste denunciado , dizemos, declaramos e sentenciamos que não há e não houve nada contra ti que possa considerar-te herege ou suspeito de heresia. Eis a razão por que te liberamos, através desta sentença do julgamento inquisitorial...”

se procurares por respoasta nao a encontraras entres as vogais



Jorge parou de ler. Estava cansado, de ler e traduzir. Colocou o livro no criado mudo e só acordou com o toque do telefone. Era Sandra.

- Jorge, você já esta melhor? Preciso que você volte urgente me ajudar. Estamos no meio dos preparativos da festa do aniversário da cidade, e a Ângela me pediu para ajuda-la na organização das solenidades. Parece que este ano vão homenagear o Frei Norbert Schönborn. Vão lhe dar o título de cidadão honorário e preciso de sua ajuda para organizar tudo.
- Bem, se você está tão desesperada e sou tão útil, vou pensar no caso... Claro que vou Sandra, ainda mais pelo Frei Norbert. Pode passar me pegar.

Passaram o dia todo decorando o Anfiteatro Municipal, que seria chamado a partir de agora Centro Cultural Fr. Norbert Shönborn. A cerimônia seria às oito da noite, e eles teriam que deixar tudo pronto. Jorge disse que teria que ir para a casa dispensar a empregada. Sandra disse que ficaria, mas um pouco, para testar o som, e pediu que ele confirmasse na panificadora o lanche para os convidados.
Quando chegou em casa, Jorge dispensou a empregada e ligou para a panificadora. Tomou banho, e discou o telefone:
- Alô, Beatrix, aqui é o Jorge, preciso falar com você sobre o livro do André? ele está comigo!
- Você tem certeza que é mesmo o livro? Como você conseguiu
- Mais ou menos, ele estava com o Benedito. Antes de ele morrer, ele me pediu para entregar para a Sandra, para ela traduzir. Mas ele se esqueceu que eu também estudei em escola de padres e sei latim. É um livro medieval, mais eu sei que ele guarda alguma coisa estranha. Tem umas partes dele que está escrito em uma língua diferente, como se tivesse sido escrito depois. Estou tentando traduzir o máximo que eu puder, mas está complicado. Ele não pode ficar aqui em casa. não é seguro. Quero que ele fique com você.
- Mas Jorge, por que comigo?
- Você pode recoloca-lo no lugar, e podemos continuar as pesquisas na Biblioteca sem que ninguém saiba que ele está conosco.
- Sei não Jorge, todos que colocaram a mão neste livro morreram. Primeiro foi o coitado do André, depois o Benedito. E a Valquiria que estava envolvida com o André também foi. Bem que a dona Ermína falou que ele era maldito.
- Mas Bia, você sempre quis saber o porque o baú era proibido, e só estava aguardando uma oportunidade para abri-lo. Quando você soube que o André tinha feito o que você nunca teve coragem de fazer, você só não contou para a Marina pois queira chantageá-lo para poder ter acesso ao livro. E por uma feliz coincidência este livro vem parar em minhas mãos, e você não quer mais o livro?
- Não é isso. Mas estou com medo. E se descobrem o livro com a gente. Estamos ferrados.
Jorge despediu-se de Bia e saiu para ir à cerimônia. Quando chegou, foi logo recepcionado por Sandra, Ermínia e Ângela que estavam aflitas com a sua demora. Jorge correu para a cozinha para verificar se estava tudo certo com o bufet, verificou depois se o palco estava em ordem, acertou os detalhes de quem seria chamado à mesa, ordens de discurso e homenagem. Seria também o primeiro contato da cidade com sua nova delegada, que veio substituir Guilherme Pádua, a senhora Joana Terezinha Castanho. A cerimônia correu tranqüila e tudo saiu conforme o esperado. Jorge aproveitou o momento de discursos para ir até a cozinha para verificar mais uma vez se tudo estava certo. O livro não lhe saia da cabeça. Ele chega na cozinha e percebe que alguém teve a mesma idéia.
_ Você também não agüentou a falação do pessoal? – Jorge senta-se, vencido pelo cansaço da arrumação – O prefeito desmarcou de ultima hora as outras festas por causa das coisas que aconteceram na cidade nos últimos dias. E pra ajudar este tempo, com este frio todo não a ajudar né. Não tinha clima para festa. Você pega um café para mim também. – Jorge espera alguns momentos, até que chegue seu café, quentinho. – Nossa, como está frio hoje, hein. Você que tem razão em vir de luvas. Eu devia ter pegado minhas luvas também, minhas mãos estão congelando.
Jorge bebe o café e volta para a sala, onde ainda tem tempo de ouvir o final do discurso do prefeito:
_ ... E chegou a nossa cidade, no ano de 1965, onde assumiu como superior do convento e diretor de nossa Faculdade. Muitas obras realizou em favor dos fracos, pobres e oprimidos, de acordo com os ideais de Francisco de Assis. Por isso nossa cidade concede a Frei Norbert Sönborn o título de cidadão honorário e lhe entregamos as chaves da Cidade de Santa Cecília.
Frei Shönborn agradeceu a comunidade e foi muito aplaudido, aproveitou, em seu discurso para tornar publica sua renuncia de superior do convento, e anunciando que retornaria a Alemanha por um tempo. Mas prometeu a todos que voltaria em breve para seu convento em Santa Cecília, onde gostaria de ser enterrado. Alguns vereadores e a professora Ermínia também fizera discurso em homenagem ao Frei, louvando suas qualidades artísticas, pessoais e espirituais. Jorge estava sentado na última fila. Começou a suar e sentir-se mal, como se estivesse sendo sufocado. Seu rosto começou a se contrair, e atingido por convulsões caiu no corredor. Os discursos foram interrompidos e correram para tentar ajuda-lo, mas só tiveram tempo de ouvir suas últimas palavras:
- Meu café foi envenenado, o café...

Jorge Salas estava morto. O médico que estava presente nada pode fazer. A cerimônia foi paralisada, Frei Norbert orou pelo corpo. Mais uma vez a morte atacou um aluno da Faculdade de Santa Cecília.

CAPITULO XI

- Bom começo, hein doutora Joana? – Adelmo ainda não estava conformado em ser chefiado por uma mulher.- parece que os delegados desta cidade não tem muita sorte?
- Bom detetive, a função de investigar os crimes é sua, lembra-se? Aliás, deve chegar esta semana uma auxiliar para o senhor no caso. – Joana parecia calma, e estava sentada em sua cadeira, enquanto lia alguns relatórios sobre o caso. Ela era alta, cabelos preto e muito lisos cortado pelo ombro e amarrados em um rabo de cavalo. Estava vestida em um terninho preto, sem maquiagem e sempre com um olhar sério.
- Como, o que a senhora está dizendo?
- Uma policial especializada em assassinos seriais está vindo para ajudar na investigação.
- Mas você não pode fazer isto, este caso é meu!
- Sim, este caso é seu. Já temos três mortos e o que você fez? Nada. Por isso, assim que policial Verônica chegar, ela vai assumir as investigações, e você irá trabalhar com ela.

Adelmo saiu da sala da delegada arrasado. O delegado Guilherme confiava cegamente em seus trabalhos, agora, estava afastado do comando de uma investigação, graças à vontade de uma mulher. Aproveitou que ainda estava à frente da investigação e foi verificar o local do crime, que ficara lacrado. Como Jorge havia dito que seu café fora envenenado, Adelmo decidira buscar os copos descartáveis de café, em busca de alguma pista, tarefa que não foi nada agradável. Encontrou uma infinidade de copinhos de café descartáveis, e decidiu mandar todo o cesto de lixo para análise de resíduos de café. Decide após ir dar uma busca na casa de Jorge para verificar ele tinha café em casa e poderia ter sido envenenado antes de vir para o teatro.
Quando Adelmo chegou a casa de Jorge, percebeu que alguém estava lá, pois a porta estava aberta e as luzes acesas. Adelmo tocou a campainha, e foi recebido por Sandra, Ângela e Beatrix.
- Que surpresa encontra-las na casa da vitima, senhoras. O que fazem aqui?
- Bem, ele precisa ser enterrado e sua família precisa saber que ele morreu. Viemos pegar os endereços da família, roupas para tira-lo do necrotério, e documentos do plano funerário para prepararmos o enterro. Afinal somos amigas dele, senhor Adelmo.- Sandra estava aparentemente sob efeito de calmante, pois falava devagar e estava como que desligada do mundo. Ângela estava com algumas agendas e documento nas mãos, procurando o endereço de parentes, e Beatrix, ao ver o policial, ficou com ar receoso, despediu-se dizendo que tinha que ir a biblioteca. Antes de sair, disfarçadamente pegou uma das cópias da chave da casa de Jorge.
- Parece que para procurar uns endereços e documentos precisaram quase desmontar a casa? – diz Adelmo, com um riso irônico.
- Não – responde Ângela - a casa dele já estava assim quando chegamos. Achamos estranho, pois Jorge era superorganizado, coitado, não tinha jeito para bagunça, que será que levou...
- Espera – Ângela foi interrompida por Adelmo, que de repente ficou sério e preocupado – a senhora disse que a casa já estava toda revirada? Porque não chamaram a policia? A porta, ela estava arrombada?
- Não, - intervém Sandra – estava trancada. Nós pegamos a chave com a empregada. Achamos que, como ele morreu lá no teatro, não teria problema em virmos aqui.
- Sim, mas como a casa estava revirada, como nos outros três casos, é melhor vocês saírem. E por favor, não levem nada além das roupas. Pode haver alguma coisa nestas agendas.

Ângela e Sandra saíram contrariadas. Adelmo não podia trata-las daquela maneira. Sandra disse que ia para casa para ligar para os pais de Jorge no Peru, para providenciar o enterro.
Ângela dirigiu-se a prefeitura de Santa Cecília, que ficava a algumas quadras da Pensão dos Estudantes. Evitou falar com alguém, e com os óculos escuros, disfarçava para onde olhava. Sem anunciar, entrou no gabinete do prefeito Antony Cesari, que estava acompanhado de sua esposa, a professora Judite.

- Ângela? Como vai, algum problema? – o prefeito parecia constrangido e tentava disfarçar o nervosismo.
- Bom, senhor prefeito, tenho alguns assuntos da Secretaria da Educação que gostaria de conversar com o senhor, mas se esta ocupado, volto depois!
- Não – intervém dona Judite – já estava de saída professora Ângela, tenho meus alunos esperando.
As duas senhoras se despedem. Antony acompanha Judite até a porta do gabinete, e fica esperando até que ela sai do prédio da prefetura. Quando ela sai, ele volta para a sala, e interfona para a recepcionista do gabinete:
- Dona Elizabeth, já são 16 horas, e vou demorar um pouco com uns assuntos da Secretaria da Educação, e a senhora pode folgar hoje à tarde. Não quero ser incomodado hoje.
- Você é maluco, Antony! A prefeitura está cheia de gente...

Antony não espera Ângela terminar de falar. Atira-se sobre ela, roubando-lhe um demorado beijo, e ambos se entregam ao prazer ali mesmo, no chão do gabinete da prefeitura.



A professora Judite desde que começou a lecionar, sempre preferiu dar suas aluas no pátio da faculdade, por achar que a natureza sempre inspira. Estava agora, terminada a aula, lembrando-se de sua paquera com o noviço Francisco, à mais de 20 anos, e de seus problemas com o marido, enquanto tocava sua flauta, coisa que fazia todos os dias, quando é surpreendida:

- Você é feliz com ele?

Francisco Maia estava a algum tempo olhando Judite e lembrando do primeiro encontro dos dois.

- Há quanto tempo esta ai Francisco?
- Tempo bastante para lembrar a primeira vez que te ouvi tocar. Mas não é esta a resposta da pergunta que lhe fiz. Você está feliz com ele?
- Porque você pergunta isto. Claro que sou feliz. Trabalho no que gosto, tenho meu marido, amigos. Claro que sou feliz.
- Não minta para você mesma Judite. Porque então você nunca mais tocou como antes. Você é uma ótima flautista, mas somente na técnica. Você não transmite mais amor em suas musicas!
- Se não transmito mais amor em minhas musicas, é porque há mais de vinte anos vivo com uma pessoa que não me ama Francisco, assim como você também não.
- Então por que você ainda vive com ele? Por que você se casou com ele Judite?
- Porque você escolheu primeiro, Francisco. Você me trocou pela Ângela, Francisco!
- Não, eu somente tinha lhe pedido um tempo, pois estava confuso com minha vocação. Tudo que eu tinha na vida era o convento. E você não me esperou. Você saia com o Antony enquanto eu me penitenciava, porque tinha trocado a vida religiosa para ficar com você. Ângela que em ajudou, me amparou, me deu carinho. Você me deixou Judite. Somente quando perdi você é que fiquei com Ângela.
- Você nunca me perdeu Francisco. Sempre te amei.
- Então por que?

Judite foge de Francisco chorando, e a esperança de ter novamente sua amada volta a se ascender no peito de Francisco.

CAPITULO XII


Os pais de Jorge, Alejandro Salas e Maria Antonia chegaram a Santa Cecília para fazerem o funeral do filho. O corpo de Jorge seria cremado, e suas cinzas levadas para o Peru. Toda a cidade ainda estava chocada com os misteriosos crimes que ocorreram nos últimos dias. André, Valquiria, Benedito e agora Jorge, mortos em circunstancias ainda não explicada. A pacata cidade agora era um lugar onde o medo reinava. Os alunos da Faculdade estavam apavorados com a idéia de que um deles poderia ser o próximo a ser assassinado, visto que todos os outros eram alunos da Faculdade.


No mesmo dia do funeral de Jorge, chega a Santa Cecília a policial Gina. Adelmo não se preocupa nem um pouco em mostrar todo seu descontentamento. Gina é recebida afetuosamente por Joana:

- Filha, não esperava que chegasse hoje, fez boa viajem?
- O que a senhora disse? – Adelmo muda de expressão, meio assustado, meio nervoso – ela é filha da senhora?
- Sim, ela é minha mãe. Foi nela que me espelhei para tornar-me policial? – a jovem parece não perceber a raiva do investigador. Ela é jovem, tem uns 28 anos, mas já está na policia desde os dezoito. Alta e branca, como a mãe, tem cabelos longos e sua camiseta branca realça-lhe os seios. – Aliás, ainda não fomos apresentdos. Sou Gina Carmem Castanho, e o senhor?
- Detetive Adelmo, e não sou tão velho para ser chamado de senhor!
- Bom detetive, Gina será a responsável pelos assassinatos a partir de agora, mas fique tranqüilo, não precisara trabalhar com ela, como era seu grande medo. Estão transferindo mais um para cá. Um novato. Estes são melhores, pois não tem o ego inchado e querem mostrar serviço. Agora quero que repasse para a Gina tudo que aconteceu nestes últimos dias.


Beatrix não fora trabalhar. Pedira folga para Marina, alegando estar muito cansada e abatida pela morte de Jorge. Ele lhe falara do livro, ela sabia que ele foi o ultimo que o tocou. E agora ele estava morto. Jamais alguém poderia saber disso. Ela precisava pegar logo esse livro e devolve-lo ao seu lugar. Somente assim ela teria como lê-lo em segurança. Se antes de ele sair de casa para ir ao evento onde encontrou a morte, ele ainda estava com o livro, o mesmo só poderia estar guardado em sua casa. ela esperaria anoitecer e com a cópia da chave que pegara, seria fácil conseguir o livro de volta.


Adelmo detalhou para Gina toda a história de Santa Cecília. Ele estava começando a gostar da simpática policial, quem além da aparência física, não tinha nada de sua mãe. Era simpática, doce.

- Bem, deixe-me ver se compreendi direito. A primeira vítima foi encontrada morta arremessada de sua janela, na mesma noite em que brigou com a namorada. Dias depois a namorada dele também é morta depois de uma briga no shopping com o amigo gay do namorado morto. Este morre afogado em sua patente. No dia da morte da Segunda vitima, a terceira vitima que era o principal suspeito estava com visitas, e uma desta visitas vem a ser a quarta vitima. O que esta acontecendo com esta cidade, meu Deus. Nunca vi um caso tão complicado em uma cidade tão pequena.
- Esta compreendendo agora porque está tão enrolado. E sua mãe fica que chamando de incompetente e um delegado já caiu por causa deste caso.
- Bem, se o psicopata, está matando seguindo uma lógica, ou por um motivo, as vitimas deveriam saber de alguma coisa, ou ...
- Ou poderia simplesmente matar pelo prazer de matar! – uma voz interrompe a conversa de ambos. Um jovem entra na sala. Não muito alto, cabelos pretos e uma cicatriz na diagonal na face esquerda, da orelha até o queixo. Olhar firme, rosto fechado, vestido inteiramente de preto. – Como boa especialista em psicopatas deveria pensar nisto também, senhorita. Quando me mandaram para cá, para trabalhar com a senhorita, disseram que é uma das melhores. – disse enquanto sorria, ironicamente, e estendendo a mão para Gina, apresentou-se – Sou Antonio Candido, mas o pessoal me chama de Tom.
- Prazer, sou Gina Carmem!
- Gina Carmem?
- É, minha mãe era fã de Carmem Miranda, e meu pai da Gina Lolobrigida. Deu nisso, mas não admito gracinhas, hein.
- É, podia ser pior. Já pensou se ela fosse fã da Ava Gardener.

Os dois caíram na risada, e foram interrompidos por Adelmo.

- E, vejo que estou sobrando em meu próprio distrito. Se os grandes investigadores querem continuar fazendo gracinhas, é melhor me retirar.
- Calma camarada. Não queira tomar o lugar de ninguém. Mas, sabe como é né, você também já foi novato. Tem que marcar território.
- Tudo bem. Sei quando estou sobrando. Senhorita Gina, espero que tudo que lhe relatei lhe seja de alguma valia. E boa sorte novato!


O quarto de Jorge estava escuro. Beatrix não sabia que era arriscado ascender a luz. Já fora um sufoco conseguir entrar lá sem ser vista por nenhum dos alunos. Levara sorte Jorge não gostar muito de altura e ter escolhido um quarto no térreo. Os quartos da pensão eram todos iguais. Tinham uma sala, cozinha e quarto com banheiro. Assim que entra no quarto, Bia percebe um vulto fugindo pela janela. Seu coração acelera e ela quase solta um grito. Se contem por causa dos outros moradores da pensão. Ela sem pensar corre pela janela e segue o vulto, mas o perde na escuridão da noite. A noite está fria e as nuvens do céu anunciam uma tempestade. Relâmpagos iluminam a noite, quando Beatrix percebe que alguém vem em seu encalço, e ameaça a correr, quando é chamada por uma voz conhecida:

- Para que tanta pressa garota?

Beatrix volta-se ainda com mais medo. Estava perdida, era o policial Adelmo que a estava seguindo. Com certeza ele devia ter visto ela saindo do quarto de Jorge. Enquanto ela pensava, ouviu um ronco de motor, e só teve tempo de gritar cuidado. Um carro branco em alta velocidade invadiu a calçada, atingindo em cheio o policial e o arremessando contra uma vitrine, que ficou despedaçada. Beatrix ficou paralisada com a cena, quando a pessoa que estava na direção do veiculo, desceu usando um capacete de motoqueiro escondendo o rosto, e empunhando uma arma apontou na direção dela. O som de três disparos ecoaram na noite fria e chuvosa de Santa Cecília.

CAPITULO XIII


Passaram-se alguns dias desde o acidente com o policial Adelmo. Nenhuma pista. Marina Reuter está desesperada pelo sumiço de Breatrix. Mas a atenção da policia neste momento está concentrada em tentar ligar o atentado a Adelmo ao assassino dos alunos. O único que poderia esclarece alguma coisa seria o próprio Adelmo, mas ele ainda continua em como. Foi milagre ele não ter falecido. Fratura múltipla nas pernas, costelas, braço e corte profundo na cabeça.

- É estranho. Não tinha ninguém na rua, ninguém viu nada. Será que pessoal desta cidade não se antena que tem um bandido a solta.
- Gina, posso ser novato,mas conheço bem uma cidade atacada pelo medo, e conheço mais de perto ainda um bandido assassino. - Tom passa a mão na cicatriz do rosto, como se a lembrança do passado fizesse a ferida voltar a doer. – Este assassino não estava querendo matar Adelmo. Mesmo que tenha sido o mesmo assassino, ele não queira matar o policial. Analise bem. Todos os outros foram assassinados friamente. Pelos relatórios do Adelmo, e pelas fotografias, percebe-se que ele se aproximou das vitimas, matando-as com as próprias mãos. Porque ele cometeria o erro de apenas bater o carro no Adelmo, e não certificar sua morte? E mais. A casa de todas as outras vitimas foram reviradas. Mesmo a do peruano que não morreu em casa. o bandido foi até la e revirou, como se procurasse algo.
- Sim, Tom, mas o que será que ele procura?


O hospital de Curitiba liga para a delegacia avisando que o policial Adelmo saira do coma, e mais alguns dias poderia falar. Joana mandara uma força conjunta da policia civil e da policia militar procurarem Beatrix. Esperava-se até mesmo que ela poderia ter sido seqüestrada.

- E então, doutora delegada, alguma noticia da Beatrix? _ Mariana pergunta ao mesmo tempo que bate na porta aberta da sala da delegada.
- Boa tarde dona Marina. Não, nenhuma pista. Nada. Já começamos a pensar no pior. A família dela também disse que ela não deu noticia, não procurou nenhum parente de fora. Simplesmente sumiu. Estranho mesmo foi ela ter sumido justamente no dia em que o policial Adelmo foi atacado. A propósito, quando foi a ultima vez que a senhora a viu, dona Marina?
- No dia do funeral do Jorge. Ela me ligou no dia em que sumiu e pediu uma folga, pois estava muito abalada com a morte do Jorge e queria descansar.
- Pode ficar tranqüila dona Marina. Nos vamos achar ela.

Marina se despediu da delegada, tinha que voltar para abrir a biblioteca.encontrou-se com a professora Elza no caminho, que lhe perguntou por Sandra, que não fora trabalhar desde o dia que Beatrix desapareceu. Marina disse que ela havia ligado para a Biblioteca e avisado que sua mãe estava doente e ela antecipou parte de suas férias para cuidar da mãe, que mora na zona rural, em uma cidade vizinha.


- É por isso que este livro fascinava tanto todos que o pegavam, nunca vi coisa mais estranha. É como se alguém quisesse esconder um segredo dentro dele, mas que todos vissem, mas não entendessem o que era. – Sandra estava tranca em sua casa, que por ser uma das casas antigas de Santa Cecília, tinha um porão, utilizado como deposito e dispensa. Sandra iluminou o local como pode utilizando velas e uma lanterna a bateria. No chão, várias embalagens de comida pronta e pizzas, garrafas de refrigerantes vazias e um colchão.

CAPITULO XIV


Passaram-se quinze dias desde o atentado à Adelmo. O hospital telefonou dizendo que ele já podia falar e que pedia a presença de Gina e Antonio até lá. Beatrix não havia desaparecido e sua família já perdia as esperanças de encontra-la viva. Sandra retornara a cidade, estava pálida, com cara de sono e visivelmente mais magra. Todos pensaram que era por causa das noites mal dormidas em companhia da mãe.
A professora Tereza estava inquieta desde o sumiço de Sandra. Elza Ravasi notara que sua amiga estava sempre chorando nos intervalos da aula, não a esperava mais sua carona, estava distante. Um dia, quando surpreendeu a amiga chorando num canto afastado no jardim da Faculdade, Elza não a deixou escapar.

- Tereza, eu sou sua amiga por mais de trinta anos, e somente deixamos de ser confidente naquele período que você foi para São Paulo, quando tinha quinze anos. Te conheço desde criança Tereza e sei que você não esta bem e precisa desabafar. Confie em mim amiga.

Tereza desba no ombro de Tereza e chora muito. Entre soluço, ela começa a contar:

- Elza, quando me mudei para São Paulo, você nunca soube do que aconteceu. Eu fui expulsa de casa por meu pai, porque estava grávida. Eu era muito menina, por isso, eu deixei minha filha no orfanato. Somente depois que meu pai morreu pude voltar para cá, você lembra. Mas essa filha eu nunca mais tinha visto, até que ela veio trabalhar aqui, no ginásio, como servente.
- Você está me dizendo que sua filha é a...
- Sim, a Sandra. Quando ela chegou aqui, ela me procurou. Ela queira me conhecer somente para saber como era o rosto da pessoa que ela odiou a via toda. Ela me disse coisas horríveis, amiga. Disse que tivera que inventar uma vida mentirosa, uma história falsa, de que a sua família morava no campo, até mesmo seu sobrenome é inventado. Ela chegou em minha casa e disse que venceria na vida, somente para me esfregar na cara como se enfrenta a sociedade. Ela não quis me ouvir, não quis ouvir minha história. Durante todos estes anos eu guardei isto comigo. Eu a seguia na rua, procurava estar perto dela na escola, na Faculdade, mas ela nunca me olhou como mãe. Mas um dia, naquela noite em que o Adelmo foi atropelado, eu a vi invadindo o quarto do peruano. E vi quando ela saiu correndo pela janela de volta, carregando alguma debaixo do braço e a Beatrix atrás dela. Logo depois passa o policial que estava escondido, vigiando as duas.
- Mas porque você não contou isto para a policia Tereza. Está todo mundo preocupado com a Beatrix. A garota pode estar morta.
- Mas Elza, eu não posso denunciar minha filha. Não posso.


Gina e Tom voltaram animados, mas tristes de Curitiba. Tinham agora um pista que poderia levar ao assassino, porém tinham uma péssima notícia para dar. Após apresentarem o relatório do depoimento de Adelmo a delegada Joana, forma para a Biblioteca.

- Dona Marina precisamos conversar com a senhora. – o olhar de tristeza de gina denunciava a notícia.
- O que foi, é sobre a Bia, onde ela está.
- Lamento dono Marina, mas antes de desmaiar Adelmo viu o bandido disparar contra a garota. Ela está morta. Estamos agora buscando um carro branco, a única coisa que o policial lembra que possa identificar. Ele estava usando capacete e não foi possível ver seu rosto. Achamos que a senhora é a pessoa mais indicada para dar esta notícia aos familiares da menina.

Os policiais saem deixando Marina sozinha. A esperança acabara. Ela apenas confirmara algo que já sabia e seu coração não queria ouvir. Beatrix está morta.

CAPITULO XV

- Hermínia, eu exijo saber o que tem no porão da biblioteca. – pela primeira vez Ângela erguia voz com Hermínia, apesar de a detestar por muito mais tempo. – você sabe o que o porão da biblioteca esconde!
- Não existe porão em nossa biblioteca Ângela, e você sabe muito bem que como meu pai foi o primogênito, segundo a tradição de nossa família, o ingênuo do tio Ângelo, teu pai, não herdou direitos sobre este patrimônio, portanto ele não te diz respeito.
- Hernímia, calma, não ofenda a memória do tio Ângelo, ele sempre foi muito bom para nós, minha irmã.
- Eu sei Elza, só não sei como daquela arvore tão boa, foi sair um fruto tão amargo como esta nossa prima, que mesmo quando a cidade que nosso bisavô ajudou a construir é atacada por um assassino maluco, ela só consegue pensar em dinheiro.
- Sou assim porque sou do mesmo material que você, Herminia. Meu pai é Hermínio Ravasi. O coitado do Ângelo, simplesmente me criou, mas eu sou filha de Hermínio Ravasi, o grande patriarca desta podre família, que traia a mulher com a própria cunhada.
- O que você está dizendo sua maluca, como ousa dizer uma mentira destas? Como ousa afrontar a memória do meu pai em minha própria casa?
- Ângela, por favor, me conte a verdade.- Elza já esta chorando, enquanto Herminia esbraveja de raiva. – você realmente é filha de papai?
- Sim Elza. Mamãe sempre me contou toda a história deles. Ela e seu pai tiveram um caso desde o dia em que o panaca do Ângelo a conheceu. Ele me assumiu como filha, me deu seu nome, mas na verdade, ele sabia que eu era filha de seu irmão mais velho. Que família mais podre.
- Podre é você e sua mãe, Ângela!
- Judite, o que você faz aqui? Ângela respondeu assustada, encarando a esposa de seu amante.
- Vim falar com dona Hermínia, a empregada me falou que vocês estavam aqui, mas não disse que você estava mostrando sua verdadeira história. Compreende agora de onde você herdou a cara de pau de roubar o marido das outras. Você me tirou tudo Ângela. Você me tirou o Francisco, com todas as suas mentiras. Como pude cair como uma idiota em suas histórias! Você falava que o Francisco não me queria e me empurrava o Antony, mas a verdade apareceu depois de mais de vinte anos. Enquanto você enchia minha cabeça, você corria para acalmar o Francisco. E agora o trai com o Antony como traia o Antony com ele.
- Quem você pensa que é para me atacar assim, Judite. Você não tem história, não tem passado, não tem família. Você é uma mentira, Judite.
- Engano seu, minha querida. Enquanto você passou a vida interia chamando de pai um homem que você sabia que não era seu pai, e ele sabia que você não era filha dele, por isso ele nunca te amou como uma filha de verdade. Eu sim tive um pai, que mesmo não sendo casado com minha mãe, sabia que eu era filha dele. Eu pude ter a honra de chamar Ângelo Ravasi de pai, e de saber que ele me amava como filha de verdade e não como uma bastarda, que ele somente alimentava e dava um teto como qualquer um faz com um bicho sem dono.


Ângela não sabia mais o que pensar. Sai desesperada, chorando. Antes de ela sair Judite ainda a chama de volta:

- Ângela, estou deixando Antony. Estou deixando Santa Cecília. Não tem mais razão para continuar aqui. Desculpe Herminia, mas me descontrolei. Estava em sua casa.
- Imagina, Judite. Você já era como da família, ainda mais agora, prima. Você é mais nossa família que a ingrata da Ângela.


CAPITULO XVI.

A Noticia caiu como uma bomba sobre a cidade. O vice-prefeito fugiu com a primeira dama. Por alguns dias, a cidade se esqueceu um pouco dos assassinatos, e os comentários eram sobre a misteriosa fuga de Francisco e Judite. Agora, todos concordavam que Ângela e Antony iriam finalmente se acertar. Por uns dias a cidade esqueceu de sua terrível história e voltou a aparente tranqüilidade do interior, onde a vida conjugal, e os problemas dela rendem dias de conversas e fofocas. Dias este que logo se dissiparam com o encontro do corpo de Beatrix por um grupo de meninos que estavam brincando à margem do rio, e enxergaram ao longe o corpo, escondido entre arbustos. Estavam já em decomposição, e foi reconhecida posteriormente pelas roupas. A autopsia revelou que fora assassinado com dois tiros no rosto e um no peito.

A cada dia que passava o clima ficava cada vez mais pesado na delegacia de Santa Cecília. Joana, que viera substituir Guilherme Pádua, porque o prefeito o achara incompetente para resolver três crimes, já contava com mais três assassinatos, e um atentado contra um policial, e não conseguira identificar o bandido, que tudo indicava ser o mesmo. E parecia seguir um esquema. André, Valquíria, Benedito e Jorge tiveram a casa revistada. Na seqüência dos assassinatos, todos tiveram contatos entre si e se encontraram na véspera dos assassinatos. Joana começou a ligar os fatos, e um fato lhe ocorreu. Chamou Gina e Tom e foram para o hospital para falarem com o policial Adelmo.

Adelmo parecia melhor. Porém o acidente lhe causou traumas nas vértebras, e ele ficaria por um tempo sem poder andar. Talvez para sempre. Ele recebeu os policias com um sorriso. Estava mais calmo que de costume:
- Vejo que vieram buscar seu melhor policial. Desculpe delegada, mas se for para correr atrás de bandido, por uns tempos estarei com certa dificuldade.
- Mas és forte, Adelmo. Em pouco tempo poderás correr atrás do bandido que quiser, mas agora preciso mais de sua memória. Quando Jorge Salas, o peruano, morreu, você foi até a casa dele e encontrou três mulheres. Quem eram?
- Bem doutora, achei irrevelante no momento. Eram professoras amigas dele. A dona Ângela, a Sandra e a jovem Beatrix.
- E no dia em que você foi atropelado, você disse perseguir a jovem Beatrix, porque ela estava na casa do tal Jorge.
- Sim. Ela estava saindo da casa dele... Espere, tem uma coisa que havia me esquecido. Tinha mais alguém lá. um vulto, não sei. Mas tinha alguém lá.
- Era a Sandra. Tenho certeza
- Mãe, - intervém Gina, achando absurdo que tal hipótese, - a professora Sandra era amiga do Jorge, e mais, ela estava cuidando da mãe doente.
- Gina, ninguém, pelo que me informei ninguém sabe ao certo se ela realmente tem mãe que mora aqui perto. E mais, seguindo a lógica do assassino, tudo levaria até ela. Todas as vítimas eram ligadas umas as outra. O André era namorado do Valquiria e amigo do Benedito. O Benedito, uma noite antes da Valquiria morrer, estava jantando com o Jorge e com a Sandra. O Jorge morreu, e pela lógica, a próxima seria a Sandra. Mas ela persegue a jovem Beatrix, que estava buscando algo na casa por saber alguma coisa, atropela a testemunha, no caso o Adelmo, e mata a Beatrix. Se esconde Deus sabe onde, e volta com um álibi pefeito. Tom, verifique o endereço da mãe da Sandra, e Gina, busque informações da estação rodoviária ou nos postos de gasolina da região se alguém via a Sandra saindo da cidade. Pode ser apenas uma intuição, mas tenho quase certeza de que a Sandra está envolvida com isto. E você, policial Adelmo, melhore logo.

Antonio e Gina saíram em busca de informações que confirmassem o paradeiro de Sandra. Na noite em que Beatrix foi assassinada ninguém viu Sandra sair da cidade, nem de carro, nem de ônibus. Descobriram que ela pediu muitas pizzas pelo telefone. Nada mais. Da família dela ninguém tinha o endereço.


CAPITULO XVII

Sandra notou a movimentação da policia. Sentia-se perseguida pelos policiais Antonio e Gina. Ela sabia que o livro não estava seguro em sua casa, e que eles sabiam algo de sobre o envolvimento dela com o livro misterioso que custou a vida de Jorge Sallas. O cerco estava se fechando.

Adelmo voltou de Curitiba. Estava na cadeira de rodas, não mexia as pernas. Os funcionários da delegacia combinaram uma festa na casa da delegada para comemorar sua volta. Algumas personalidade estavam presentes, como o prefeito Antony, Marina Reuter, a bibliotecária, e alguns professores da faculdade. Na festas, aos cantos comentava-se a fuga de Francisco e Judite, que abandonaram Antony e Ângela e reataram um amor depois de 19 anos. Comentavam também a ausência de Ângela e Herminia Ravasi, todas muito ligadas a eventos sociais.

Antonio e Gina, tinham assumido a organização da festa, em reconhecimento a bravura de Adelmo. Estavam exausto do dia inteiro de preparação. Não haviam esquecido o caso da Sandra, mas como tudo estava sendo sigiloso, e a Sandra estava vivendo normalmente, não haveria perigo de fuga. Antonio procura, a certa altura da festa um local para decansar, longe das conversas, fofocas e música. Desabou em uma cadeira da cozinha. Gina veio a sua procura, com dois copos de vinho:

- Então, o incansável policial já se cansou da festa?
- Este povo cansa qualquer um. Mas estou suportando por causa do Adelmo. Ele merece esta recepção.
- É, quando chegamos a esta cidade não fizeram nada para a gente. Chato né?
- Mas, quando você sai de um hospital, onde ficou muito tempo, por ter sido ferido em serviço, e ninguém fica feliz por você estar vivo é muito pior.
- Você já passou por isso? – Gina diz isto passando a mão no rosto marcado de Antonio. Uma imensa cicatriz que vai da orelha esquerda ao canto da boca. – o que foi isto Tom. Você nunca disse nada sobre você?
- O que se há a dizer, Gina. Fui pego pelos bandidos em São Paulo. Descobriram que eu era policial. Me surraram e para me deixarem a lembrança de sua força, me cortaram o rosto com uma faca em brasa. O delegado de minha área estava envolvido com o bando do tráfico. Todos queriam que eu morresse, o caos foi abafado. Quando sai do hospital, ninguém me recebeu, ninguém da delegacia veio me ver. Dias depôs descobri que tinha sido exonerado. Vim para o Paraná, e entrei na policia de novo. Isto é a minha vida.

Os dois são interrompidos pela delegada Joana, que esta visivelmente nervosa.

- Gina, estava procurando vocês pela casa inteira. Recebi um telefonema de um informante que viu a Sandra entrando na biblioteca pelos fundos. Está acontecendo alguma coisa. Vão, saiam pelos fundo, e não deixem ninguém perceber o que está acontecendo.

CAPITULO XVIII


Quando Gina e Antonio chegaram à biblioteca, notaram que uma das portas estava aberta. Entraram e notaram que as portas que levavam ao segundo andar estavam abertas. Seguiram pela escada e logo alcançaram a porta de dava para a tão famosa sessão restrita da faculdade. Um imenso labirinto de armários e corredores divdia a sala, aliada a escuridão, dificultavam a localização de alguém. Dentre os estantes avistaram uma luz, que parecia ser de uma lanterna. Seguindo a luz, encontraram o corpo de Sandra, com o crânio esmagado, ao lado de um globo terrestre de metal e um Lanterna, da qual provinha a luz que eles viram. Ela estava caída diante de um antigo baú de madeira.. notaram ao lado do baú, que um dos armários fora removido, e que atrás dele uma porta aberta, que dava para uma escada em caracol que levava a algo parecido com um porão.
O porão parecia ter sido construído como um labirinto, com muitas estantes de livros, muito escuros e com cheiro de mofo. armários, e uma escada em caracol. Perto desta escada, estava o corpo de Ângela Ravasi, que fora alvejado por tiros.

A sala onde se encontravam era ampla, ao lado da escada em caracol, havia uma porta de metal, aberta, e dentro um vulto.

- Chegaram tarde, policiais, perderam duas pessoas. E eu consegui os documentos que me dão posse absoluta de todos os bens de minha família na Itália.













FINAL

Pela voz e agora, que Gina iluminara o vulto com a lanterna puderam reconhecer a professora de física da Faculdade, Márcia. Ela esta com um roupa preta, e com um rolo de documentos em um mão e uma arma na outra.

- Professora Márcia, então era a senhora, mas porque? – Gina estava espantada, jamais suspeitariam da professora de física, que aparentemente não tinha nada a ver com os acontecimentos. Ela e Tom estavam com as armas apontadas para a professora, e Márcia mantinha a arma apontada para eles.
- Querem mesmo saber. A família Ravasi herdou da Igreja uma grande parcela em terras e jóias por seus serviços prestados à Inquisição. Uma área imensa em uma montanha, que pertencia a um dos acusados pelos Ravasi de bruxaria e heresia. Porém uma maldição parecia assombrar a todos que moraram lá. Os patriarcas da família Ravasi morreram todos do mesmo modo. Coincidência apenas. Inocenzo Pio Ravasi, filho do ultimo da família a morar lá, após a morte se seu pai Andréas, veio para o Brasil. A propriedade ficou fechada, as cuidados do governo Italiano, que queria conservar as construções históricas. Inocenzo Pio trazia um documento que dava a posse ao portado do mesmo. E a propriedade e a jóias somente poderiam ser restituída a família com a apresentação deste documento. Ele escondeu este documento no porão de sua casa, construída justamente abrigar este documento e esperava que ninguém mais de sua família entrasse naquelas terras amaldiçoadas. Os segredos das passagens secretas, pistas e dicas ele escondeu com um código próprio escondido dentro do Manual do Inquisidor. Este segredo foi passado para seu Filho, Tomaso, que como era supersticioso, não tivera coragem de se aventurar, e passou este medo a seus filhos, Ermino e Ângelo. Toda a família Ravasi sabe da maldição que acompanha o livro proibido e jamais tiveram a curiosidade de conhece-lo.
- Mas – Gina, sempre com a arma apontada para Márcia, interrompe o silencio que ela e Tom faziam ao ouvir a história – como você obteve a informação? Isto parece ser segredo de família?
- Com certeza minha cara. Segredo de família. Mas, você deve saber das aventuras de Erminio. Ângela, este verme que vocês estão vendo no chão, não era filha de Ângelo, mas do irmão dele. E acham que Ermínio teve aventuras somente com a cunhada. Ele amou minha mãe. Viveu com ela por muitos anos escondido, nos fins de semana. Ele era meu pai. Quando meu marido morreu, o sentido de viver falou mais alto. Queira mais que a vidinha medíocre de professora que levava. Me lembrei desta história maluca que meu pai contava, de um tesouro amaldiçoado, com os documentos escondidos em um porão, cujas orientações estavam escondidas em um livro proibido. Papai sempre disse que isto era conto de fadas que envolviam sua família. Ele brincava que desde Maria Pia, nenhum mulher ocupara o posto de chefe da família. E que estava chegando a hora, pois ele e só tinham meninas, e que uma mulher libertaria as propriedades da maldição. Quando perdi me esposo, resolvi levar esta história a sério. Se existia um tesouro, ele seria meu. Busquei me aproximar de Ângela, para saber mais informações da cidade e da família Ravasi, de Ermínia e Elza. E foi ai que a Ângela me contou que tinha uma vaga de professora de Física na Faculdade. – Márcia já não parecida preocupada em manter os policias na mira, falava com uma desequilibrada, demonstrando uma grande frieza e ódio. No dia em que resolvi visitar a biblioteca, o André me pediu autorização para entrar lá. Percebi que o baú fora aberto. Só podia ser ele. Na ultima vez que ele foi a biblioteca, ele roubou o meu livro. Eu o segui, e vi a briga que ele teve com a garota, e a hora em que derrubou a mochila. Não suspeitei que o livro pudesse estar lá. fui até a pensão cortei os cabos de energia. Como estava chovendo, todos pensaram que foi uma queda de força. Ele abriu a porta e me reconheceu. Matar ele foi fácil. Quando fui procurar o livro, percebi o erro que havia cometido. O livro estava na mochila. E agora estava com a Valquiria. Precisava esperar a oportunidade de ela estar sozinha, e de o caso do André abafar. Quando o pai dela foi viajar, foi o momento. Mas o livro não estava com ela. Uma noite, ouvi o Benedito comentando com o Jorge sobre um livro em latim. Por sorte, minha casa é vizinha da casa do peruano. Tinha que ser o livro. Fui até a casa do Benedito e o golpei, amarrei-o e o torturei antes de mata-lo. Ele me contou como conseguiu o livro e que havia o mandado para o Jorge, para que ele o entregasse para a Sandra. Me encontrei com o Jorge na cerimônia no teatro, e conversamos. Deu tempo de colocar um veneno no café dele, e voltar para a platéia sem que ninguém percebesse. A Sandra não sei, como descobriu a história do livro, e foi até a casa do Jorge para pegá-lo. Ele havia escondido em um local que eu não consegui encontrar. Ela entrou na casa do Jorge. Fiquei em casa aguardando. Quando vi um vulto saindo pela porta se escondendo, fui para o carro. Mas não era a Sandra, era a Beatrix que eu havia seguido. E o policial estava para aborda-la. Tive que atropela-lo e sequestrar a garota. Ela confessou que a algum tempo ela e Jorge estavam curiosos para saber o que continha no baú, se a história do livro era verdadeira. Ela achava que o Benedito havia avisado a Sandra sobre ele. Tive que mata-la. Ela já tinha levado um tiro no ombro. Mais um na cabeça foi fácil.
Esta noite sabia que todos estariam na festa. Vi a Sandra entrando na Biblioteca, e a segui. Mas notei que havia mais algum lá dentro. Era a Ângela. Ela e Sandra conversaram sobre algo. Parece que a Sandra e ela estavam combinadas. Ela sabia da história do livro. De repente, Ângela acerta a cabeça de Sandra com algo. Ai foi só seguir a idiota da minha meia-irmã e descobrir a abertura da sala onde estava guardado por tantos anos este documento.

- Mas agora, você está presa, professora Márcia!
- Sim policiais, vocês venceram. Mas vejamos. – Márcia joga sua arma no chão - Vocês vieram caçar a Sandra. A encontram morta, e o globo com que ela foi golpeado tem as digitais da Ângela. Vocês trocaram tiros, ela foi atingida. Ela era a assassina. – com um movimento rápido Márcia acende um isqueiro que estava em sua mão e o joga em um monte de livros e papeis, que estava encharcado com combustível – você morrem queimados como heróis e a cidade toda me esquece. – Um barulho de explosão, e um forte clarão ilumina o local, e Márcia se aproveita da ocasião para fugir entre os livros. Antonio começa a persegui-la, enquanto Gina tenta apagar o fogo. Márcia consegue alcançar a escada. Enquanto Antonio para ajudar Gina:
- Gina, vamos, isto já esta condenado. Ainda temos tempo de alcançar a Márcia.

O fogo já estava começando a tomar conta do porão. Márcia também colocou fogo em alguns pontos da parte de cima da biblioteca, onde livros antigos já ardiam. Mas ela esqueceu-se de fechar as portas, em sua pressa de fugir. Caso contrário eles não teriam chances. Gina, pelo celular, avisa sua mãe, para que chame os bombeiros. Mas quase não há chances de salvar a famosa biblioteca. Quase tudo era de madeira. Somado ao papel dos livros, é uma presa fácil fúria do fogo.

Márcia estava fugindo em um carro branco, que os policiais viram na entrada da biblioteca. Fora fácil reconhece-lo. Ela tomara a rodovia de saída da cidade, e alguns quilômetros adiante pegara o atalho que leva a pedreira da cidade. Antonio e Gina estavam em sua perseguição, Gina, ao volante, e Antonio tentando parar o carro, atirando contra seu pneu. Um dos tiros atingiu o vidro traseiro do carro, e nesse momento o carro de Márcia perdeu a direção e voou em direção à ribanceira formada na pedreira.

O carro capotou algumas vezes. Quando ele parou, Tom desceu com certa dificuldade para tirar Márcia do carro. Ao lado dela estava o rolo com os documentos. Ela sangrava um muito, mas ainda estava viva. Quando Tom consegue retira-la do carro, e estão a uma pequena distância, o carro explode, arremessando os dois barranco a baixo.

- Tom, você está bem? – Tom está deitado ao lado do corpo de Márcia. Ela esta morta. Percebem que ela tem uma marca de tiro nas costas. O tiro que atravessou o vidro traseiro do carro a atingiu.
- Sim Gina, só um pouco tonto. Acabou Gina. Sua mãe pode dar por concluido o serviço de caça ao serial killer. Eu agora só quero um pouco de descanso.

Algumas semanas se passaram desde a morte de Márcia e a conclusão das investigações dos crimes que assolaram Santa Cecília. Ermínia Ravasi viajou de férias para se refazer do choque. Elza assumiu a direção da Faculdade. Antony deixou o cargo de prefeito, e desapareceu da cidade. Antonio Pediu um mês de férias, e foi visitar a família em São Paulo. A delegada Joana e o policial Adelmo estão namorando. Parece que tudo corre bem em Santa Cecília. Somente Gina que sofre calada de saudades de Antonio.

- Gina, preciso falar com você? – a delegada estava um pouco nervosa – Eu recebi um telefonema da policia de Curitiba. Eles souberam pelos jornais que Antonio Candido ajudara neste caso. Mas Antonio Candido está morto.
- O quê? O que a senhora esta dizendo? – Gina desaba na cadeira. Parece que o mundo sumiu sob seus pés. – Mas mãe, como pode...
- Ele se afastou da policia paulista por um tempo. Depois veio para o Paraná e entrou para a Policia Civil. Quando surgiu o caso, o mandaram para Santa Cecília. Mas recentemente encontraram o corpo em adiantado estado de decomposição. Só puderam reconhece-lo pela arcada dentária e depois por DNA. Foi ai que eles viram a foto do Antonio que trabalhou conosco no jornal. O verdadeiro Antonio Candido nunca teve cicatriz no rosto....




EPILOGO.


Roma, 2000

Um carro percorre as ruas de Roma, seguindo em direção ao campo. Uma enorme vinícola, que circunda um imenso casarão construído em uma montanha. Ali foi o berço do poder da família Ravasi.
O jovem que dirige o carro para. Ele veste-se de preto, tem o cabelo comprido, caído no rosto, à esconder um marca que carrega na face esquerda. Para, e pelos óculos escuros, olha a plantação. Seu nome é Tomas von Reichbeger.

- Antonio Candido. Foi fácil incorporar este personagem. Quando descobri que um policial de Curitiba vinha para Santa Cecília, foi fácil arquitetar o plano, e tomar seu lugar. – o jovem fala em voz alta, com um sorriso de vitória no rosto sombrio.

Segue com o carro, e passando por uma porteira de madeira, muito bem cuidada, para o carro no pátio do imenso palácio. Tem um rolo de papel nas mãos. Apresenta-se ao porteiro, e em italiano, conversam por alguns minutos. Pareciam espera-lo.


Ele segue por uma ampla sala, decorada com móveis do século XVII. Passa por um imenso corredor, com os quadros dos patriarcas da família. Chega ao pé de uma escada que leva à torre mais alta do castelo. É escuro. No fim da escada uma sala. Alguém esta sentado a espera-lo.

- Esperando por mim a muito tempo, mamãe?

Ermínia Ravasi se vira e vem receber o filho.

- Tomas, que bom que possa me chamar de mamãe livremente meu filho. O tempo todo que estiveste em Santa Cecília, mal pude te ver. Quanto tempo meu querido. Desde que fui obrigada a te mandar para a Suíça com teu pai, para que não fosse descoberto por meu marido.

Mãe e filho se abraçam. Ermínia a muito queria ser abraçada por seu filho, fruto de um amor proibido. Quando engravidou, estava viajando pela Europa. Permaneceu por doze meses, a pretexto de fazer um curso. Quando teve a criança, entregou-a ao pai, um relojoeiro suíço, para que o criasse. Quando ela ficou viúva, e logo depois o relojoeiro também morreu, o jovem Tomas veio para o Brasil, onde foi educado em um internato, e mantinha correspondência por carta com Erminia. Se viam apenas algumas vezes por ano.

- Aqui está mamãe. O documento de posse destas propriedades. Foi somente seguir a tia Márcia, que estava matando feito uma louca. Me passar por policial foi fácil. Conhecia todos os passos dela.
- Mas, porque você não a pegou antes?
- Simples mamãe. Eu sabia que mais dia, menos dia, chegaríamos ao local onde fora escondido estes documentos. Porém, se pegássemos o livro antes, ele iria fazer parte do processo, e ai, adeus. E mais. Se descobrissem que a Márcia estava procurando algo, o resto da família iria querer saber, e ai complicaria mais ainda. Quando deixei ela fugir, e na perseguissão atirei em seu carro. O tiro pegou no tanque, e começou a vazar combustível. Dei um tiro no vidro traseiro, e a Gina pensou que tinha atingido a Márcia. Mas não tinha. Ela ainda estava viva. Retirei ela do carro e o peguei os documentos. Quando o carro explodiu, aproveitei o barulho e atirei nas costa dela. Foi um plano perfeito.

Ermínia aproxima-se da janela, que dava para ver toda a propriedade, e abaixo da janela, o abismo em que estavam os corpos de alguns de seus antepassados. Ela sorri.

- Finalmente, tudo o que foi de meus antepassados, e que o medo de meu avo nos tinha privado, hoje é meu novamente. As terras, as jóias. Tudo meu.
- Você quer dizer, meu, Ermínia Ravasi. Meu! Não achas que teria este trabalho todo pra você, não é? Tomas tem uma arma apontada para Ermínia.
- Filho, o que pretende fazer? Socorro!
- Não adianta gritar. O único funcionário daqui foi para a cidade a pedido meu. A pessoa mais próxima daqui está a quilômetros. Ninguém sabe de minha existência como filho seu. Somente você sabe nossa história. Adeus Ermínia.

Tomas atira seis vezes contra Ermínia, que cai pela janela. Sendo enterrada pelo precipício. Ninguém ouve. Ninguém vê. A morte mais uma visita a família Ravasi.
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