No céu, nuvens escuras; no campo, chuva leve que cai e sem querer molha a menina. Ela corre pelos prados, os cabelos soltos , lábios cerrados, olhos úmidos. Corre veloz como que para esquecer a mágoa.
É Natal! Clara, de quatro anos e sua irmã de cinco, acordaram, tendo cada uma ao canto da cama, uma boneca. A de Clara é morena como ela própria, a de Stefânia, branca.
São duas meninas e duas bonecas. Clara está triste, queria uma boneca, mas sente "claramente" o preconceito da mãe, branca, que vive dizendo:-Ela puxou ao pai, é morena como ele, não sei como fui casar com este homem, devia ter casado com aquele sitiante branco, ou ter ido para o convento.
Stefânia, cuidadosamente passeia com a boneca, impecável. Clara, logo decide atender à sua curiosidade e abre a cabeça da boneca, arrancando--lhe os olhos. A mãe, furiosa, conserta como pode e acrescenta:
- Ainda bem que a da sua irmã é branca como ela, senão ia confundir com a sua que já está um lixo.
Clara sofre. Ela é linda, morena, olhos negros como a noite, cabelos lisos como o riacho solto entre as pedras rústicas, mas lhe ensinam que o belo é claro e ela, Clara, é morena.
Cai a noite, o pai volta do trabalho de retireiro na fazenda e Clara aconchega-se a ele, abraçada à boneca, os tres morenos como se fizessem parte de um mundo só deles, repleto de aceitação e ternura.
A menina dorme no colo do pai e ao ser colocada na cama abre de repente os olhos e diz:
- Pai, barreei aquela Nossa Senhora das Graças que vovó me deu. Agora ela está como eu...morena. O Pai olha para o oratório e exclama:
-Está linda, linda como você, Clara Morena.
Maria Helena
|