Não é de hoje que a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
chama a atenção para as tentativas de interferência política em nosso trabalho e,
por consequência, nas operações que na última década vêm mudando a cara do Brasil,
como a Lava Jato e a Zelotes.
O assunto ganhou novo fôlego após a revelação de declarações do senador afastado
Aécio Neves (PSDB-MG), gravadas pelo empresário e delator Joesley Batista, nas
quais o parlamentar deixa explícita a intenção de promover articulação política
a fim de intervir na Polícia Federal.
No diálogo, o agora afastado presidente do PSDB critica o ex-ministro da Justiça,
Osmar Serraglio, e a falta de ingerência na distribuição dos inquéritos da Lava Jato.
"Porque aí mexia na PF", afirmou Aécio, demonstrando preocupação com os rumos
e o alcance da maior operação do país contra a corrupção e o crime organizado.
Assim como o senador mineiro, outros protagonistas do mundo político já foram flagrados em
conversas similares, discutindo nomeações ou arquitetando formas de afetar as forças policiais.
No início do ano passado, por exemplo, José Eduardo Cardozo deixou o cargo
de ministro da Justiça alegando ter sofrido pressão política para frear a Lava Jato.
Cardozo permaneceu no cargo pouco mais de cinco anos. Foi o ministro mais longevo
da pasta durante o período democrático. Hoje pesa contra ele a suspeita de que teria
repassado informações confidenciais sobre operações da PF.
Em 2016, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), então ministro do Planejamento,
sugeriu, em outro diálogo gravado tornado público, a construção de um pacto nacional
para "estancar a sangria" representada pela Lava Jato. Deixou o posto uma semana
e meia após ser nomeado.
Combatidas com veemência pelos delegados federais, essas e outras iniciativas, ao
ganharem a luz do dia, acabaram interrompidas pela enorme pressão da opinião pública.
No entanto, elas expõem um cenário extremamente preocupante de fragilidade institucional
da Polícia Federal, diante da força de personagens vinculados ao crime organizado e ligados
ao alto escalão do governo.
Tais fatos apenas reafirmam a urgência na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 412/2009, que consolida a autonomia funcional, administrativa e orçamentária da PF.
Adormecido na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o projeto altera
o artigo 144 da Constituição Federal com o objetivo de garantir maior independência, melhorar
a gestão interna e reverter o processo de desmonte imposto à instituição nos últimos anos.
Não é admissível que a Polícia Federal -um órgão de Estado, sem alinhamento a governos
ou governantes- ainda hoje possa estar sujeita a eventuais desmandos de um ministro
da Justiça nomeado conforme interesses políticos da ocasião.
O projeto também visa garantir o mandato de três anos para o diretor-geral da instituição, com possibilidade
de uma recondução, a fim de evitar sua demissão do posto caso a atuação da polícia desagrade aos governantes.
Apesar da escassez de recursos materiais, da falta de pessoal e dos sucessivos cortes orçamentários,
os delegados federais continuarão a luta para salvaguardar a independência de suas investigações.
De toda maneira, é fundamental que a sociedade brasileira e os parlamentares se engajem nesse objetivo.
A PF é uma polícia de Estado, e não de governo. É um patrimônio do povo brasileiro que deve ser protegido por todos.