Astrologia? Superstição. Astronomia? "Rainha de todas as ciências". Ao tomar consciência de si mesmo, o homem olhou para o céu. A leitura dos sinais celestes orientava o plantio, a colheita, as navegações. Mas no Brasil, a astronomia nada significa, não tem importância, não merece apoio. Cultura, no Brasil, é samba, futebol, carnaval.
Procurado por cientistas, estudiosos e pesquisadores em universidades, mas também por amadores curiosos e dedicados, seu Leonel não quer passar nenhum dos seus conhecimentos. Coisas que levou 45 anos para descobrir e aprender sozinho, não seria justo passá-las de graça às mãos de gente que talvez nem saberá zelar por elas.
Na cozinha da casa, laboratório improvisado, um espelho em polimento. Horas, dias, meses até a perfeição necessária. Usa vidro grosso, comum, friccionando-o sobre um molde feito em breu, material que não se gasta facilmente, em movimentos contínuos e meticulosos. Tudo à mão, sob a vigilância de medições freqüentes e rigorosas. Os resultados são comparáveis ao que se consegue com o melhor pirex importado.
Matemática, nunca estudou. A precisão lhe advém da força de vontade. Livros? Só em francês, alemão, espanhol ou italiano. Mas se não conhece nenhum desses idiomas? Ilustrações e fórmulas matemáticas, seu Leonel viveu a verdade de que uma imagem vale mais do que mil palavras. Assim se tornou o único cidadão brasileiro a deter preciosos conhecimentos na área do vidro e da ótica de precisão. Os outros, mesmo os muito bons, chegam, se tanto, às lentes de superfície esférica. O "plano" é uma das coisas mais difíceis.
Ainda que desnecessárias para seu domínio técnico, ele avançou igualmente no conhecimento de superfícies elípticas, parabólicas e hiperbólicas.
Seus produtos estão espalhados pelo país, levados por caminhões de transportadoras e montados no local de destino. Um telescópio deve permanecer fixo. Mesmo os pequenos, para uso caseiro, não devem ser levados de um lado para outro.
Aparelhos prenhes de sutis delicadezas, filigranas, qualquer problema, telefonar para o construtor. Quando insistem e lhe pagam a viagem, desloca-se para orientar a montagem. O maior deles está em Fortaleza, com 300 milímetros de diâmetro.
Atrás de efemérides, esteve no Chile, Argentina, Caribe, Ilha Margarita, Aruba, nordeste do Brasil, lugares privilegiados para a observação. Nisso vai o dinheiro ganho com a labuta.
Para ensinar, pede bem alto. Quem sabe o freguês não desiste?! Não quer passar conhecimentos. Que se lancem ao trabalho, que se apaixonem como ele fez. Daqui a uns 45 anos, talvez, saberão algo do que ele sabe ...
Vai ser difícil saber tanto quanto esse que nos fala com segurança, nenhuma empáfia, voz pausada e tranqüila, olhos nos olhos do interlocutor.
Ciência e poesia convivem despreocupadas nos amplos cômodos dessa casa muito antiga: caixas espalhadas, espelhos, lentes, cartas, remédios, revistas, telescópios em montagem, peças e aparelhos no chão, amontoados de coisas em cima das mesas, mapas, fotografias, frascos com produtos químicos, os poucos móveis. E um forno de microondas para esquentar a comida.
Na Rua Zero, já vive há quase 30 anos. Nascido e crescido em Araraquara, passou alguns poucos anos apenas, bem jovem, em São Paulo. Mas gosta daqui, porque aqui nasceu e vive.
[continua]
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