Conheci o Lira (Ele não me autoriza que o trate por Senhor) por mero acaso e progressiva aproximação, no mais heterogéneo ambiente nocturno do burgo tripeiro, o Big Ben, um restaurante onde os extremos da escala social se tocam e convivem indiferentemente. Tudo, desde o mais inconcebível dos indivíduos até ao insuspeito exemplar humano, se acotovela e abanca lado a lado, ora entre catadupas de copos, ora em ceias de variada ementa em quantidade e qualidade. Bebe-se, come-se e por aí se promove e à s vezes alcança satisfação para as mais elementares e urgentes necessidades. Os bons sentimentos raramente se põem à mesa. Seria uma gafe imperdoável acreditar em boas intenções, ainda que uma vez por outra se ofenda uma alma inocente.
O Lira não carece de premeditado elogio social. Ele é plenamente um "bon vivant" de aparência desorganizadamente bem organizada e à medida de passar incólume entre o bom e o mau, sábio da realidade, poeta sem regra arcaica, dominador absoluto da excelente forma de estar, falar e conviver sem fronteiras, agradável, mesmo que o alcóol suba além do entendimento comum. Trata seja quem for com deferência e o mesmo delicado esmero e respeito. O vagabundo sem eira nem beira e a prostituta merecem-lhe reconhecida humanidade.
O Lira provém de família distinta e com pergaminhos. No entanto, revela-se um imediato anarquista face à hipocrisia poderosa dos que no habitual "em nome de" subvertem e marginalizam deveras a existência doutrém. O Lira é irmão na mais àmpla das dimensões. Daí advenha talvez a simpatia que nos envolve nas "Conversas da noite".
Os apetites, a arte de bem comer e beber com profundo conhecimento e saber, o gozo, o prazer de orgasmar "comm il faut" o paladar, será a constante que abordaremos e vamos procurar desenvolver próximamente em primeira conversa nocturna.
À simpática e aplionasmante Notívaga Noturna exponho desde já o convite: anda daí, miúda brasuca, conviver connosco. Garanto-te noivo ideal para a tua poesia.
Os cheiros de minha mãe
Que me deixou ao partir
São meu querido cheira-bem
Enquanto a luz os parir!