Em moçambicana e plena Serra do Songo, em Cabora-Bassa e a cerca de 90 kms de Tete, por fins de Setembro de 1972, comemorava eu com os amigos o nascimento de minha primeira filha, Paula. Tinha então 33 anos, a idade com que Cristo foi crucificado.
Eu e minha ex-mulher trabalhávamos no consórcio internacional ZANCO & Cº. e habitávamos um bela casinha pré-fabricada naquele inóspito local, em princípio, mas deveras apaixonante e atractivo consoante se ia ficando e vendo crescer uma das maiores barragens hidro-eléctricas do mundo.
Ao terminar do opípara jantarola, que fiz especial questão de oferecer aos convidados, quiçá impulsionado pelos deliciosos vapores do magnífico e ali tão raro verde-branco "Alvarinho", pronunciei-me em jeito de apropriado discurso: "Só almejo viver mais 17 anos, até aos 50! Minha nada filha será pois mulher feita e já não carecerá da minha ajuda e protecção".
Entretanto o tempo foi correndo, debitando as constantes peripécias que se sucedem sem darmos por isso.
Já em Paris e a refazer a vida - minha filha tinha falecido inesperada e abruptamente em 1975, no Porto, logo após o nosso forçado regresso de África - de repente fui acometido de dolorosas cólicas no estômago. Como as dores se mantivessem firmes e agudas, não tive outro remédio se não recorrer com urgência à Clínica de Sartrouville, onde fiquei de imediato internado.
Ao cabo de dois dias de observação e diversos exames, o cirurgião Marcel des Champs surgiu-me com um termo de responsabilidade pessoal: "Signé ici, monsieur... Vous allé tout de suîte être operé". Os comprimidos que dias antes tinha tomado contra a dor de dentes tinham-me perfurado o estômago em diversas partes.
Ainda em plena convalescença, cerca de um mês depois da operação, meu amigo Marcel afirmou-me convicto: "Tu as d estômac, Antoine, pour les proxains vingt ans".
Em conclusão: em 1972, pretendia eu viver até aos 50 anos. Em 1976, em face da descrita situação de saúde, um cirurgião francês garantia-me o estômago por 20 anos.
Até aos 50? Já lá vão a mais 14. Vinte anos de estômago? Já devo seis anos de acrescido e tranquílo suplemento ao destino e sinto-me esplêndido.
Como eu, em face da minha progressiva passagem pelo tempo, enganem-se sempre... Assim!