Discriminando minha perene solidão com o não entendimento entre o meu ser e a vida, foi que resolvi comprar uma parabólica.
Tinha certeza que, com tantos canais, meu ritmo de solidão diminuiria e, eu, impávido, poderia deixar de bolinar com as mulheres e me retirar para um ambiente onde, diziam, ter uma imagem pura e um som de excelente qualidade.Além de dezenas de canais.
Os homens instalaram minha parabólica, envoltos em fios e parafusos. A luz brivalhava na lataria cóncava da parabólica e me expandia de alegria.
Depois de repassar a limpeza no local do assentamento da parabólica, para minha ajudante, minha casa ficou parecendo uma Embratel empobrecida. Uma anteninha, mas que dava inveja aos vizinhos. Eu fazia parte agora do novo mundo.
Com o controle remoto nas mãos parti para a devassidão:procurar os canais com muito sexo e mulher.
De cara, encontrei uma senhora-moça que, averbada com um vestido pálido, até a garganta, falava das dificuldades que sua igreja vinha passando para saldar suas dívidas e apelava para os corações bondosos para que contribuissem com qualquer quantia, através de um boleto bancário. E mostrou o boleto e pediu que cada um desse o que pudesse pois a fatura da Embratel estava alta. Abriu um envolope de onde sairam santos,um terço e vários papéis onde se pedia um auxílio imediato em dinheiro vivo.E débito automático.
Mudei de canal. Entrei na TV Canção Nova, cuja mulher, sempre com um sorriso nos lábios, dizia das dificuldades pelas quais a emissora passava junto à Embratel.
Eles já tinham coletado junto a seus membros 30% da cota mensal deste mês. Faltavam 70%. E ela, suplicante, pedia a adesão de fiéis para a campanha.
Por isso cada telespectador deveria contribuir através de uma imensa rede bancária o quanto pudessem. Ela avisava que cada um receberia em casa a tal fatura que, de preferência, deveria ser através de débito automático. O fiel poderia também telefonar pra lá e se inscrever pagando R$ 2,30 pelo prefixo 0300.
Mudei de canal. Fui parar na Rede Vida que pedia ajuda para se manter no ar, já que os custos para manter a emissora no ar eram altos. E desfilou mais agência de banco do que escola de samba. Uma tarja, em baixo, na tela, dava o nome do banco, a agência,endereço etc.
Mudei de canal. Desta vez tinha liberado geral, pois o pregador pedia abertamente que os fiéis ajudassem a emissora pois os custos para se manter no ar eram caríssimos. Ele conclamava o diabo para medir forças com sua fé. Satanás não apareceu, mas muita gente desmaiava no auditório. Uns entravam em transe e era amparados pelos seguranças.
Em troca, cada fiel, seria bento e suas preces atendidas. Era um senhor gordo que falava embrulhado,e que a primeira vista , assustava.
Depois que falava, assustava ainda mais. Na telinha, aparecia apenas uma agência bancária(Unibanco), onde os fiéis poderiam fazer seus depósitos. De preferência, pelo débito automático que, uma vez feito, você tem que contratar até advogado para sair.
Mudei de canal . Encontrei a Record que contava em detalhes um crime passional. Fui ao SBT: a a presentadora contava quem dormiu com quem, na noite anterior. Passei por corridas de cavalos. A TVE apresentava e mostrava uma fila de dobrar quarteirões, já que todos tinham sido lesados por lojas, bancos e pela Telemar. A Rede TV mostrava um gay que amava outro gay.
Andei mais um pouco e encontrei um pastor milagroso. Ele fazia as pessoas enxergarem. Quem não andava, passava a andar, quem não via, passava a ver na hora. Coisa de louco!
Depois do demónio ser exorcizado. Nem Jesus conseguiu tantos milagres na vida. Era só o pastor colocar a mão no deficiente, e pronto, o milagre tinha sido realizado. Na telinha vinha em baixo outra tarja dando o nome dos bancos que recebiam doações para os milagres.
Uma terrível desilusão me abateu. Comprei uma Igreja, não uma parabólica. Quem também tá faturando alto é a Embratel que abriu as portas para o Reino de Deus.
Mas, restava a Globo. Num ambienta palacial e enebriante,com mais de 10 càmeras,num cenário espiritualmente divino, lá estava o pe. Marcelo,que,felizmente, não pedia dinheiro. Só anunciava que já estava em todas as lojas seu novo CD, cuja renda seria revertida para casas de caridade. Ainda bem....
Ainda bem que devolvi a parabólica e comprei um DVD.
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