Sepezito recebeu o pacote no meio da garotada, meio jogado. Houve quem tentasse tirar seu embrulho, mas empurrou e assegurou o presente.
Foi iniciativa de uns estudantes, mas por excesso de gente interessada em receber algo, os garotos da favela ficaram querendo mais alguma coisa. Teve marmanjo que derrubou estudante para pegar os presentes das crianças, na ànsia de conseguir trocar por uma paranga mais tarde.
Sepezito(assim chamado pelo fato do pai admirar Sepé Tiarajú, herói popular do Rio Grande do Sul), correu para um canto mais sossegado para arrancar os papéis e a fita do brinquedo.
Sabia que havia algo interessante, mas não o que era. Dez dedos vorazes e dois olhos curiosos trabalharam rapidamente para destruir o embrulho. Um carrinho chinês. De "flicção", segundo os amigos que correram para ver o que tinha nas mãos.
Sepezito vibrou com o carro, cujo modelo não reconhecia. Não sabia ler e também não permitiria que um dos moleques maiores o pegasse, com medo de perder o prêmio das duas horas de espera numa fila gigantesca.
O Laio ganhou uma boneca dentro da caixinha. Foi por ter pressa. A moça distribuía presentes femininos e os rapazes masculinos. Laio não ouviu as instruções e chorava com a imitação de Barbie na mão. Não queria aquilo. Queria barganhar com alguém. Mas os outros guris riam do pobre e faziam trejeitos para insinuarem que Laio era mulherzinha.
Tomado de raiva despedaçou a boneca e tacou fogo. Nem percebeu que a boneca era de plástico e acabou incendiando o barraco. Quando os outros moradores da favela viram correram em busca de água, mas não teve jeito.
A favela foi quase toda destruída. Algo em torno de 300 casas. A festa de Natal acabou com a vida de muitos.
Encontraram corpos carbonizados numas casas. Mendigos, que moravam num cómodo, embriagados ficaram esquecidos.
Sepezito ficou bem. Tinha uma tia no Partenon. Laio sumiu. Tinha medo que alguém descobrisse a bobagem. Foi morar no centro, com moleques de rua.