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Contos-->MORTE NO CIRCO (cap. 1) -- 21/08/2000 - 01:29 (José Renato Cação Cambraia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(MICROSSÉRIE EM DOIS CAPÍTULOS)
CAPÍTULO 1

Tudo que Elvira, a mulher gorila, queria era que Astor, o trapezista, pelo menos olhasse para ela. Não que ela fosse feia. Pelo contrário, sua transformação atraía muitos marmanjos, que certamente não pagavam o ingresso para verem os pêlos que brotavam da sua pele. Já havia recebido várias propostas de namoro sério e até de casamento, mas nunca cogitou abandonar o circo, pois foi ali que aprendera tudo com sua mãe, Mirna, a mulher vampira, desde o truque da transformação até como ser uma boa mãe, tarefa que exercitava apenas com sua imaginação e seu coração. Passava todas as manhãs na porta de sua barraca de plástico vermelho e quente como uma sauna, abanando-se com um leque com motivos orientais que herdara da velha vampira, olhando para o hábil e másculo Astor, galã e líder do grupo Spiro de trapezistas. Eram cinco no grupo, três homens e duas mulheres, e o único solteiro era Astor, que tinha consciência da atração que provocava nas fêmeas em geral, principalmente quando voava como um super-homem entre um trapézio e outro. Lá de cima, Astor observava a mercadoria presente no circo, apartando mentalmente as garotas que vão procurando a mágica e as palhaçadas, das que vão atrás de uma aventura. E, dessas últimas, havia muitas, que Astor aprendeu a reconhecer apenas com um olhar. Terminava seu número e só era visto novamente na apresentação final, quando todos os artistas se despedem do respeitável público. Depois disso, voltava a sumir para dentro de seu “love trayller”, como ele mesmo chamava. Aliás, dizem que seu trayller era equipado com um pequeno trapézio e uma cama elástica, mas o que exatamente acontecia lá dentro, ninguém sabia, exceto ele e suas garotas. Elvira, sempre atenta, sabia de todas as que se deitavam com o ás do trapézio, pois Astor era extremamente metódico e procedia sempre do mesmo modo: semeava durante a tarde, exibindo-se quando o circo era aberto para os curiosos observarem os treinos, deixando sempre três ou quatro opções para a colheita da noite. Mas o que não sabia é que tudo o que fazia estava sempre sob o olhar atento e dissimulado de Elvira, a mulher gorila.
Anos se passaram, quilômetros eles rodaram, infinitas cidades visitaram, sempre repetindo a mesma rotina caótica do circo. Ela se abanando durante o dia e se transformando em gorila à noite, enquanto imaginava, mordendo-se de inveja e ciúme, as cenas picantes entre Astor e suas fãs. Claro que Astor também fazia sucesso entre as próprias garotas da trupe. Já havia passado pelo love trayller desde Sheila, a engolidora de espada, que hoje é casada com o mágico mexicano Velázquez, até a Tulipa, esposa do Piteira, apresentador e proprietário do “Gran Circo Lunar”, nome dado por seu pai quando o comprou de um paraguaio no mesmo dia em que os americanos pisaram na lua . Astor parou de sair com as garotas do circo quando foi flagrado em plena ação com Neusinha, esposa do Piroca, um dos palhaços. Piroca se encheu de fúria e partiu para cima de Astor com um canivete, gritando “você pensa que sou palhaço?”. Se Astor não desse um salto de extrema habilidade, virando uma pirueta mortal de costas, a lâmina teria atingido seu estômago, mas ao invés disso, cortou-lhe somente um bife do braço esquerdo. Depois do ocorrido, Piteira decidiu mandar o velho palhaço embora, mantendo no circo o intrépido trapezista. No lugar de Piroca, foi contratado o palhaço Zarobe, o caolho, cuja mulher era tão feia que na época se sugeriu que ela fosse exibida como aberração genética. Mas descobriram então que Guta (esse era seu nome) cozinhava tão bem, mas tão bem, que ninguém do circo nunca mais conseguiu comer outra coisa que não fosse feita por ela. Quando Guta morreu, muitos anos depois, todos tiveram que ser internados, pois nada que pusessem na boca parava no estômago, e isso durou semanas. Húmber, africano e homem mais forte do mundo, morreu de inanição, e foi enterrado completamente seco, usando somente sua sunga de couro de tigre, conforme ele mesmo pediu no testamento. Enquanto viva, Guta se tornou Mamãe Guta, um oráculo do circo, visitada por todos que procuravam respostas e conselhos devido à sua clarividência e sabedoria. Vinham atrás também de suas receitas bruxescas de remédio, como seu chá de casca de ovo de pata com formigas e alecrim para curar dor de barriga, de cabeça, torcicolo e mau-olhado, ou suas simpatias para arranjar marido, noiva ou dinheiro.
Apesar de todos saberem da grande paixão que Elvira nutria por Astor, ela nunca conversou com ninguém sobre o assunto, nem mesmo com a Mamãe Guta, que, durante o almoço, olhava para ela com olhar inquisidor, como que perguntasse “você não vai me contar por que sofre tanto?”, porém ela mesma já sabendo a resposta na ponta da língua: “porque eu amo quem não me ama”, e então ela diria “quem tu ama não ama ninguém, só a si mesmo”. Guta julgava que seu conselho terminaria ali, mas ela desconfiava que Elvira diria “então pra mim já não há mais motivo para viver” e então arranjaria um meio dramático para se matar, e por isso foi que ela nunca perguntou nada. Mas perguntou a Astor o porquê da falta de interesse da parte dele em tão bela jovem. Astor, nervosamente envergonhado, disse ter visto certa vez a apresentação de Elvira, e a partir daí adquirira uma inexplicável rejeição à moça, pois quando se imaginava beijando-a, sentia o contato dos lábios de um gorila. “Coisa de pele”, disse.
Quando chegaram na pequena cidade de Alumeira, encontraram um inverno como há muito não se via, nem mesmo nas secas planícies de Santálvarez, e todos temiam que o grande espetáculo da Terra fosse paralisado devido à falta de espectadores, pois naquele frio não havia quem se dispusesse a botar o nariz para fora de casa. Mas, apesar do movimento ter sido fraco na primeira apresentação, os espectadores pareciam entusiasmados, pois conforme vieram a saber depois, há muito tempo que não se via na cidade uma festa, e ao perguntarem o porquê de tal ingrato jejum, receberam a resposta “desde o assassinato de Pedro Carlota”. O Carlota era um filho de comerciantes locais, boa-praça e amigo de todos, nunca teve um inimigo sequer, e certa manhã foi encontrado morto a facadas na praça da Matriz, crime brutal que aconteceu há dois anos atrás, chocando os moradores da pequena cidade e permanecendo um mistério até hoje, sem que o delegado Hildo Nunes conseguisse uma pista ou sequer um motivo razoável para tal atrocidade (se é que há algum motivo razoável para um assassinato).
Na segunda noite de espetáculo, no sábado, praticamente toda a cidade foi até o grande terreno onde estavam os grandes artistas e os exóticos animais, e todos presenciaram uma das mais belas apresentações do Gran Circo Lunar, numa noite perfeita: os movimentos precisos dos trapezistas e os ais! dos sustos, as mágicas de Velázquez arrancando ohs!, a bela e fera Elvira, as palhaçadas comandadas por Zarobe, e todos os outros artistas, que sentiram como há muito não sentiam que o que faziam era a mais pura arte, quando o faziam com harmonia. Todos dormiram tarde naquela noite, celebrando com muita alegria. Mas a alegria só durou até as primeiras horas da manhã, quando todos já se encontravam para os ensaios diários e notaram que Astor ainda não havia se levantado. Gélber, o trapezista mais velho, empurrou a porta do trayller, que não estava trancada, e então a luz entrou e iluminou o rosto inerte de Astor, deitado em sua cama elástica numa poça enorme de sangue. .


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