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Poesias-->Réqueim para o macuxi morto -- 31/05/2003 - 11:56 (Raul Pinto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RÉQUEIM PARA O MACUXI MORTO



(para Ferreira Gullar)



“Dai-lhe o repouso eterno...” Consolo da efemeridade. Carne e pó.

A cova rasa, rasa.; o negrume voa em círculos, querendo minha carne fustigada pela devassidão da alma humana.; o abutre me quer as entranhas soterradas precariamente pelo estrato estreito do solo frágil desse lavrado sob o inclemente sol a pino.; hoje, terras sob os grilhões do madeiro e do fio farpado, fixos e frios, onde os meus pisaram outrora com liberdade em longas caminhadas e agora o gado pisoteia em repasto. Já que nada me resta senão a impossibilidade da contrição de meus algozes, posso dizer com singeleza a cor da minha morte. Fui sempre o que mascou a própria língua, vergastada língua e a engoliu. O que as brisas das manhãs riscaram profundos sulcos no fátuo rosto. Fui aquele cuja carne triturada pela escassez pungente — fardo de odor famulento — percorreu as fímbrias das serras em caminhos sinuosos do lavrado. Sol causticante, sede e sede. O vento quente gemia minhas dores nas palhas secas do buriti em sibilo melancólico e pendular. O leito seco, seco. Um poço aqui, outro ali. Curumins e cunhantãs catavam vidas em cada palmo dos poços lamacentos. Piaba, girino, caramujo. A damurida e beiju lastravam-lhes o estômago vazio. Sol de estiagem, lavrado marrom mar, mar... Folhas mãos caimbé. Vértebras e vertigens vergastadas. Ossos nus na pele enrugada. Calcinados calcanhares rachados. Caboclo segregado. Índio em calças jeans. Título refém da politicalha. Orelhas sem oiças, ânus sem pêlos a sujar os jardins do civilizado. Tombei ao chumbo quente de uma velha arma opressora, insana, inconseqüente, dominante e arrogante. Vieira reconhecendo que “não podia negar que todos nesta parte, e eu em primeiro lugar, somos muito culpados. E porquê? Porque podendo defender os gentios [índios] que trazemos a Cristo, como Cristo defendeu os Magos, nós acomodamos-nos à fraqueza de nosso poder, e à força do alheio, cedemos da sua justiça, e faltamos à sua defesa”. E, em mea-culpa, o realismo de que “somos os que, sujeitando-os [índios] ao jugo espiritual da Igreja, os obrigamos, também, ao temporal da coroa. Fazendo-os jurar vassalagem”. Oh tudo é espúrio. Tombei traído pela inconsistência da doutrina da libertação. Não sei ao certo se Deus existe. O meu era liberdade, era serras, ilhas, lavrados, rios, lagos, igarapés, ar puro, brisa fresca das manhãs, vastidão a perder aos olhos, o azul bordado aqui e ali nas cumeadas e nos confins do verde exultante. Não renitente opressão. Não a resignação pela resignação. Mas meu espírito agora adeja ao redor da cova rasa. Dali me tiraram a carne transfixada, queimada, suja.

Oh não vulgarizes a carne nossa imunda carne! Vegetal carne, efêmera carne pó.

Oh livra da manipulação o meu cadáver!

Porque estou morto é que digo: o apodrecer não é sublime, é a inexorável passagem estreita ao pó na solidão do vermina. Sublime é o apodrecer dos meus algozes, prisioneiros na suas epidermes hirsutas, carnes aprisionadas nas suas híspidas ignorâncias. Oh como é pálido o meu perdão em face do que colherão.

Mas o planeta continuará o mesmo:

Homem e homens, hábito e hábitos.

É velha a lua desta noite. Os pés pisam e pisam esse lavrado contencioso. É noite, é noite. Donde penas noctâmbulas voam para a aquela árvore, donde folhas caem sob a vertigem escura em rodopio. Um pio.







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