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Contos-->Dois Anjos -- 13/02/2003 - 13:06 (Aniello Olinto Guimarães Gréco Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O alvo já estava selecionado antes mesmo dele perceber. Ela possuía todos os pré-requisitos: alta, entre 25 e 30 anos, cabelos morenos e olhos claros. Bonita, muito bonita. E uma pele tão branca como a dele, porém ainda mais suave.

Gabriel a conhecera em uma exposição de armas e armaduras medievais, no Museu de História da Prefeitura. E não foi diante de uma brilhante porem banal armadura gótica que eles se encontraram. Ela observava um punhal simples, de cabo nada ornado, destes usados por mulheres e homens que tentavam um ataque pelas costas. Uma simples arma de um assassino.

Com sua costumeira facilidade, Gabriel puxou assunto. Em dois minutos explicava a história por detrás do punhal, que um dia já fora de Heloísa, amante de Abelardo. Em quatro contava a história trágica deste casal medieval. Em seis descobre o nome e telefone da vítima. Ângela engolira cada palavra de sua trabalhosa e convincente mentira cercada de erudição medieval como quem bebe na fonte da sabedoria.

Dois dias depois se encontram em uma mesa de uma casa noturna. Debaixo do longo agasalho dela há um deslumbrante decote cercado de veludo vermelho e uma saia preta que quase não permite suas pernas se mexerem. A saia lhe dava um andar um tanto desequilibrado, e a obrigava a andar de tal modo que parecia mais deslizar do que dar passos, e ainda lhe dava um leve rebolado. Era uma roupa ao mesmo tempo elegante e exagerada, usada por uma mulher sofisticada mas também puta.

Ele e seu clássico terno preto, camisa branca, gravata preta e bengala quase destoava de sua companheira. Era como se um cavalheiro da década de 1920 encontrasse uma mulher solteira e rica do século XXI, pronta para caça. Mas mesmo assim algo em comum entre eles estranhamente se sugeria.

A conversa é essencial para saber se o alvo é válido para todo o processo, e Gabriel sabe disso. Por trás do porte altivo e elegante, Gabriel nota que no fundo Ângela está lá apenas atrás de um macho adulto branco com um pênis. O riso forçado das piadas já conhecidas, o olhar enigmático direto no olho, e o muito estudado (mas não o bastante para olhos treinados como o dele) hábito de fingir beber enquanto seu parceiro bebe sinceramente.

Mãos se tocam, lábios se encontram, línguas se provam e se aprovam mutuamente. Gabriel por fim olha bem fundo no olho de Ângela. Busca na janela da alma dela algo de sincero e de puro, vasculha cada gesto e lança por fim o veredicto: ela é apenas uma puta com sede de sexo, como tantas outras. É hora de dar o passo final.

O convite para ir ao quarto de hotel é prontamente aceito. O casal entra no quarto, ambos com instintos a flor da pele. Mas são instintos completamente diversos. Os olhos de Ângela buscam os de Gabriel enquanto suavemente o longo agasalho cai no chão. Igualmente suave é o movimento de Gabriel, destacando o topo de sua bengala.

Um brilho metálico surge no quarto. Rápidas e precisas, as mãos de Gabriel buscam o décimo terceiro par de olhos de sua coleção. Os jornais locais em breve noticiaram mais um assassinato do oculista. Nome ridículo, Gabriel pensa, enquanto inicia a breve e fatal dança que lhe deixa perto dos deuses.

Um giro de corpo, um punho quebrado, e o duro e frio metal entra na carne latejante. A sensação de um balão furado perdendo o gás vem antes da terrível dor da lâmina torcida em suas entranhas. Mas a dor vem rápida o bastante para segurar o grito.

Os joelhos batem dolorosamente no carpete que começa a se tornar vermelho sangue. Gabriel olha para cima e vê o sorriso pavoroso de Ângela. A faca escondida em sua bengala esta nas mãos de Ângela, e em sua barriga está alojado um punhal medieval que nunca pertencera a Heloísa. Uma simples arma de um assassino.

As mãos vão dolorosamente de encontro ao punhal, mas uma das mãos está inutilizada e a dor torna a primeira tentativa de retirá-lo inútil.

- Isto vai apenas acelerar a hemorragia, melhor deixar aí. Eu atingi uma veia, e ao retirar o punhal acho que você não teria mais de trinta segundos de vida. Com ele te dou uns três minutos.

A voz já pouco parece com a da mulher na casa noturna. Ressoa na cabeça de Gabriel, onipresente e ao mesmo tempo distante. O corpo cede de vez, ombros e rosto se juntam aos joelhos no contato com o carpete.

Os olhos de Gabriel tentam freneticamente achar uma salvação. A porta está fechada, o telefone a mais de dois metros. Ele se arrasta, usando todos os músculos, mas mal se move. É difícil dizer o que dói mais, se é se arrastar, tentar gritar ou olhar novamente o pavoroso sorriso de Ângela. Seu grito de ajuda é tão baixo que a assassina não escuta (ou finge não escutar).

Ela se abaixa, e Gabriel se pergunta se as presas são alucinação devido a perda de sangue, ou se são reais.

- O punhal era meu, e eu queria recuperá-lo. Fazia 120 anos que não empunhava minha arma favorita. Eficiente arma, não acha meu caro Gabriel, ou devo dizer "Oculista"? Bom, eu lhe ofereço o céu e o inferno.

Ela torce o punhal. O coração de Gabriel pulsa dolorosamente. Como diabos ela sabe? - se pergunta Gabriel.

- Corpo ou alma. Escolha com qual você quer ficar meu caro. Você que adora matar, ama mais a morte ou a vida? Só pode salvar um deles agora. Prefere viver ou morrer?

Mais uma torção de punhal. O coração bate novamente. Gabriel não sabe se o que cobre sua testa é suor, sangue ou cobre derretido. Vaca vampira, puta desgraçada, você é como as outras que eu matei - pensa Gabriel. O coração bate mais uma vez, desta vez mais fraco. Porém o som da batida é ensurdecedor para Gabriel. Ele sabe que o coração tem mais uma ou duas batidas a mais em seu estoque.

- Escolho a morte, sua vaca!

Calmamente Ângela se delicia com o sangue de Gabriel. Um pouco dele se espalha sobre a camisa, dando um novo tom de vermelho. Gabriel morre...

- Abra o olho querido!

Gabriel vê sua lâmina pela última vez, lentamente arrancando primeiro o olho direito, depois o esquerdo. Não há dor depois da morte, ele descobre. Mas se surpreende ao pensar em quão gostoso seria beber o sangue em suas próprias órbitas oculares. Agora ele sabe, sua coleção de olhos está completa. Infelizmente nunca poderá olhar a coleção completa.

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