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Contos-->Vento de agosto -- 21/02/2003 - 19:23 (Sylvia R. Pellegrino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tardinha. O sol desaparecia de mansinho. Resquícios dourados pintavam o céu. Joana apoiou-se no gradil da sacada. Os pensamentos voavam à busca de lembranças.
Era como se ouvisse o vento assobiar novamente. Fora uma longa caminhada até o campo de golfe, naquele dia. Sentia-se agradavelmente envolvida por aquele sentimento, que imaginara não mais tomar conhecimento. O restaurante apareceu às suas vistas, protegido ao norte por imensas árvores, já envelhecidas e frondosas. Elas já estavam lá desde antes de construírem o condomínio.
A luz do sol naquela tarde cintilava por dentre as folhagens. Pensou no encontro que tivera com ele, ali mesmo alguns dias atrás. Ainda estava envolta em suas doces lembranças, quando o céu tomou uma cor cinza e tudo escureceu. O vento começou a enfurecer-se, de uma hora para outra. O redemoinho começou a se formar lá pelo lado sul e veio se avolumando, enquanto corria lambendo e levantando casas como se fossem brinquedos.
Viu-se dentro do restaurante. Pessoas em pânico corriam e gritavam para que se jogasse no chão. Sentiu a mão, que mais parecia uma tenaz, arrastá-la para dentro do banheiro. Lá já havia algumas pessoas. Os rostos demonstravam o pavor. O som aumentou ensurdecedor e eles imaginaram o rugido de um animal pré-histórico.
Aqueles minutos que permaneceram dentro do banheiro do restaurante pareceram séculos.
Quando tudo cessou, sentiu seus membros relaxarem e a dor contida tomou conta de seu ser. Saíram lentamente, um a um. A paisagem que viram em seguida foi desoladora. Havia um rastro deixado por onde passara o tufão. Casas inteiras ao lado de destroços, ferragens retorcidas e cimento, espalhando poeira pelo ar. A sensação é de que havia ocorrido uma guerra.
As pessoas saíam de suas casas num movimento letárgico, quase em câmara lenta, após o terror de, talvez, cinco minutos apenas.
Quando a realidade se fez presente em cada um, foram à busca de entes queridos, que podiam estar sob escombros.
Muitos perderam pessoas amadas. Pedaços de edificações foram encontrados longe.
- Ainda pensando naquilo, Joana?
Assustou-se com a pergunta. Estava tão abstraída em seus pensamentos que não percebera a chegada dele.
- Vez ou outra, ainda.  Disse, à guisa de resposta.
- Os Gomes nos convidaram para uma reunião, hoje à noite.
Ela sorriu de maneira abstrata.  Sim, sim, eu me lembro. Por volta das oito, não?
- Muito gentil da parte deles, você não concorda?
- Sabe se é alguma celebração?
- Ao que me consta vão recepcionar uma amiga vinda da Europa. Parece ser uma artista plástica. Não sei ao certo.
Estava pouco entusiasmada. Franco franziu as sobrancelhas.
- Oh, querida, você deveria se animar. Afinal estamos enfim nos relacionando com as pessoas.
- Sinceramente? Eu não tenho a mínima vontade de ir, porém você está coberto de razão. Precisamos nos relacionar. Quero esquecer...
- Você vai esquecer!
- Você já esqueceu?
- Perdi a filha... e a mulher...Mesmo estando para nos separar, não desejava isso à Elizabete. E Amanda... não vou esquecer nunca! Mas, precisamos continuar a viver, minha querida, e ser convidado para uma recepção nesta cidade é um fato a comemorar. Depois há a firma. Tenho que conviver com as pessoas, criar vínculos que me levem ao relacionamento comercial.
- Tem razão, querido. Vou me preparar.

@@@


De meias, entrou na cozinha, sentindo o odor delicioso do pernil assado, com um toque sutil de pimenta rosa.
Enquanto ele umedecia o assado, ela o observava, divertida.
Ele sempre gostara de cozinhar. Desde que se casaram, seis meses após o sucedido no condomínio. O que a divertia era que ele se paramentava todo para entrar na cozinha. Era o próprio chef du cuisine, como diriam os franceses. O chapéu enorme estava sempre extremamente engomado, como exigia de Rose, sua secretária doméstica.
- Hum, delicioso!
- Extremamente gentil de sua parte, mas precisa experimentar primeiro.
Ela sorriu e saiu da cozinha de forma espevitada.
Tinha, na verdade, vinte e dois anos. Uma moça alta, magra, com os cabelos negros lustrosos que escorriam até o meio das costas. A pele era clara, herdada da mãe e os olhos azuis do pai. Quando o sorriso aparecia na boca bem formada e expressiva, o rosto todo se iluminava, mas quando ficava deprimida e triste, seus olhos denunciavam os sentimentos interiores que a machucavam.
- ... foi ótima a conversa com Otávio Gomes de Cerqueira, ontem  dizia, Franco, enquanto colocava o pernil sobre a mesa.  Creio que conseguirei um sócio para a exportadora  continuou a falar. Ele virou-se para Joana que se aboletara à mesa e já estava, como uma criança, espetando a carne com o garfo.
- Psst! Modos!
Ela deu uma risada cristalina e os ombros subiram e desceram duas vezes.
- Quem era ao telefone?  Perguntou Franco.
- Ah, Adelaide nos chamando para um jantar na sexta. Eu já confirmei, importa-se?
- Absolutamente...  E a olhou admirado, mas feliz. A nuvem escura havia passado.
Após o almoço, com todos os pratos lavados e a cozinha arrumada, os dois seguiram para suas atividades. Franco deu-lhe um beijo no rosto e pegou as raquetes de tênis. Pretendia jogar com Otávio e terminar os acertos sobre a empresa e a futura sociedade. Joana vestiu o agasalho de ginástica e seguiu para o clube. Ia encontrar Adelaide, mulher de Otávio, para um jogo de vôlei. Pegou tênis, meias, shorts, camiseta e colocou-os na sacola.
Quando Joana chegou ao clube sentiu o vento. As folhas secas rodopiavam sobre o calçamento. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Empertigou-se e seguiu em frente. Adelaide a esperava.


@@@

Alguns metros do lago, sob a sombra de uma árvore, sentou-se próximo ao bistrô do Parque Barigüi, ouvindo o silêncio da tarde. Na verdade o silêncio era o murmúrio de pequenos sons da natureza. Um peixe que pulava dentro do lago, o zumbido de uma abelha, tentando pousar sobre seus cabelos, que se esvoaçavam, ao longe um guincho de um ganso, o marulhar lento das águas mexidas pelo vento.
Olhou emocionada o papel nas mãos. Já havia lido inúmeras vezes, mas continuava a não acreditar.
As lembranças voltaram vivazes à sua mente. O irmão era seis anos mais velho que ela. As moças de Itú o cobiçavam. Era um dos partidos mais desejados da cidade. Bonito, alto, cabelos alourados do pai, olhos verdes, a pele sempre bronzeada do sol, jogava golfe como ninguém e ainda havia assumido as empresas de indústria de embalagens, após a morte do pai. A mãe era uma doce criatura que a mimava extremamente. Aquele tufão destruíra sua casa e as duas pessoas a quem mais amava, naquela época. Alguns dias antes havia encontrado Franco, que estava se separando da mulher e se envolvera com ele. Assim que ficou viúvo, também por culpa daquele tufão, casaram-se. E agora... Passou a mão sobre a barriga e uma lágrima rolou suave pela face. Agora uma vida se formava dentro dela. O passado devia enterrar seus mortos e o futuro esperar a vida.
Levantou-se lentamente do banco, pegou o carro e voltou para casa.
O vento assobiava por entre as frestas das portas envidraçadas da sacada.
- É o vento de agosto, Joana. Muita gente não gosta, mas eu gosto. Sinto saudades do tempo em que morava no campo com meu pai e minha mãe. Minha infância, enquanto corria solta e em liberdade. Agora ficamos todos presos, morando uns sobre os outros.  Falou, Rose.
- Em segurança, Rose, em segurança... Seguiu para a sala e sentou ao piano, lembrando da época em que a mãe sentava e tocava Chopin, para ela ouvir.
Os acordes tomaram conta da sala e ela sorriu feliz, imaginando uma garotinha sentada à sua frente, ouvindo-a tocar.
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