Que governo é este?
(para Affonso Romano de Sant Anna)
Uma coisa é povo e juramento,
Outra é promover derramamento.
Uma coisa é povo e bom intento,
Outra é espargir a cal ao vento.
Uma coisa é povo e crescimento,
Outra, aquilo detrás do escuro intento.
Com ideário, estive na vanguarda,
Surfando em libertários movimentos.
Em cada beco e esquina se plantava
A verde sementinha da esperança!
Sonhando um futuro igualitário
Semeado pelos pés de um roraimense!
Uma coisa é povo e juramento,
Outra é promover derramamento.
Uma coisa é povo e crescimento,
Outra aquilo detrás do escuro intento.
Eu deveria derribar de Voltaire¹
O virtuoso busto que herdei,
Negando a incorruptível ascendência?
Ou deveria praticar a cartilha
De patéticas hienas, doudejantes
Por plata, adoradoras de anhangá,
Numa grande cagada macuxi?!
Ou deveria, afinal, jejuar nas ruínas
Do sempiterno forte São Joaquim,
Palco de ensangüentadas dissensões
Com revel invasor, cuja história,
Com sangue do pioneiro, foi na pedra
Escrita, mas negada, e não seguida?!
Há 100 anos nós somos só figuras,
Há 100 anos sãos índios uns fantoches,
Há 100 anos nós temos coronéis
Que nos ditam as regras e destinos,
Há 100 anos não há outros papéis!
Mas se o povo é dado ao esquecimento,
Voltam em dobro a dor e sofrimento!
Armaram, nesses três últimos lustros
Os guichês: “nossa gente, nossa estrela”,
Que se está “melhorando e crescendo”,
Ou que “o futuro é agora”.; isso
Embora nosso índio ainda carregue
Nas costas a penúria e o migrante,
A mentira do reto comandante!
Mas se o povo é dado ao esquecimento,
Voltam em dobro a dor e sofrimento!
Povo não pode ser da fome a fome,
Povo não pode ser apenas voto,
Tem rosto, coração e largos sonhos.
Quer o povo o que lhe é de direito,
O povo quer tão pouco, quer sorrir!
Uma coisa é régio que não banque,
Outra é espargir a cal ao vento.
Outra é a voz lá do palanque,
Outra aquilo detrás do escuro intento...
¹Voltaire Pinto Ribeiro, norte e saudoso pai do autor.
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