O GLOBO - 10/01/2016
COLUNA - VERÍSSIMO
O I-MENCIONÁVEL
Da série "Quem diria?". Comecei a ter um espaço assinado no jornal em 1969, na
chamada "época brava" da ditadura. Governo Médici, censura à imprensa... Tudo o
que tem gente desfilando hoje para trazer de volta. A gente vivia testando os limites
do que podia ser dito. Não era raro escrever-se crônicas que, obviamente, não seriam
publicadas, só para desabafar. Nestes casos, tinha-se sempre uma crônica de
reserva, sobre a vida sexual dos anjos, para substituir a censurada. Apelava-se muito
para metáforas, na esperança de que os leitores entendessem as referências veladas
à repressão, o que quase nunca acontecia. Alguns limites do permitido eram claros.
Críticas ao governo ou a militares, nem pensar, por exemplo. Outros limites eram
menos explícitos.
Certa vez, proibiram uma crônica minha para o rádio porque comentava a Teoria de
Darwin sobre a evolução das espécies, que, tantos anos depois da sua publicação,
não teria mais nada de subversiva. Nunca entendi. Talvez a teoria da evolução
lembrasse macacos, macacos lembrassem gorilas, e gorilas lembrassem,
metaforicamente, generais. Enfim, os tempos eram assim. O que, definitivamente, não
podia era mencionar certos nomes. Dom Hélder Câmara, jamais. E mais grave ainda:
Brizola.
Se pudesse, a ditadura não só proibiria que se pronunciasse o nome Brizola em todo
o território nacional, como invadiria o cartório em que seu nascimento foi registrado e
queimaria tudo, apagando qualquer traço da sua existência. Ou mandaria
exterminadores ao passado para eliminar sua ascendência por várias gerações. No
fim, sua existência não pôde mais ser negada, e a ditadura permitiu sua volta ao
Brasil e à sua carreira. E o perigoso agitador, a alternativa armada e voluntariosa à
moderação do Jango, o fantasma que assombrou os generais durante tanto tempo, o
i-mencionável Brizola, ainda teve uma respeitável sobrevida política. Há dias o nome
de Brizola foi incluído, quem diria, no Livro dos Heróis da Pátria, no Panteão da Pátria
e da Liberdade. Brizola finalmente mencionado, com honras. |