Mais uma vez o ano chega ao fim. A cidade se prepara para a festa de natal. As crianças fazem as listas de presentes. E quem ainda não recebeu a restituição do imposto de renda começa a se martirizar por antecipação. Por que eu não recebi a minha restituição? É a pergunta mais comum.
Essa preocupação alcança tanto o pequeno pagador de imposto quanto o grande. Os pequenos, os que mais precisam da restituição, por descuido deixam para declarar quase na data limite. Agora sofrem na expectativa de que a restituição chegue para ajudar na lista de presentes da família. E mesmo quem pagou muito imposto, mas por força das circunstâncias, tem uma restituição substancial e não a recebeu também fica cabreiro. Fica até indignado. Acha que é um bom pagador de impostos; que paga muito e que não merece ser chateado pelo fisco, justamente quando principia a festa de natal. Se por um erro indesejado, vem a diferença de imposto, ele paga para não conviver com os aborrecimentos. Mas tem situações que não se resolve somente pagando a fatura.
— Estou preocupado?
— Por que?
— Não recebi a minha restituição do Imposto de Renda.
— Mas você tem restituição?
— Claro. Tenho uma despesa alta com saúde
— Só saúde?
— Educação, também. Tenho dois filhos na escola particular.
— Só?
— Dependentes — minha mãe é minha dependente. Mas acredito que não deve ser nada. Declaro tudo certinho.
— Então por que está preocupado, vai precisar da sua restituição para o uísque e o peru do Natal.
— Não!
— É que tem um recibo...
— Duvidoso, frio...
— Jamais, o contador esqueceu de anexar.
— Peça pra ele anexar.
— Sumiu.
— Então deixa o fiscal excluir o recibo.
— Sim, mas tem outro recibo que não inclui.
— E daí?
— É do BMW e o fiscal quer incluir.
— Já pegou, deixa incluir.
— Sim! Mas não é só isto que me intriga. Intriga-me como ele soube do BMW se ela está no nome da minha mulher, eu não declaro em conjunto com a minha mulher.
— Esquece isso. É melhor.
— Mas não é só isso. Tem aquele apartamento que nem a minha mulher sabe?
— E como ele soube?
— O fiscal mora no mesmo prédio.
— Está com medo dele incluir e o imposto ficar alto.
— Não.
— O problema é que a mulher dele está incluída na história.
— ...
— Eu também estou com problema no Imposto de Renda.
— De bens?
— Não! O meu é com a conta bancária.
— Mas e daí, extratos não contam nada.
— Esse é o problema. Pediram as cópias de cheques.
— Mas você só tem uma única fonte de pagamento, por que tanta preocupação com as cópias? Andou passando cheque em motel? Ora, o sigilo fiscal é absoluto. Além do fisco só você saberá o destino do cheque.
— Eu sei...
— Então? Por que tanta preocupação. Estás convicto de que não tem diferença de imposto a pagar; que essa intimação é pura chateação. Tens consciência cidadã de que o fisco deveria preocupar-se mais com as grandes fortunas que não pagam imposto; com os sinais exteriores de riqueza que a gente está cansado de ver por ai. Eu é que deveria estar chateado. Além de pagar diferença de imposto, corro o risco de expor a minha vida particular, acabar com o meu casamento, por tudo a perder. Como eu iria olhar para a Aninha. A aninha é amiga da Silvia — olha só — adivinhe de quem ela é filha?. O Carlos, meu filho, que se forma em medicina o ano que vem, promete discutir a questão ética dos médicos que não dão recibos, sempre teve a imagem de que eu nunca fui um sonegador. É um crítico contumaz da sonegação. Diz para todos que o país anda nessa miséria porque o cidadão brasileiro não quer assumir a sua parte na divisão da riqueza, só quer acumular. Como eu saio dessa? Você apenas tem uma conta bancária pequena que é segredo entre você e o fisco.
— Não posso. A minha mulher...
— Mas o que tem a sua mulher a ver com esta história. Ela não trabalha. Só fica em casa e quando muito na rua a tratar de seus negócios.
— A minha conta é conjunta com a minha mulher. Não tenho todo o controle do destino dos cheques. Andei perguntando-a sobre alguns. Só quando brigamos é que ela ameaça me dizer.