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Contos-->O prédio em que trabalho -- 07/03/2003 - 21:33 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O prédio em que trabalho divisa com um lote utilizado para depósito de sucatas de lojas do shopping. Da minha sala dá para ver as coisas bizarras que lá depositam. As mais intrigantes são as partes de corpos dos manequins de plásticos. Estão amontoados num canto. A maioria é composta de troncos. Algumas partes têm pedaços de membros. Umas têm os músculos ressaltados e outras os seios bem salientes e encorpados. Estão ali ajuntados de uma maneira bem insólita. Brancos e desfigurados já estão quase cobertos pelo capim-elefante. Em torno deles, tubos, betoneiras, latões, ferros retorcidos e plantas ornamentais recusadas pelo controle de qualidade. Vejo-os da primeira sala, da segunda e, estando de costa, refletidos na vidraça à minha frente. Tento ver neles apenas um quadro surrealista. No amontoado de partes, não há cabeça e nem membros. Entretanto, aquela sucata insiste em ser corpos de gente partidos ao meio numa atitude e postura como se eu fosse culpado de tudo.
Herbert era o mais completo. Tinha apenas o tronco e as pernas cortadas pouco acima do joelho. De tanto ser observado, também estava incomodado , então ele me argüiu:
“Por que te preocupas comigo? Por acaso, você que me olha, é feliz? Deveras feliz? Desconfio que o seu coração sofre de embolia sentimental. Percebo que na maioria dos textos que escreves, notadamente neste ano, está presente a inquietação. Não sabe se fica com a Arcádia ou se alia aos americanos para juntar os cacos das torres gêmeas, destruídas no setembro do ano passado. O mundo está sempre a lhe parecer pequeno de sentido. Não se preocupe comigo. O meu corpo é um vácuo por natureza. Nada pulsa. Estou preparado para perder o que resta das minhas pernas. Você sem perna se sentiria infeliz. Eu, se não sou feliz, não sou infeliz”.
Do tronco de Rebeca sobressai apenas um pedaço do pescoço já perfurado e, naturalmente, os seios belamente modelados. Animada pelo companheiro Herbert, ela insiste na pergunta: “Diga-me com sinceridade! Você é mesmo feliz? Sei que vives de fases. Sei que com este texto encerras uma série de textos escritos no ano de 2002. Fizeste vários questionamentos e adentraste por querelas da mente apenas por sentimento, por intuição, quero dizer, pela inquietude. Parece-me que é a única coisa que te move e moveu neste ano que se acaba. Sei, você quer saber qual o sentido do homem, hoje, não é mesmo? Vinte horas na estrada sentado na poltrona de um caminhão, cozinhando os rins. Dez horas no ar, pilotando um avião; vinte e quatro horas vigiando uma casa em construção. Tijolos, ferros, argamassa, o piso e o teto. Uma vez pago para isso, escapa-lhe a oportunidade de pensar. É preciso mais sentido para esse sistema que é o capitalismo. A globalização abriu fronteiras mas paradoxalmente diminuiu o mundo. O mundo dos inseridos e o dos excluídos. Fizeram do homem um dos motores do motor, e só. Queres saber qual o sentido da tecnologia se ela, do ponto de vista físico, prolongou o corpo no espaço, mas diminuiu o espaço da mente? Já vais dizer que ainda sentes o gosto do peru do natal passado. Nós, enquanto mera sucata, estamos aqui, parados. O tempo fluindo manso. O que nos move é um desastrado homem, o vento ou a chuva quando, muito forte”
Henri, pelo tronco, apresenta-se jovial e, com apenas um pescoço longo e fino, tem jeito de contestador: “Sei que nos observas pretexto de escrever algumas linhas. Escrever o que sobre nós, se não temos boca para falar, ouvidos para ouvir, olhos para ler? Se não choramos, se não rimos e se tudo o que, por hipótese, agora expomos ou contestamos é fruto de sua própria imaginação. Se você quiser dizer que sou um pedaço de manequim negro ou branco, que diferença faz; maluco ou comportado, inteligente ou medíocre, que diferença faz... Que servimos apenas a quem tem posses. É, eu sei... O que escrever sobre quem não tem coração se sei que escreves, muitas vezes, com o coração? Andaste a ler Machado e entre outros Calvino. Tu te encantaste com o equilibro do primeiro e a perspicácia do segundo, mas apenas isso. Perto deles, és apenas um expectador. Machado se regozija por não ter legado as penúrias de sua época à posterioridade. Por que estais sempre a tirar casca da ferida. Calvino, a meu ver, realista, como costumam dizer, gostava de tirar “água da pedra”. É muita pretensão sua querer tirar o nada do nada.
Não deboche de nós, disse Raísa, uma manequim, de apenas tronco e com a costa perfurada por estilhaço de fuzil. Sim! Numa noite dessas, lá se escondeu um foragido da lei. A polícia tem balas para repor. Atiraram a esmo. Daí, por esse buraco que vês passam ratos. A composição química dos homens, quero dizer, "em cerca de 30 mil genes de ambos, 99% deles são idênticos nas duas espécies". Estais - tu - mais próximo deles do que nós. Diferes, para valer, apenas na compleição física e espiritual. Aliás, no modo de agir, segundo os costumes, há uma certa aproximação. Quem não gosta de queijo roubado? Queres transformar o mundo e não passas do ridículo. Estás preso a vários conceitos que, por sua vez, ficam guardados nas gavetas da mente. Daí, não me admira que fiques maluco. Criaste um cárcere pior do que a masmorra. Livre, andando por ai, de carro, à pé, enfim; com toda a liberdade de, como manda a constituição, ir e vir, és um preso de si mesmo. Se cobra, se debate, se questiona, se ilude e desilude. Não nos julgue sermos o lixo do mundo, a população do imundo. É! Reescreverás isso sentado à uma mesa que dá uma linda vista da cidade, composta pelos arranha-céus harmonizados com a colina como se avistasse um Sputnik e na vértice a morada dos seus sonhos. Um prédio em estilo mediterrâneo cor de lótus. Lá vivem os grandes homens, os políticos, os financistas e senão, os herdeiros. E, a considerar a estação do ano, o céu estará limpo, as nuvens claras e logo vai dar início a uma chuva mansa que esperas com prazer, mas que logo começa a te corroer como se fosse uma chuva de ácido, se leve; se pesada, de estanho quente. Algo assim, como uma incompletude. Escorarás o cotovelo na mesa, escarafruncharás a tua barba rala, pequena e curta, implicarás com as pessoas que tomam banho, observarás os que estão só a beber e notarás e criticarás, embora pratiques, esse hábito fútil. És, realmente, movido pela incompletude. Talvez, deveras fosse feliz se fosses tronco sem cabeça e sem membros, porque, para nós, não há a infelicidade.
Harvey, um clone de Herbert, se diferenciava por um X em grande escala, escrito em sua costa. Era uma espécie de tatuagem. Iniciou a fala de maneira mas contemplativa e cordata. Não tomou meu partido mais veio com argumentos para justificar a minha atitude escritural. Disse: “Andastes a ler, em relação a antes, muita coisa nestes últimos quatro anos. Acaba-se lendo muita coisa ruim, mas lê-se articuladores de primeira, muita gente do balacobaco e a gente acaba não entendendo muito. Às vezes, também, a memória trai. Ficamos com as conclusões próprias. Já sei! Andaste lendo a introdução de um artigo escrito por Jean-Luc Nacy, filósofo francês, publicado no caderno mais! Folha de S.Paulo, não é mesmo? Só pela introdução, imagino que parou por ai, pudeste constatar que a questão levantada era a deterioração do mundo e a questão do imundo. Sacana, interrompeste a leitura e ficastes a colocar em nossa boca, que não existe, as possíveis palavras de Nacy. Ficastes crente que Nacy proporia algo como passar um borracha no mundo. Apagar tudo, voltar a estaca zero, ao nada e tomar outro caminho. Rasgar a Bíblia, andar descalços e proibir a cesariana. Ficar parado. Não interferir, deixar as coisas acontecerem, deixar que o vento modele a pedra que o barro dê forma ao verme; que o homem se redescubra. Deixar a natureza agir por si só. Na medida em que o homem interfere no mundo, ele não é mais mundo. Um abalo sísmico, próprio do mundo, um vez acontecido e não previsto, é uma deficiência do homem. O homem é o mundo. Olhe! Pressinto que a piscina está límpida. O zelador tirou as folhas das árvores e os papéis de picolé que nela se juntaram. Dentro dela estão as crianças, que são a garantia do nosso mundo imundo. Ressentem-se de uma descoberta sensacional, equivalente a descoberta do telefone, como por exemplo, a tele transportação de si próprio. É certo que a penicilina aumentou a expectativa de vida. Porém, se não se morre mais por coisas banais, morre-se por intermédio de homens banais. Se há algo que pode curar o coração, como por exemplo uma religião oriental, ocidental, etc. etc. contudo, estas não foram suficientes para tirar a poeira do coração doente, que sente falta do que não se sabe. Nem o prozac deu conta de resolver essa questão. Porque se resolvesse, nada do que aqui escreves, através de minha fala, colocada na minha boca, por você, seria escrito agora. Por exemplo: tens plena consciência da possibilidade de ser abordado por um assaltante e ser morto com um tiro seco, como o meu companheiro Harvey, que levou tiro de fuzil. Mas Harvey não morre, posto que nunca foi vivo. Sabia que morrer passou a ser questão puramente de estatística para vocês? Este um fato é real. E ai, se você dizer que isso sempre existiu, é pura mentira. Houve épocas em o que se via nas madrugadas eram as sonolentas éguas. Hoje mal saias de casa. Como é que vou educar crianças? - indagas. Como dar a liberdade, se ela não existe. As crianças não babam, são belas e sadias, mas sofrem de incompletude. Escreve ai para acabar com esse assunto: “O movimento infinito da ciência pertence a esse espaço, ao ilimitado. Não há limite para o saber, para a arte, para a potência do homem, mas também não há limite para a sua infelicidade”. Assim escreveu Nacy. Concluo que Rebeca, Herbet, Henri, Raísa, eu e os demais, que nada falaram, incompletos, somos mais completos do que você, porque não pertencemos ao seu mundo, ou se pertencemos, pertencemos apenas como idéia.
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