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Contos-->Uma História -- 20/02/2003 - 20:33 (Raquel Murakami) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um fanfic de Saint Seiya escrito por Raquel Murakami



Uma senhora, já idosa, dirigia-se com sua filha a uma pequena vila no nordeste da Sibéria. Apesar do relógio não marcar muito tarde, era a noite que inundava a desértica região. Portanto, pouco a velha podia enxergar entre os flocos de neve que caiam suavemente. Sua filha a guiava gentilmente segurando-lhe a mão, dando segurança para caminhar, ao mesmo tempo em que iluminava os passos com uma pequena lamparina.
Estavam muito próximas de seu destino. Haviam chegado a uma vasta planície, onde o solo era semitransparente e era possível, ainda que precariamente, enxergar alguns traços de mar abaixo do gelo. Klavdia estava quase às cegas, mas ainda conseguia distinguir claramente montes de gelo e alguns obstáculos mais altos. No caso, ela também conseguiu distinguir um enorme buraco no meio do solo, e se deteve junto à filha:
“Polina, o que é isso?”
“É um buraco enorme no gelo, mãe. Quem poderia ter feito isso?”
Klavdia pouco ligou para a resposta da filha, pois, assim que terminou de indagar, ouviu o som de alguém respirando. Forçou o olhar em sua direção e pode reconhecer traços de um homem bem próximo.
“Quem está aí?”
A voz saiu fraca, arfante, mas bastante clara:
“Esperem...”
Mãe e filha aguardavam o dono da voz se acalmar e logo em seguida ele veio para a luz. Elas puderam reconhecer um jovem enrolado em um casaco de pele, loiro e de olhos azuis. Estava bastante cansado, molhado da cabeça aos pés e seu rosto revelava uma leve palidez.
“Perdão se eu as assustei. Não quero fazer nenhum mal.”
Apesar de estar aparentemente esgotado, o jovem manteve uma simpatia que as admirou. Deixava escapar um leve sorriso que eliminaria quaisquer desconfianças e demonstrava uma tranqüilidade infinita.
“Digam, por favor, para onde estão se dirigindo? Este lugar é muito isolado.”
Polina se adiantou, respondendo no lugar de sua mãe:
“Estamos indo à vila para passar a noite. É naquela direção, não é?”
O jovem olhou para a direção apontada pela moça e assentiu:
“Fica logo após aqueles montes. Eu moro lá. Se não tiverem nenhum lugar certo para ficar, podem pousar em minha casa.”
“Sim. Muito obrigada por tanta gentileza, mas minha tia mora lá, ela nos dará abrigo.”
Klavdia observava intensamente o buraco no gelo e decidiu satisfazer sua curiosidade:
“Sem querer me intrometer, mas.. esse buraco... Foi você que fez?”
O jovem ficou levemente corado, olhou meio sem jeito para o rombo e respondeu:
“É, fui eu. É bem perigoso pra vocês, principalmente porque está escuro, peço desculpas.”
Polina também se surpreendeu com o fato e procurou até iluminar melhor o lugar para ver maiores detalhes:
“Minha nossa... Mas como fez isso? E por quê?”
O jovem sorriu novamente e lentamente sentou-se no canto do vão, deixando suas pernas pendentes sobre a água exposta:
“É que... Eu fui visitar a minha mãe...”
Dizendo isso, ele estremeceu com o frio. Agarrou as pontas do casaco e tentou se aquecer o melhor que podia nele. Mas sua principal atenção estava direcionada ao fundo do mar, com um olhar triste e terno.
Klavdia então percebeu que aquele era o olhar de um filho sem uma mãe. Um fitar carinhoso, mas para o nada. E calou-se.
Polina, no entanto, não pôde entender a relação feita pelo rapaz, e insistiu:
“Foi visitar sua mãe?”
Ele assentiu. Não parecia se incomodar com a insistência, muito pelo contrário, queria conversar sobre aquilo:
“Minha mãe afundou junto com um navio há dez anos aqui, neste mesmo ponto. Sacrificou-se para que eu pudesse ser salvo. Então, quando ela partiu, jurei que voltaria a vê-la, não importasse a que custo. Eu a visito todos os dias para levar-lhe uma flor e uma oração.”
“Mesmo assim, é muito difícil conseguir abrir um buraco desses e descer até o fundo do mar! Como consegue?”
“Eu treinei a minha vida toda para aprender a quebrar este gelo. É bastante difícil de explicar, não creio que vão entender...”
Polina deu-se por vencida:
“É, acho que não...”
A mãe, no entanto, voltou à conversa:
“Pois eu entendo.”
“Entende, mãe?”
“Claro que sim. Você não pode ver o quanto ele se esforçou pra fazer isso?”
O rapaz riu, continuou a fitar o fundo do mar, negro, onde sua mãe repousava:
“É mais ou menos isso. E hoje foi um dia especial. Hoje é o aniversário da morte de minha mãe. Então eu lhe trouxe um buquê ao invés de apenas um galho. Não importa se ela está aqui ou no outro mundo. O que importa é que eu possa lhe trazer um pouco de alegria neste dia.”
Então a filha se deu conta da realidade. Klavdia estava bem ali, ao seu lado, oferecendo-lhe todo o amor materno. Mas aquele jovem não recebia esse amor há dez anos, praticamente metade de sua vida. Ele carregava um tipo de melancolia que ela até então desconhecia, e compreendeu as palavras da mãe.
Um jovem como aquele não poderia teoricamente causar um rombo tão enorme em uma camada de mais de dois metros de gelo. Mas ninguém disse, em nenhum momento, que agüentar a perda de uma mãe também era possível. Portanto, se ele quisesse suportar aquela dor, teria que ser forte o suficiente para romper qualquer barreira, fosse de gelo ou de aço, não importava. E assim aquele rapaz era.
Klavdia sorriu ao ver a nova expressão que se formara no rosto da filha. Ela sabia que um dia Polina também estaria no lugar desse rapaz que perdera a mãe, e queria que a filha reagisse com muita força quando tal momento chegasse. Ela sabia que a falta de uma pessoa querida podia ser tão intensa a ponto de destruir uma vida inteira. Era necessário agarrar-se a alguma coisa, de alguma forma, e aquele jovem optara por enfrentar sua dor com aquele inacreditável ritual. Klavdia voltou a olhar para ele e se surpreendeu com as lágrimas que agora pingavam de seu rosto.
“O problema é que... Estou triste... E eu sei que ela não pode ser feliz enquanto eu estiver triste... Eu quero me alegrar, mas não posso. Pois acabo me lembrando... Daquele dia... Daquele dia horrível...”
O jovem enxuga as lágrimas com o casaco antes que saíssem mais. Estava desiludido, acabado, mudo de inconformação. Mas não podia se deixar levar por esses sentimentos. Ele tinha que viver por sua mãe, e viver feliz. Tinha amigos, amigos queridos, que fariam qualquer coisa para ajudá-lo. Tinha um mundo inteiro a sua volta para ser explorado e amado. Não podia desistir.
De repente ele viu os braços de Klavdia o envolvendo. A aproximação cheia de ternura surpreendeu o rapaz, que fitava abobado. Klavdia chegou ao seu ouvido e sussurrou levemente:
“Apenas ouça o coração dela e viva...”
O jovem, envolvido no carinho, esqueceu a dor e sorriu, devolvendo o abraço. Klavdia sentiu o amor, forte e ardente, o amor de um filho sem uma mãe. O amor sem nenhum destino concreto, que é apenas guardado a sete chaves, esperando o momento para explodir. E levantando-se novamente, ela juntou-se à filha:
“Cuide-se bem...”
As duas se afastaram lentamente dele, que continuou as observando demoradamente, enquanto sorria. Levou a mão à gola da camisa e retirou um pequeno rosário de ouro de seu pescoço. Aquela era uma lembrança de sua mãe dada antes do naufrágio. O rapaz fitou as estrelas no céu e tentou imaginar no que sua mãe estaria naquele momento pensando.
Um bando de cisnes cruzou o céu, viajando para uma região mais quente que aquela. Um lugar próximo ao coração. E no meio daquele deserto gelado, na escuridão, sobre o leito de morte da sua mãe, ele contemplou a terra natal, a vida e sua história, com toda a sinceridade do mundo.


*FIM*

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