-MR-8 - Capítulo VIII
Atendendo ao pedido do Banco de Dados Memórias Reveladas, "que foi institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional com a finalidade de reunir informações sobre os fatos da história política recente do País", estamos contribuíndo com mais um capítulo da história do Movimento Revolucionário - 8 de Outubro - MR-8 -, organização a qual pertenceu o Ministro das Comunicações Sociais, Franklin Martins.
O Assassinato do Major José Júlio Toja Martinez Filho Os meses de agosto e setembro de 1971 foram trágicos para o MR-8. Vários militantes de importância foram presos, inclusive César Queiroz Benjamin, o "Menininho". Além disso, os componentes da organização foram seriamente abalados pela morte de Lamarca, sem que tivesse participado de nenhuma ação do MR-8. Apesar de tudo, o Movimento Revolucionário Oito de Outubro precisava sobreviver e dar continuidade a seus assaltos. Suas vitimas principais, bancos, transportadoras de valores e principalmente, os supermercados da Guanabara.
Foram as seguintes as ações armadas realizadas na Guanabara:
- em 14 de agosto, 2º assalto ao supermercado Peg-Pag, em Botafogo, roubando cerca de 35 mil cruzeiros novos;
- em 28 de agosto, 13 mIlitantes, disfarçados com perucas, bigodes, cavanhaques e boinas, levaram quase 45 mil cruzeiros novos e um revólver do supermercado Disco, em Copacalbana;
- em 04 de setembro, nesse mesmo bairro, roubaram 7 mil cruzeiros novos do supermercado Merci;
- ainda em setembro, roubaram 15 mil cruzeiros novos do Edifício De Paoli, na Av. Rio Branco, e ações de uma corretora de valores, na Rua do Ouvidor;
- em 16 de oultubro, assaltarm o supermercado Mar e Terra, no Flamengo, de onde levaram 70 mil cruzeiros novos;
- em novembro; roubaram 8 mil cruzeiros novos do supermercado Peg-Pag, em Botafogo.
- em 28 de outubro, em "frente" com o PCBR, a ALN e a VAR-Palmares, Sérgio Landulfo Furtado, Norma Sá Pereira e Paulo Roberto Jabour assaltaram o Banco Itaú-América, na Tijuca, arrecadando mais de cem mil cruzeiros novos. Nessa açâo, foi baleado, no pescoço, o detetive Walter Cláudio Ramos Mattos.
- na manhã de 22 de novembro de 1971, em "frente" com a VAR -Palmares, Sérgio Landulfo Furtado, Norma Sá Pereira, Nelson Rodrigues Filho, Paulo Roberto Jabour, Thimothy William, Watkin Ross e Paulo Costa Ribeiro Bastos assaltaram um carro-forte da firma Transport, na Estrada do Portela, em Madureira. À rajadas de metralhadora, morreu o guarda José do Amaral Vilela e foram feridos os guardas Sérgio da Silva Taranto, Emílio Pereira e Adilson Caetano da Silva. Esse último assaI to do ano rendeu duzentos e sessenta e dois mil cruzeiros novos, além de armas e munição.
No dia seguinte, Sérgio Landulfo Furtado, por estar em atitude suspeita e portar um revólver calibre .38 e um carregador de metralhadora, foi abordado pelo detetive Ney de Gaspar Gonçalves. Sérgio baleou o policial e, ao fugir, deixou cair objetos, dentre os quais sua própria fotografia, como atestado de sua ação.
A morte de Lamarca parece que ao mesmo tempo que acirrava os ânimos dos militantes, incitando-os a mais ações, fazia com que os quadros do MR-8 repensassem sobre a justeza da guerra que travavam, vista, apenas, como uma luta "pela sobrevivência". Por outro lado, perceberam que, com a eficiência demonstrada pelos órgãos de segurança, essa sobrevivência não seria muito longa.
Carlos Alberto Vieira Muniz fugiu para o Chile, acompanhado, uns antes, outros depois, por diversos quadros, dentre os quais o casal Roberto Menkes e Carmen Monteiro Jacomini. Se o MR-8 do Brasil perdia quadros importantes, a Seção do Exterior, centrada no Chile, ganhava uma visão crItica do militarismo, que lançaria a organização, no ano seguinte, num novo processo.
O Assassinato do Major José Júlio Toja Martinez Filho
No início de abril, a Brigada Pára-quedista recebeu uma denúncia de que um casal de subversivos ocupara uma casa localizada na Rua Niquelândia, 23, em Campo Grande/RJ. Não desejando passar esse informe à 2ª Seção do então l Exército, sem aprofundá-lo, a 2ª Seção da Brigada decidiu montar uma "campana" naquela casa, a fim de confirmar ou nao sua utilização como "aparelho".
No dia 2 de abril, uma equipe da 2ª Seção chefiada pelo Major Martinez, montou um esquema de vigilância sobre a citada residência. O Major José Júlio Toja Martinez Filho acabara de concluir o curso da Escola de Cornando e Estado-Maior do Exército, onde por três anos, exatamente o períiodo em que a guerra revolucionária se desenvolvera, estivera afastado desses problemas, em função da própria vida escolar bastante intensa. Estagiário na Brigada Pára-quedista, a quem.também não estava afeta a missão de combate à subversão, não se havia habituado à virulência da ação terrorista, que se tornava a cada dia mais violenta à medida que constatava a sua inconseqüência.
Por volta das 23 horas desse dia, chegou em um táxi um casal, estacionando-o nas proximidades do prédio vigiado. A mulher ostentava uma volumosa barriga que indicava estar em adiantado estado de gravidez. O fato sensibilizou Martinez, que, impelido por seu sentimento de responsabilidade para com os transeuntes, agiu impulsivamente visando a preservar a "senhora" de possíveis riscos.
Julgando que o casal nada tinha a ver com a subversão, Martinez iniciou a travessia da rua, a fim de solicitar-lhe que se afastasse daquela área. Ato continuo, de sua "barriga", formada por uma cesta para pão com uma abertura para saque da arma ali escondida, a mulher retirou um revólver, rnatando-o instantaneamente, sem qualquer chance de reação. O Capitão Parreira, de sua equipe, ao sair em sua defesa, foi gravemente ferido por um tiro desferido pelo terrorista que acompanhava a mulher. Nesse momento, os demais agentes desencadearam cerrado tiroteio que causou a morte do casal de subversivos. Estes vieram a ser identificados como sendo os militantes do MR-8 Mário de Souza Prata e sua amante Marilena Villas-Bôas Pinto, ambos de alta periculosidade e responsáveis por uma extensa lista de atos terroristas. No "aparelho" do casal· foram encontrados armas, munição e explosivos, além de dezenas de levantamentos de bancos, de supermercados, de diplomatas estrangeiros e de generais do Exército.
Destino perverso esse que compensou com uma reação de ódio e violência o gesto de bondade tão caracteristica do "Zazá", como Martinez era carinhosamente chamado por seus amigos. Martinez deixou viúva e quatro filhos, três meninas e um menino, a mais velha, à epoca, com 11 anos de idade. Sua esposa, com uma pequena pensão, criou com sacrificios aquelas crianças. Com o apoio de familiares e amigos, suplantou a dor, os traumas decorrentes da morte violenta e inesperada e as dificuidades resultantes da ausência do chefe de famIiia.
A familia de Martinez nao pediu, nem vê razao em homenagens. Apenas quer guardar a lembrança do esposo dedicado e pai carinhoso que ele foi. Profissional competente, dedicado e leaI, atleta exemplar, amigo afável e educado, "Zazá", com seu gênio expansivo e alegre, será sempre lembrado com muito carinho pelos amigos que com ele conviveram.
Homenagens póstumas
Numa homenagem muito especial aos "heróis", "que resolveram, em sua inexperiência infantil, enfrentar o monstro de sete cabeças da Ditadura Militar de frente, de peito aberto, munidos de potentes... estilingues" ( frase dita em pronunciamento perante à Comissão de indenização) -, hoje Marilena Villas-Bôas Pinto dá seu nome ao DCE da Universidade Santa Úrsula e Mario de Souza Prata ao DCE da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ao contrário da família do major Toja Martinez , que não recebe do governo homenagens, nem de Diretórios Acadêmicos , as famílias de Marilena Villas - Bôas e Mario de Souza Prata foram indenizadas e, frequentemente, têm o consolo de verem seus familiares serem tratados como verdadeiros heróis por membros do governo ou por membros de Comissões designadas por ele, onde a maioria de seus componentes são ex-militantes da luta armada.
Vejamos o despacho de Suzana Keniger Lisbôa em favor da indenização da família de Mario de Souza Prata pela sua morte:
Voto pela inclusão do nome de Mario de Souza Prata dentre as vítimas fatais da ditadura militar, por entender que esta é uma reparação moral indispensável para resgatar tanto a sua memória, quanto a dignidade nacional. Reconhecer a responsabilidade do Estado no seu assassinato é um ato do presente voltado para o futuro, representando o mais vivo repúdio à violência, ilegalidades e torturas praticadas pelo Estado durante a vigência da ditadura militar. Nesta semana em que se comemoram os 25 anos da anistia parcial e restrita da ditadura militar, a nossa homenagem a Mário de Souza Prata, guerrilheiro assassinado na luta pela liberdade.
Suzana Keniger Lisbôa
Relatora
Comissão Especial - Lei 10.875/04
Em 26 de agosto de 2004.
|
|
|
|