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Contos-->Prelúdio -- 05/03/2003 - 21:35 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prelúdio.

São sempre assim essas histórias de abandono e solidão. O quarto vazio. O silêncio depois do silêncio. O cansaço. Essa escuridão espessa, densa, que quase pode ser sentida. A cadeira. O guarda-roupas. A cama vazia. A janela que dá para a rua. Os carros lá embaixo. As luzes. O outdoor de néon, um azul líquido, manchando tudo: o quarto, a vida, a escuridão e o silêncio. O quarto em desordem. Vazio. A noite soprando brisa lá fora. O café frio. Um verso de Lorca, falando no dia e na noite que não querem vir. O espelho quebrado. A palavra cindida. A noite cintilando sobre o néon azul que atravessa janela e desabriga o mundo. A solidão do quarto vazio, da alma vazia, do espelho partido e deserto. O cigarro esquecido no cinzeiro. A madrugada que pode dar em chuva ou em nada, tanto faz. Esse café frio sobre o criado-mudo antigo, de mogno muito escuro, ressentido. Esse peso no peito de carregar uma mulher, um passado, uma valsa dançada na calçada deserta de um domingo expectante de abril. A cama desolada. O quarto desolado. O vento rompendo os limites da janela, do corpo, da alma. A chuva irremediável. O casal andando devagar, os corpos molhados, as marcas da pele da jovem sob a camiseta branca. O beijo sob a luz-mercúrio de um poste, que reflete a chuva em um melancólico e impossível amarelo, quase vermelho. Um carro que passa apressado e joga a água das poças naqueles que se escondem sob a marquise do edifício em frente. Os palavrões. As pessoas que saem do cinema e abrem guarda-chuvas ou vestem compridas capas impermeáveis. O outdoor iluminado, que pisca num curto-circuito de néon azul e liquido. O rosto levemente iluminado, confundido na fumaça do cigarro. Alguma certa tristeza. A vida em desordem. Ella Fitzgerald murmurando Prelude to a Kiss. Um saxofone longínquo, improvável. As horas perdidas no relógio. O cinema que se apaga. Os automóveis que se vão. Sempre vão. E é inútil partir ou ficar. Ir é sempre intransitivo. A falta de saídas. De destino. A falta de lugares nesse mundo. Arrumar a cama, o quarto vazio, em desordem, as malas. Partir. Qualquer lugar que seja, não importa, partir ou ficar é a mesma coisa, a idêntica ilusão. A fila do cinema dispersa. Ella, pobre e triste Ella. O sorriso de quem se despede, de quem passa vida a dizer adeus. E não é mesmo isso, dizer adeus, o que conta? A chuva nos telhados vizinhos, lenta e melancólica. O casal sob a chuva. O amor que resiste ao fluxo irreprimível das águas. Tudo respira abandono e solidão. Essa solidão aquática. O néon azul. A vida para ser posta em ordem. O cinema fechado. A rua vazia. Ora ou outra tudo acaba irremediavelmente vazio. O quarto. A cama. O guarda-roupas. A janela. O outdoor de um néon azul. A rua lá embaixo. Prelude to a Kiss. O cinema fechado. A chuva amarelecida pela luz-mercúrio dos calçamentos agora vazios. Inútil. Cedo ou tarde tudo se esvazia. O quarto. A cama. O guarda-roupas. A vida. As palavras. O casal dançando uma melodia impossível, juntos, quase que fundidos sob a chuva que cai feito uma carícia. Sempre triste essas histórias de abandono e solidão. A rua lá embaixo. Os telhados vizinhos. Melhor descansar. Mais tarde, é só o vôo-pássaro, cego, sem destino.
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