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Cronicas-->ESPíRITO DE NATAL -- 09/11/2002 - 18:25 (Paulo Vogel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
I - A terceira lei
- E 2003? Será que vamos continuar nessa bagunça?
Estava distraído, espreguiçado na cadeira da sauna do condomínio, observando aquele senhor, meu vizinho de prédio, parecido com.. já sei! Yves Montand (pelo menos com isso minha mulher concordou). Ele se enxugava depois da chuveirada. Ninguém mais. Eu, único interlocutor de um papo... bem, isso é o que vou contar.
- É, tem muito safa... - Não terminei a frase.
- Isso tudo - ele me atropelava - podia acabar só com 3 leis. A primeira só iria dizer o seguinte: só vota quem paga Imposto de Renda. É uma lei elitista, concordo. Mas acaba com o comércio de voto em troca de telha, tijolo e outras coisas. O cidadão que paga imposto vai votar no político que apresentar a melhor proposta para aplicar o dinheiro que ele pagou.
E continuou falando, caminhando pra lá e pra cá, e olhando pra mim. Num momento, até curvou-se um pouco para segredar-me ao ouvido a lei tão simples e tão óbvia, talvez com medo de alguém surrupiá-la no ar e se fazer autor e angariar as glórias perante a nação.
Eu me deliciava tanto com seu jeito simpático e sua lei maluca, que não ouvi a segunda. Tento, faz dias, cavucar nos recantos da memória uma ponta, um fio de meada, mas nada. Lamento, mas vou dever ao país o enunciado de uma lei, por certo, tão simples e prática quanto a primeira.
- ... com estas duas - minha atenção voltava ao conteúdo do discurso - só precisaríamos de mais uma. A Suíça, todos sabemos, é depositária de todo o dinheiro sujo e ilegal do mundo, não é? Pois bem, a terceira lei é esta: a Suíça fica obrigada a fornecer os saldos de todo tipo de aplicação financeira dos candidatos a cargos públicos no Brasil. Pronto, não é simples?
Eu ia refutar com o mesmo argumento que deve estar passando pela cabeça do leitor, mas o senhor Que-Parece-Com-Yves-Montand não pretendia dar espaço para o que eu achava ou não de sua idéias. Ele mesmo cuidou de destruir sua formulação.
- Mas como ninguém pode obrigar país nenhum a fazer isto, então, não tem jeito, ano que vem, vai continuar tudo na mesma.
E sem me dar tempo de me surpreender, calçou os chinelos e, indo embora, acrescentou:
- Mas tudo isso é brincadeira. É apenas motivo para desejar um Bom Natal e um Feliz Ano Novo!
Só então percebi que ele não queria conversar. Bem que eu gostaria que ao menos ele tivesse ouvido eu responder: para o senhor também.
II - O omem da praça
O ábito é uma característica animal, instintiva. Prova é que no sábado, dia de Natal, casa dos meus pais, na tranquilidade do bairro Castelànea, em Petrópolis, fui procurar um jornal na banca depois da praça. Saber notícia de quê? Não sei.
Fui assobiando, mãos enfiadas nos bolsos largos da calça de linho. Passo sossegado, olhar nas recordações da infància. Lá no alto, por trás de nossa casa, no topo da escadaria, a casa do amigo mais querido, vizinho de Tostãozinho, um escurinho, pequenininho, molequinho safado, tomado como mascote da turma da rua. O Mudinho, os 3 filhos do farmacêutico, Carmem Lígia - a primeira namorada -, seus 5 irmãos e o pai, Seu Biscoiteiro; o Joãozinho, garoto mongolóide (adulto vim aprender o certo, Doença de Down), fazia mandados para os tantos Braun, morando todos em muitas casas da vila com o nome da família. Minha mãe jurava que ele tinha mais de vinte anos! Eu é que nunca acreditei que tivesse mais de 13 ou 14. Depois, lembrei de mim, dia de Natal, bola número 5, uniforme novo do Flamengo chuteira com trava, meião e tudo o mais! , tudo tinindo de novo, andando desajeitado no cimento da calçada ridículo!, oje sei, mas naquela época não, que o orgulha da camisa rubro-negra era mais forte que tudo.
Saindo dos devaneios, olhei a praça de tantas brincadeiras e vi um senhor, mais de 60 anos, sentado, olhando pra mim, fixo. Me aproximava, ele olhando. Por quê diabos, pensei, ele me olha tanto! Tentei disfarçar o constrangimento. E ele, ali, olhar em mim, fixo. Eu, as mãos nos bolsos, mas o olhar... A metro e meio nos encaramos e ele falou:
- Aí! Tá tomando conta do dinheiro, ein? Num bolso segurando firme as de quinhentos e no outro as de mil.
Sorri. Era dia de Natal e qualquer coisa podia acontecer! Qualquer.

III - O conto do menino da Zona Sul
Quem me conta é o Rui, na primeira reunião do ano do Clube dos Meia, enquanto esperamos a minha mulher e a dele, Nanci, com quem se passou a istória.
Foi na semana anterior, de Natal, ela, de carro na Visconde de Pirajá, altura da praça Nossa Senhora da Paz, às voltas com as últimas compras. Parada no engarrafamento, vê o menino em prantos, lágrimas em cachoeira pelo rosto abaixo, sentado no meio-fio, dois ou 3 metros à sua frente. O trànsito avança, ela fica bem ao lado do menino. Pergunta "por que choras, menino?". Um garoto maior roubou-lhe o dinheiro arrecadado na venda de chicletes. Ela se enternece. "Merda de país!" Vasculha na bolsa, apanha uma nota de mil, "não vai resolver", apanha outra, "mais, não dá!", estica o braço; ele pega, as lágrimas param; o carro de trás buzina; ele sai correndo; ela arranca, dobra a esquina, caminho livre, alma lavada, consciência aliviada.
Sexta-feira à tarde, véspera de Natal, as lojas fechando, um último presente, esqueceu da sogra! "Agora você vê, ela esqueceu logo da minha mãe!" me conta, ressentido, o Rui. Vai no Leblon, na Carlos Góes, pára o carro perto do cinema, compra o presente "da velha" e quando volta vê um pequeno tumulto na esquina. Ouve as vozes misturadas "Coitado!", "Alguém viu quem foi?", "Chora não. Olha aí, cada um dá um pouco pra inteirar o tanto que o outro roubou.", "Quanto foi?" Ela seguiu abrindo espaço na roda até ver um menino chorando, soluçando, igualzinho ao crioulinho de Ipanema. "Seu moleque duma figa!" resmungou calada. Pegou-o pelos ombros, levantou-o do chão, ia dizer palavrões, ia vomitar o sentimento de caridade traída que invadia a sua alma. O povo em volta esperando o desfecho. Mas era véspera de Natal e os olhinhos de jaboticaba, brilhando daquela maneira, amoleceram a raiva de Nanci.
Devolveu o menino ao chão. Levantou-se, abriu a bolsa, pegou quinhentos Cruzeiros Reais, colocou a nota na palma da mão do sem-vergonha, deu-lhe um beijo na testa e desejou-lhe Feliz Natal. Antes de ir, virou-se e desejou:
- Feliz Natal pra vocês também!

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