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Contos-->O PRIMEIRO PINGO D ÁGUA -- 09/03/2003 - 11:20 (Maurício Apolinário) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O primeiro pingo d’água
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Zombava da vida como quem chuta uma lata vazia pelas ruas. Sim... a vida era isso mesmo. Um quê de quase inexistência a vagar aos pontapés. Fazer o quê, se o valor das coisas superava o seu próprio eu? E de nada adiantava lutar pela sobrevivência sadia, pois sentia-se inconsciente de si mesmo. Tornou-se um trapo de nada, menos que o resto de um tudo já vivido... Perambulava.
Nascera ali mesmo, sob um teto de classe média, e fora criado aos mimos e entre um luxo repugnante. Era o príncipe daquele lar, se é que assim podia ser chamado.
E foi arrastando o pó das ruas nas precatas velhas que chegou diante do cemitério. Portões abertos, um jeito triste de solidão e um vazio profundo em cada túmulo, em cada imagem de santo, e até nas folhas dos coqueiros que farfalhavam ao vento daquela tarde de setembro. Entrou. O ar fúnebre penetrava pelas suas narinas, percorria os pulmões, parando na cabeça, entontecendo-o igual cachaça barata. As pernas o arrastaram até um túmulo abandonado, todo verde de lodo, até parecendo um pontinho de esperança. (Não conseguia entender por que havia tanta gente que gostava de visitar cemitério.)
Sentado num canto, tal qual uma criança desamparada, começou a balbuciar um punhado de angústia, que até agora guardara só para si. Falava com a lápide como se falasse com alguém. Um morto vivo no meio dos mortos.
- Não trouxe nada pra você porque estou sem dinheiro. Sei que adora aquele doce de goiaba, mas...
Passou as mãos pela barba e sorriu com os lábios, sem sorrir com os olhos sem brilho, parecendo olhos de um louco. Se é que já não o era.
- Tudo isso é falta de dinheiro. Sei que você nunca gostou de me ver assim, mas não há outro jeito... Lembra-se do dia do meu aniversário? Você pediu que eu fizesse a barba para aparentar mais novo. Não deixava de ter razão. Aliás, sempre teve razão em tudo... Hoje eu reconheço isso...
Nova pausa.
E desta vez as lágrimas desceram.
- Estou parecendo um bobo... Não repare. É que fiquei emocionado.
Pôs-se de pé e acendeu um toco de cigarro. Deu uma baforada para ver se espantava o nó da garganta, de nada adiantando.
- Feliz é você que vive no paraíso. Aqui a gente só faz sofrer.
Até o céu daquele lugar parecia nefasto. Uma solitude infinita de um seja o que Deus quiser. E o vento a balouçar as folhas dos coqueiros, fazendo um ruído triste e insistente. Era o céu que se tornava fechado, escuro, roncando nas massas plúmbeas e elétricas. Caiu o primeiro pingo d’água.
- O céu tem pena de mim. Veja como ele se entristece.
O pó levantou-se com fúria e rodopiou pelo cemitério inteiro. Clarões resplandeciam do alto, soltando faíscas.
- Um dia, e creio que não tardará, nos encontraremos novamente, minha querida. Meu fim também está próximo. E poderemos sorrir. Sempre fiz você chorar... Só nós dois, e a criancinha que não pode ver a lua cá de fora. Tenho muitos planos, sabe? Não tenho dinheiro, não tenho casa, roupa, mas tenho uma vontade imensa de lhe pedir perdão. Falaram-me um dia desses de um Deus de perdão. Se der tempo, vou querer conhecer esse Deus que perdoa. Tenho ódio de mim por ter feito você sofrer tanto na vida.
E a chuva caía já forte, doendo nas costas, fria como os olhos de quem odeia. Relâmpagos e raios e raiva.
- Espere por mim, que nunca me esqueci de você...
Foi então que um raio cortou o espaço e atingiu aquele pontinho verde, alçando em sono profundo o andarilho louco. E lá ficou, estendido sobre o túmulo da mãe, tendo ao seu redor a chuva fria e o abandono do cemitério. Ninguém chorou por ele. Só o céu com sua infinita bondade.
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