O caboclo desceu na rodoviária de Ariquemes. Sua primeira grande cidade. A única talvez, já que vinha de um ermo na mata, onde os pais o haviam colocado no mundo, cercado de bichos e feras.
Alguém teve a idéia de visitar a família e trazê-lo para conhecer a civilização, já que pelas bandas do casebre ninguém chegava. Dias de caminhada e de barco pelo leito de um rio inominável.
Foi levado a um cartório, onde registrou o nome segundo a vontade dos pais. Limbo da Silva.
Ficou extasiado com as casas, os automóveis, o barulho das motos e, principalmente, pelas mulheres. Usavam muitas roupas diferentes, enquanto sua mãe sempre usava um vestido verde ou azul, pois só tinha aqueles dois.
Pouca roupa no mato, poucas palavras. Pouca coisa que dizer ou comentar. Histórias eram desconhecidas, pois os pais só falavam o mínimo necessário.
Ficou parado na frente do semáforo um tempão, hipnotizado pelo brilho da luz vermelha.
Tomou um empurrão para deixar a esquina. Seu cicerone era comerciante de peles de cobra, coisa ilegal.
Limbo não sabia o que era legal ou ilegal, apenas não sabia quase nada.
Foi assim que começou a entregar pacotinhos com uns matinhos esverdeados para seu amigo e protetor. Depois começou a levar pacotinhos com farinha branca também. Geralmente com rapaduras e coisas da roça, para "melhorar a aparência", como dizia seu amigo.
Começou a falar melhor, mas continuou ignorando o conteúdo verdadeiro dos pacotes, embora recomendado para não perguntar nada sobre aquilo.
Durante semanas o esquema deu certo. Foi quando um policial quis comprar a rapadura e o confuso Limbo entregou a maconha por engano. Achando que era gentileza.
No presídio local conheceu outros homens, mas permaneceu tolo. Puxou alguns meses de prisão e foi colocado em liberdade. Saiu babando com a arquitetura da cidade.
Levaram-no embora para São Paulo. Ficou comendo prédios numa esquina perto da Praça da Sé.
Logo foi colocado no esquema de entrega de drogas de novo, embora consciente do risco que corria.
Mas não perdia a mania de comer prédios. Ficava muito tempo de boca aberta na frente dos arranha-céus.
Foi preso com cocaína. Ficou preso para sempre em São Paulo, engolido pelo sistema que pensava engolir.