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Artigos-->KIKUKO KANAI, COMPOSITORA DE OKINAWA -- 09/05/2016 - 11:27 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

KIKUKO KANAI, COMPOSITORA DE OKINAWA



L. C. Vinholes



Em setembro de 1954 esteve em São Paulo a compositora japonesa Kikuko Kanai, delegada oficial do Japão ao VII Congresso Internacional de Música Folclórica, realizado no âmbito das comemorações do IV Centenário da capital paulista.



Kikuko Kabira, nasceu em 1906 em Miyako, ilha do arquipélago de Okinawa no extremo sul do Japão. Ainda menina, estudou koto, uma espécie de citara geralmente de 13 cordas, e biwa, um tipo de alaúde, fez seus estudos na Academia Nihon-Ongaku-Gakko e no Colégio de Artes, mantido pelo Conservatório de Música de Tokyo, tendo como mestres e orientadores a Kanishi Shimofusa e Taijiro Goh. Após a conclusão de seus estudos, fez cursos de especialização de orquestração com Hisatada Otaka e contraponto com Kishio Hirao e Yorimori Matsudaira. Casou com Genjiro Kanai, presidente da companhia produtora de celulose e papel Sanyo Pulp, passando a assinar-se Kikuko Kanai. Pela sua ópera Romance de Okinawa, recebeu os prêmios do Jornal Mainichi (1955) e do Governo de Okinawa (1968). Desde 1958 suas primeiras obras já eram bastante difundidas abrangendo os gêneros sinfônico e camerístico e de música para teatro. Entre suas obras mais conhecidas foram lembradas Ryukyú Ballet Suite nº1, Sinfonias nº 1 e nº 2 (1939 e 1946); Ryukyuan Rhapsody; Ryukyú Hiwa (Uma história secreta de Ryukyú) balé-jazz de 1951; e Miyakashima Engi, balé de 1949. É autora da ópera Hiren Karafune (Tragédia amorosa no navio Tang) e assina também a antologia Canções Folclóricas de Okinawa, o mais abrangente repositório da música okinawana.



Durante sua permanência em São Paulo, a compositora ficou hospedada na casa do então presidente da Associação Okinawana do Brasil, Seihin Hanashiro, e reatou os contatos de 1952 com o compositor e flautista H. J. Koellreutter, iniciados por ocasião da visita deste ao Japão. Foi homenageada com um almoço pelo cônsul-geral do Japão, em São Paulo. Do programa do Festival de Danças e Músicas Orientais realizado no Teatro Colombo, no Bairro do Brás, em São Paulo, patrocinado pela referida associação em homenagem à Kikuko Kanai, constaram obras da compositora, inclusive o Quinteto para piano e cordas.



Em 22 de setembro, Koellreutter, que assinava a coluna Música do Diário de São Paulo, referindo-se ao Quinteto, escreveu:



“Este, sem dúvida, foi a obra mais importante do programa. Escrito no estilo de tendência nacionalista, que caracteriza a maior parte das obras dos compositores contemporâneos do Japão, o Quinteto op. 53 demonstra um fino senso formal, desenvolvendo suas três partes dentro de um expressivo lirismo e uma lógica musical convincente. A fatura harmônica, ainda essencialmente tonal, demonstra traços do impressionismo musical. As melodias não se desenvolvem, mas deslizam e criam ambiente de calorosa expressividade.



E continuou:



“A Balada (1951), para piano, habilmente executada pela pianista Neyde Kinuko Guenca, não revela, no entanto a mesma força expressiva carecendo da homogeneidade formal e da solides estrutural do Quinteto e empregando os recursos do piano de modo pouco original.



Acentuada sensibilidade musical demonstram as canções, sejam elas escritas para coro ou para voz solista, todas caracterizando-se por uma linha melódica flutuante, de expressiva ternura”.



No primeiro encontro com Koellreutter no Japão, Kanai aproveitou para satisfazer uma das suas maiores curiosidades: conhecer a técnica dodecafônica que ele havia introduzido no Brasil em meados do século XX.



Dos exercícios e práticas produzidas pela compositora utilizando a linguagem criada por Arnold Schoenberg a que ficou como amostra dos conhecimentos adquiridos na ocasião foi o Adágio e Alegro para piano, revisado em um dos encontros na Escola de São Paulo, razão pela qual a data de composição é 1954. São dezesseis compassos para o Adágio e vinte e seis para o Alegro. Esta obra juntamente com Existencialismo para flauta só e dodecafônica; as estruturas Tempo-Espaço I e II, para violino, viola e violoncelo, de 1956, ambas de minha autoria; e Concretion 1960, para conjunto de câmara, de H. J. Koellreutter, foi publicada em 1960 pela Edição Shin Nippaku, em Tokyo, que, neste mesmo ano, iniciara suas atividades lançando a mini antologia 8 Haikais de Pedro Xisto.



Por ocasião da visita de Kikuko Kanai a São Paulo, por determinação de Koellreutter, diretor da Escola Livre de Música, Pró Arte, fiquei à disposição da compositora; nos dez anos da minha primeira estada no Japão frequentei a casa da família Kanai e fui companheiro de Hiroshi, filho único do casal; passei inesquecíveis finais de semana na casa de veraneio que tinham nas montanhas de Karuisawa; assisti no Teatro Kabuki de Tokyo a premier da acima citada ópera Hiren Karafune; deneguei ao convite para acompanha-los em viagem à Okikawa, por não aceitar ter que submeter à autoridade estadunidense, ocupando aquele arquipélago desde o final da Segunda Guerra, pedido de licença para a visita; em abril de 1961, em Tokyo, H. J. Koellreutter, sua esposa Maria Aparecida Bahia Koellreutter e eu, fomos honrados com magnífico jantar oferecido por Kikuko Kanai, com a participação de músicos seus colaboradores; em meados da década de 1980, na minha casa em Ottawa, fui anfitrião do casal Kanai na passagem pelo Canadá na viagem de regresso de Paris a Tokyo; e mantivemos contato durante décadas até que, em fevereiro de 1986, recebi a notícia de que a lira da compositora silenciara.



Recordando que da programação de Kikuko Kanai em São Paulo constou a conferência realizada na Escola Livre de Música, cujo texto, em versão em português, foi distribuído ao público e que dada à inexistência de informação acessível ao público brasileiro sobre Okinawa em geral e sobre sua música em particular, as informações fornecidas pela compositora ainda hoje merecem atenta acolhida, aproveito o exemplar que guardei, transcrevo seu conteúdo abrangente, lastimando, apenas, não ser possível reproduzir a sonoridade dos pertinentes exemplos dados naquela ocasião, com o melhor da música folclórica okinawana.



A Música Folclórica das Ilhas Ryukyú, por Kikuko Kanai



Em todos os países o homem tem o mesmo modo de reverência pelas forças da natureza e pelos deuses aos quais atribui poderes dominadores sobre sua vida e felicidade. Parece que a voz deste modo e a oração aos deuses constituíram o início da música e da literatura dos povos.



Na antiga Okinawa havia médiuns femininos chamados noro que interpretavam para o povo o misozoru ou alocuções divinas dos deuses. Tais alocuções adquiriram aos poucos um ritmo regular e adquiriram a forma de um texto musical religioso chamado omoro que constitui a raiz da literatura okinawana. Analogamente, o cantochão deste texto começou a tomar uma linha melódica definida, e é por isso que se atribui também ao canto religioso omoro a origem da música folclórica de Okinawa.



Parte do omoro foi literariamente coligida e escrita, há cerca de 400 anos, em 28 volumes, sob a denominação de Omoro Sochi. Um destes volumes, de 22 capítulos, foi usado em festivais da Corte e somente Kikoe Ogimi ou a mais alta sacerdotisa entre as noro podia cantar o seu texto. Kikoe Ogimi era geralmente irmã do rei das Ryukyú e seu prestígio superava o do soberano. Paulatinamente, a importância de omoro foi diminuindo, por causa da pressão política, e, na Era Meiji – quando se iniciou a modernização e ocidentalização do Japão -, restavam somente alguns cânticos.



Nos cantos omoro incluía-se ainda um grupo de cantos denominados Umui que eram cantados nas aldeias pelas noro locais, sendo o seu texto transmitido oralmente. Somente na Era Meiji foi registrado em forma gráfica o texto desta variedade de omoro. Esta difere algo do estilo do omoro da Corte.



Além do umui havia outro tipo de canção chamado kwainya, denominação esta originada de koina, uma espécie de terminação, sempre repetida em tais canções. O kwainya é geralmente cantado por mulheres e representa a prece pela segurança dos navegantes.



Tocaremos um disco de um kwainya moderno para que o distinto auditório possa ter uma ideia da beleza de sua melodia. Os intervalos e a cadência final são características típicas da música okinawana.



Se analisarmos esta canção poderemos conhecer nitidamente a origem e o desenvolvimento da música folclórica de Okinawa até esta data. É também interessante considerar a contribuição que as caraterísticas peculiares da música okinawana poderia trazer à música moderna em geral.



Até a Era de Meiji, dois tipos de canção de trabalho, chamados oto e esa eram cantados pelas ´populações das comunidades rurais. Infelizmente, agora elas desapareceram quase por completo, com exceção dos cantos shinugu cantados em duas ou três zonas com acompanhamento do tambor usu.



Os kwainya são baseados nas escalas pentatônicas e hexatônicas que são as precursoras das escalas atualmente usadas em Okinawa. Às vezes as canções terminam em cadências perfeitas da nota dominante para a nota tônica, existindo porém uma grande variedade de terminações possíveis, sendo as mais comuns as cadências da 3ª para a 4ª notas da escala. No kwainya temos as terminações mais características da música folclórica de Okinawa: depois da nota final a voz geralmente cai ou uma oitava, uma quinta ou uma terça. Alguns kwainya não apresentam um fim determinado a fim de facilitar a repetição, à maneira dos ondo japoneses com seus intermináveis versos.



O acompanhamento do kwainya ou omoro consta geralmente de duas peças de madeira que são batidas uma contra a outra ou simplesmente das mãos, embora às vezes seja usado um tipo de tambor chamado nariyose ou narikyora (no caso do kwainya aqui apresentado em disco o acompanhamento é de palmas tão somente).



Por volta de 1372, o rei Satto, das Ryukyú, começou a prestar tributo à China, e se estabeleceu um comércio ativo entre os dois países. Nessa época 36 famílias chinesas estabeleceram-se em Ryukyú e ali se naturalizaram. Alguns desses elementos trouxeram consigo vários instrumentos de música da Corte chinesa. Entre estes figurava o ancestral do atual sanshin de Ryukyú, instrumento tricórdico que, segundo consta, teria originado no Egito e alcançado a China Meridional através da Índia, Sião, Burma e Annam. Diz-se ainda que o instrumento alcançara a Europa através da Ásia Central.



Da China do sul chegou às Ryukyú e finalmente ao Japão. Este instrumento contribuiu de modo notável no desenvolvimento musical dos dois países.



Depois de sua introdução, o uso do senshin se difundiu em Shuri, capital de Okinawa, para o acompanhamento de poemas de 30 sílabas – poesias típicas de Ryukyú -, cantadas na ilha, e que se originam do omoro. Os poemas de 30 sílabas, chamados ryuka desenvolveram-se, pois, com o acompanhamento instrumental do samishen, sofrendo na sua evolução, influências de cânticos budistas.



Em fins do século XV (1477) firmou-se um regime centralizado em Ryukyú, sob o reinado de Shoshin. Tornou-se então costume apresentar músicas, canções e danças aos visitantes estrangeiros e, por ocasião da substituição dos senhores feudais em seus turnos de serviço à Corte, havia festas, nas quais os artistas desempenhavam papel importante. Esse costume contribuiu muito para dar mais ímpeto ao desenvolvimento da música nas Ilhas Ryukyú. Nessa época surgiu um tocador de sanshin muito talentoso, de nome



Akainko, considerado o verdadeiro introdutor desse instrumento em Okinawa. Akaindo dirigira-se à Corte para estudar a arte do senshin que já era conhecida por alguns elementos da aristocracia. Seu gênio inventivo muito contribuiu para enriquecer e desenvolver a arte de cantar com acompanhamento os cantos folclóricos da sua província nativa. Pessoas do povo também começaram a seguir o exemplo. O instrumento originalmente adotado na Corte foi avidamente aceito pelo povo e aos poucos sua forma sofreu também modificações a fim de melhor poder acompanhar cantos populares que existiam desde a antiguidade. O sanshin se transformou num verdadeiro instrumento de música nacional, apreciado tanto na Corte como entre o povo.



Destarte, a música de Okinawa realizou um grande progresso. A popularidade geral das canções folclóricas exerceu uma influência seletiva e as melhores canções de cada zona foram acolhidas na Corte. As canções representativas de cada local, apresentadas por intermédio dos senhores feudais, foram editadas pelos melhores músicos da capital e com o tempo se transformaram na literatura musical clássica da Corte. Esta música foi escrita há cerca de 200 anos por Yakabi Chooki em notação chinesa, num livro chamado Kukunshi. Apresentamos aqui, uma canção que é habitualmente cantada ou executada no começo de qualquer concerto em Okinawa. Chama-se Kajadifu e é considerada a mais perfeita composição clássica e pode ser executada somente por músicos consumados.



As Ryukyú situam-se geograficamente num ponto intermediário entre a China, o Japão e as ilhas do Sul do Pacífico. Com a intensificação das relações comerciais e culturais com essas terras, Ryukyú conseguiu assimilar as melhores músicas folclóricas dos seus povos.



Dada a sua privilegiada posição geográfica, Okinawa possui escalas musicais variadas. Okinawa conta, não obstante a exiguidade do seu território, cerca de mil canções folclóricas.



A escala mais comum usada é conhecida como Escala Ryukyú e consiste dos cinco tons dó, mi, fá, sol, si. Às vezes o ré é acrescentado, tornando a escala sextatônica. E forma a segunda Escala Ryukyú.



Em Okinawa não há o equivalente do modo menor, embora algumas canções apresentem alguma leve coloração menor, não tão escura e triste como os modos menores da Europa e o in-sempo japonês.



No Japão há duas escalas, a pentatônica yo-sempo consistindo dos tons sol, lá, dó, ré e mi e a in-sempo que consiste dos tons lá, si, dó, mi, fá, lá e si.



A música folclórica de Okinawa comumente usa o terceiro intervalo musical, o tritono, que era outrora proibido na música ocidental, especialmente na música religiosa. Não obstante desmoralizado em toda parte, este intervalo e o de sétima maior, são muito admirados na construção das melodias okinawana. Esses intervalor figuram entre as mais distintas características da música de Okinawa, e dão à esta um brilho que lembra o de uma pérola. Muito embora em outros países estes intervalos sejam considerados de difícil cantar, os okinawanos os cantam naturalmente e sem esforço.



Não é somente em Okinawa – a principal do grupo das Ryukyú -, que abunda em música folclórica. As ilhas menores de Ie-jima, Miyako-jima (onde há o ayagu), Yaeyama-jima (onde se canta o yunta) constituem também verdadeiros tesouros de música folclórica. Particularmente a ilha de Yaeyama é rica em música popular, a ponto se ser conhecida em Okinawa como “ilha do tesouro das canções folclóricas”. Lamentamos não dispormos de tempo para apresentar-vos algumas dessas canções adoráveis.



A principal diferença entre a música das Ryukyú (bem como a do Japão) e a música moderna do Ocidente, reside em que enquanto a música ocidental geralmente termina em nota tônica da escala, as melodias Ryukyú e Japão podem terminar em qualquer nota. Conforme já mencionamos antes são numerosas as cadências finais de quinta para primeira, de segunda para quarta, de terceira da quarta e de quinta para quarta. A razão destas cadências indefinidas está em que uma canção tem, em regra, muitos versos e isso facilita a interminável repetição da melodia.



No Japão, o acompanhamento de uma canção é executado, geralmente, por um instrumentalista separado, enquanto em Okinawa é costume o cantor acompanhar-se com seu instrumento, mesmo em concertos formais ou na Corte.



Conquanto as canções populares sejam cantadas por homens e mulheres, a música clássica da Corte nunca é executada por mulheres. Seus expoentes são sempre filhos de famílias nobres e o treino a que se submetem, a fim de se tornar músicos, é muito árduo. A voz é rigorosamente treinada e o estudioso deve praticar o canto contra o som das ondas que se partem contra o quebra-mar e através de colinas e vales. O volume da voz, a interpretação musical das palavras e um bom tom de sanshin constituem os três pontos importantes. A produção da voz feminina difere da do Japão Em Okinawa a voz natural é elevada até o ponto mais alto sem alteração.



Apresentamos aqui uma canção folclórica cantada por uma mulher. Chama-se Hanafu Bushi, uma canção de amor.



Como visto, as ilhas Ryukyú constituem outrora uma nação de grande cultura e realização musical. O estudo do sanshin fazia parte necessária da educação da nobreza.



A música era ensinada com intensidade e desempenhou parte importante na vida política e diplomática de Ryukyú. Havia até um funcionário musical ou mais exatamente um delegado de música e outras de artes (“geinô bugyo”) no governo, de alta hierarquia e bem remunerado. Tal era a estima em que a música era tida oficialmente que todos se esforçavam em aperfeiçoar sua arte. Criação de novas canções e aperfeiçoamento da parte técnica, constituíam objeto de interesse geral.



Desempenhando como desempenhava parte tão importante na vida sofisticada da Corte era talvez inevitável que a música começasse a perder sua frescura e o seu sentido real, para se tornar ultra refinada e demasiado complicada. A música clássica ficou fossilizada, perdendo sua vitalidade, pela não correspondência do conteúdo dos textos e da forma musical. Vemos assim poemas alegres transformados em medidas lentas e dignificadas. Toda a beleza natural dessa música se perdeu. E o povo deixou de cantá-la com amor.



Entretanto as canções de amor e os cantos de trabalho que eram cantados entre o povo e fora da Capital continuaram a florescer em melodias lindas. Havia cânticos e danças na Festa das Meninas do dia 3 de março. E a Festa dos Meninos, de maio, com suas corridas de barco e outras competições, constituía igualmente uma ocasião de muitas cantorias e danças. Eram realmente festivais de música. Havia procissões animadas, competição de cantos improvisados e danças e também môashibi ou “dança ao luar no campo”, da qual participavam jovens de ambos os sexos.



Infelizmente, depois da Restauração Meiji (1870), o governo japonês desestimulou o prosseguimento do culto das coisas tradicionais dos habitantes das ilhas Ryukyú. Os japoneses procuraram ocidentalizar rapidamente o país, pela difusão do ensino. Esta orientação foi levada a efeito através das escolas, com todo rigor. Como resultado desta diretriz, o povo começou a sentir vergonha da sua própria cultura tradicional, e a pensar que a sua música folclórica não tinha nenhuma beleza e valor.



O grande terremoto de 1922 trouxe grandes transformações à vida cultural do país. Os próprios japoneses reconheceram a necessidade de preservar as tradições e cultura nativas.



Muitas pessoas começaram a reunir músicas folclóricas. O mesmo sucedeu nas Ryukyú. Mas sobreveio a guerra e Okinawa se tornou teatro das mais sangrentas batalhas. O grande sofrimento que se seguiu produziu cicatrizes profundas tanto no corpo como na alma do seu povo. E mais uma vez a música folclórica se perdeu. A alegria de viver deixou de existir.



É trágico pensar que as crianças okinawanas sejam privadas de sua bela música folclórica, que deveria ser parte de sua vida como o próprio leite materno. A perda da música folclórica de Ryukyú representa não só perda para Okinawa como para o Japão e o resto do mundo.



É uma pena que enquanto o Japão está se esforçando tanto na reconstrução da sua vida e sua cultura não tenha ainda compreendido perfeitamente a importância da cultura de Okinawa em relação à sua própria. O Japão não deveria esquecer a contribuição que sua cultura recebeu de Okinawa.



A verdade é que, embora aos poucos, a cultura Okinawa esteja sendo apreciada, o é apenas por uma pequena minoria. Não constitui ainda uma consciência do povo japonês em geral. Não se inclui ainda no currículo da educação nipônica.



A fim de apreciar a música folclórica de outros países é necessário compreender bem o valor da nossa própria. Estou convencida de que o desenvolvimento do nosso conhecimento científico, do nosso comércio e da nossa arte deveria ser baseado nos sólidos alicerces de um profundo amor da própria vida e do desejo de autopreservação.


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