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cronicas-->O encontro com o jovem que fomos -- 06/11/2002 - 19:58 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Certo dia conversando com uma amiga sobre a vida, anseios e desilusões e, logicamente, conjuntura política estadual, ela disse uma frase muito interessante. Encaixou perfeitamente nas nossas reminiscências e análises políticas.
Disse-me ela.
"Não podemos decepcionar o nosso eu jovem. Não podemos trair o jovem que fomos". E completou. "Como seria um encontro com a tua juventude?".
Não devemos negar, pura e simplesmente àquele jovem, mas fazermos releituras constantes do que éramos e do que somos. O jovem que fomos era cheio de sonhos. Sonhava com uma improvável revolução socialista mundial. Sonhava com um salário digno e um emprego decente. Éramos jovens e cheios de vida.
"Hoje, passados todos esses anos, como seria o encontro de você com o jovem que foi você?"
O que ela queria dizer ao afirmar essa frase?
Dizia que, algumas premissas e conceitos, basilares em nossa trajetória, não deveríamos negar sob hipótese nenhuma, visto que poderíamos estar traindo a nossa juventude, por mais rebelde que tenha sido e por mais moderados que sejamos hoje.
Esse encontro com a nossa juventude não tem dimensão é atemporal. Uma pessoa poderá proporcionar-se esse encontro. Eu poderei marcar esse encontro comigo jovem. Só não poderei marcar esse encontro comigo mais velho, pois aí teríamos apenas previsões e pouca análise. Apenas elucubrações.
Eu diria para o eu jovem que alguns anseios ficaram aquém do esperado. Sonhos ficaram inconclusos. E o mundo de hoje não era lá bem o que esperava encontrar. Mas também não é aquela catástrofe que a gente pintava. Diria, ainda, para ele estudar menos e se divertir mais.

- Deixa de ser bobo cara, ao invés de ficar estudando álgebra linear num sábado à noite, vá para as festas. Não precisas fazer o curso de engenharia em quatro anos e meio. Tu vais ficar meio ano a mais desempregado que seus colegas.
O que será que o meu eu jovem responderia.
- É, mas tu ainda não conseguiste tudo o que planejei. Eu planejei ganhar U$ 8.000,00 por mês. Ontem quando tu disseste quanto ganhava eu quase tive um ataque de risos. Coroa, teu salário é risível.
- Mas eu tenho uma casa, um carro e um emprego razoável.
- Tudo bem coroa... vou te dar mais um tempo. Até os 50 para chegar ao salário planejado. Coroa, quando tu casaste?
- Casei com vinte e oito anos.
- Bah! Daqui a oito anos, que foi que ouve? A esposa é essa que eu estou agora?
- A morena da faculdade?
- Essa mesmo.
- Não. É outra.
- E filhos, quantos temos. E com que idade?
- Um casal de filhos e são maravilhosos. A idade deles eu não vou dizer. Suspense. São inteligentes e bonitos. No momento certo tu verás.
- Coroa murrinha. Será que eu vou ser tão chato assim lá nos quarenta?
- Quarenta e dois, meu garoto.
- Inteligentes e bonitos. Pelo menos alguma coisa boa nesses vinte anos, hein coroa?
- Nesse ponto fique tranquilo.
- E na política? Eu quero fazer a revolução socialista, que será o atalho para a verdadeira sociedade anarquista. Um mundo sem classes e patrões. Sem explorados e exploradores. Hoje o imperialismo americano...
- Peraí garoto! Eu era assim?
- Não, eu sou assim... assim como?
- Revolucionário? Anarquista? Eu não me lembro bem dessa parte.
- Mas como? Já esqueceste como tu eras. Que fim levou a camiseta com o (A) dentro de um círculo. Não lembra mais das passeatas pedindo o fim da censura? Não vá me dizer que virou reformista.
- Reformista não, moderado. E além do mais eu lembro muito bem das passeatas.
- Como tu achas que os trabalhadores chegarão ao poder? Pelo voto? A classe trabalhadora só chegará ao poder através de uma ruptura institucional.
- Te peguei garoto, os trabalhadores chegaram ao poder. Lembra daquele metalúrgico barbudo lá do ABC?
- O Lula?
- Sim, foi eleito democraticamente pelo do povo Presidente do Brasil. Estamos numa democracia garoto e tu me vens falando em revolução.
- Não acredito, nem vem que não tem. Só porque tu estas aí com 20 anos de vantagem quer me aplicar umas atochadas. O Lula eleito pelo voto. Era só o que me faltava. O Lula é o presidente do Brasil?
- E o PT tem a maior bancada na Càmara Federal.
- Tchê! Tu estás delirando. O PT tem um vereador em Porto Alegre e mais nada.
- Pois é, esse vereador se elegeu vice-governador na chapa do PMDB coligado com o PSDB.
- O Antonio Hohlfeldt não é mais do PT?
- Não. Os tempos mudaram. O mundo mudou.
- Se não ouve uma revolução, o mundo não mudou. Os trabalhadores continuam explorados e espoliados. Velho, diga-me outra coisa, o Mario Amato, o Sarney e o ACM estão vivos?
- Estão vivos e apoiaram Lula nas eleições.
- Assim não dá, chega de papo contigo. Tu não és eu amanhã, tu és outro cara, e eu já estou ficando preocupado com o meu futuro. Imagina! Eu com quarenta anos e transformado num reformista de araque. Fazendo política chinfrim.
- Assim não dá mesmo. Quando tu tiveres quarenta anos serás moderado como eu sou agora. Eu estarei com sessenta e serei um velho anarquista, afinal eu tenho uma veia anarquista adormecida. Vamos ver quem será o reformista. Aí eu é que vou me divertir. Até mais garoto.
- Mas que coroa doido! Lula presidente... eleito pelo voto do povo... me aparece cada um. Chega mesmo que eu tenho que estudar para a prova de Cálculo Infinitesimal I. Tchau coroa, um beijo nas crianças.
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