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Artigos-->REFLEXÃO - COMO NASCEU MINHA COLEÇÃO -- 23/10/2016 - 13:12 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

REFLEXÃO - COMO NASCEU MINHA COLEÇÃO



L. C. Vinholes



20161001



Quando deixei Pelotas em 1953 e desembarquei em São Paulo para dar início às aspirações embrionárias de meus sonhos, claro que fiquei encantado com tantas e variadas facetas oferecidas por aquela capital. Seleciono o que talvez tenha sido o motivo de minha maior surpresa: tudo aquilo relativo ao Japão. Restaurantes, cinemas e lojas do Bairro da Liberdade foram vitrinas que me cativavam desde o primeiro encontro. Em uma das esquinas da Praça Dom José Gaspar, um comércio oferecendo principalmente cerâmicas utilitárias japonesas dispostas em rústicas caixas de madeira, foi o ponto de meus frequentes retornos. Fazia comigo mesmo o cotejar do abundante do que ali estava com o quase nada a mim disponível até então. Estudante lutando para sobreviver, sem máquina fotográfica, satisfazia-me descrevendo o que via por carta a alguns amigos que deixara definitivamente para trás. Sem esquecer aos outros, recordo especialmente a Francisco Dias da Costa Vidal, como eu estudando do Colégio Gonzaga, mais tarde, como eu, colaborador do Diário Popular e da Opinião Pública. Na capital paulista, enriqueci-me também nas visitas aos museus e galerias e em outras experiências do cotidiano.



Chegando a Tokyo em 1957 experimentei o que poderia ser chamado de embriaguez total. Em todos os cantos tudo era novidade, tudo era fonte de aprendizado.



O curto período dos primeiros meses, quando fui hóspede de Masami Kuni, bailarino aluno de Mary Wigmann e idealizador da então revolucionária “creative dance”, conheci seus amigos ilustres, dentre eles destacando-se o pintor Togo Seiji famoso com seus quadros de jovens figuras femininas, predominando cor cinza, até hoje presentes nas sofisticadas embalagens do tradicional café-confeitaria Mont Blanc, do Bairro Jyugaoka; o escultor Taro Okamoto, criador do monumento Tayo no to (Farol do Sol), símbolo da Exposição Internacional, em Osaka (1970), até hoje marco sobranceiro do Parque Memorial àquele evento; o diretor de cinema Akira Kurosawa que se consagrava com seus primeiros filmes Rashomon (1950), Ikiru (Vida, 1952) e Os Sete Samurais (1954); e Akio Morita, presidente fundador da Tokyo Tsushin Kogyo K.K., depois Sony, seu colega de escola e doador de todos os mais modernos equipamentos de som à época, para equipar o Kuni Buyo Kenkyujo (Instituto de Pesquisa de Dança Kuni), em Kinutamachi, Bairro Setagaya. A partir de 1959, minhas atividades remuneradas na Comissão de Compras da Usiminas e, mais tarde, na Embaixada do Brasil, permitiram começar a reunir uma variedade de peças e obras que me acompanhariam por décadas, enquanto eu fosse o depositário fiel. Imaginava outros pelotenses a meu lado olhando, escolhendo, adquirindo o que lhes chamasse a atenção e as opiniões que poderíamos ter trocado. As minhas primeiras escolhas, embora insubordinadas, foram, pouco a pouco, tornando meu comportamento mais seletivo, pois a cada dia aprendia um tanto a mais que, positivamente, definia minhas prioridades.



Cheguei a Tokyo dez anos depois do término do segundo conflito mundial do século XX que vitimou não só ao Japão, mas também a outros países do Extremo Oriente. Vi e vivi em uma sociedade com muitas carências, mas com determinação que mostrou os primeiros resultados positivos, inequívocos, por ocasIão da XVIII Olimpíada de Tokyo, em 1964.



Nos anos 1950, nas cidades japonesas eclodiram comércios dedicados à compra e venda de refinados objetos de cerâmica, metais, madeira, marfim, etc., bem como de livros e gravuras que, certamente, até então tiveram alguém que por eles zelava. Nos antiquários e sebos de Tokyo, especialmente nos Bairros Roppongui e Kanda, em Osaka, Nara, Kyoto, Kamakura, etc. encontrei a grande parte do que consegui reunir, nos dois períodos em que vivi no Japão: agosto de 1957 a julho de 1967 e abril e 1974 a agosto de 1977.



O antiquarista Masao Hara, homem de aconchegante tranquilidade e de conhecimento universal das artes e da cultura do Extremo Oriente, administrando o Antiquário M. Hara, em Roppongui, foi minha mão direita e conselheiro permanente na busca de bons e possíveis negócios. Dele “como prêmio de nossa amizade”, segundo suas palavras, por ocasião da visita ao Japão, em setembro/outubro de 2013, recebi um boal, uma tijela grande de cerâmica Imari que hoje é parte do acervo do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, de Pelotas.



Por outro lado, não pode ser esquecido um elo precioso que foi o contato, iniciado em 1957, com Kenzo Tanaka, pintor, gravador, calígrafo, escultor, professor e líder dos grupos TAO e Maison de Création e da International Society of Plastic and Audiovisual Arts, por intermédio dos quais, principalmente deste último, não só me foi dado conhecer dezenas de artistas japoneses, mas, principalmente, introduzir no Japão obras de artistas brasileiros, tais como Hercules Barsotti, Maria Bonomi, Willys de Castro, Odetto Gersoni, Franz Weissemann, Fernando Lemos, Arthur Luiz Pizza, Edith Bering, Samson Flexor, Raul Porto, Wesley Duke Lee e os gaúchos Vasco Prado, Zorávia Bettiol, Vera Barcelos, Lily Hwa, Danúbio Gonçalves, Dietlinde Koeberle, Guenther Leyen, Regina Silveira, Flavio Pons, Maria de Lourdes Sanchez, Anestor Tavares e Luiz Brasil.



Assustado com a significativa valorização da moeda japonesa em meados da década de 1970, decidi mudar para o Canadá onde uma nova fase de minha doença colecionista concretizou-se. Museus e galerias exibiam o que de melhor se poderia esperar para aprender sobre a arte de matriz europeia da qual o que sabia até ali era apenas uma pequena e insuficiente amostra. Graças ao contato com os mercadores do Canadá e da Inglaterra as gravuras e mapas produzidos com matrizes de madeira, metal e pedra passaram a fazer parte da bagagem que, em 1987, entraria no Brasil, acompanhada da devida documentação alfandegária.



Durante a estada de mais de doze anos em Ottawa, atendendo mais do que exigia meu compromisso como funcionário responsável pela divulgação da cultura brasileira, vali-me dos contatos e das amizades com artistas brasileiros, resultado da vivência em São Paulo e das atividades no Japão para divulgar sua arte. Sempre que possível adquiria pelo menos uma obra para ficar como tangível lembrança.



Voltando ao passado, registro que, em meados 1954, tive oportunidade de viver em Salvador e de usufruir da singular e preciosa experiência de compartilhar meu tempo com os brasileiros filhos de antepassados africanos e sentir, pela primeira vez, o vigor e o peso de sua cultura e de seus costumes. Sempre sonhei, mas nunca acreditei ser possível conhecer a África, assim como havia acontecido com o Japão. Eu não imaginava que o destino seria extremamente generoso e que nos anos de 2002 a 2004, a trabalho, me levaria por duas vezes a cada uma das capitais dos países africanos de língua portuguesa. Em todas elas, frequentei as feiras populares e fui testemunha das habilidades artesanais de sua gente, mas, apesar disso, em mim permanece a insatisfação de não poder conhecer mais a respeito do que vi e de não trazer comigo o suficiente para compartilhar com quem também tem curiosidade e interesse pela cultura africana que, há séculos, é nossa também.



No início dos anos 1970, pela primeira vez, tentei confiar à Universidade Federal de Pelotas todo o acervo que havia amealhado, mas a válida preocupação com segurança não permitiu que, naquela ocasião, minha missão tivesse um término. Recentemente, o Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo encontrou as condições propícias que possibilitaram a concretização da meta que eu havia estabelecido: compartilhar com os de hoje e com os de amanhã. --------



Nota: Ampliação do texto “Reflexão” preparado para a exposição “Sob o olhar do colecionador: Coleção L. C. Vinholes”, realizada de 17 de setembro a 23 de outubro de 2016, no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, com curadoria do professor José Luiz de Pellegrin, do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas.


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