Umbral da noite.
Penumbra.
Tal qual longa oração,
imersa em melancolia,
inda ouço o acorde insistente,
impresso na melodia
forte, marcante, pungente,
do qual jamais me esqueci,
de Gomes: O Guarani!
A inquietante harmonia,
no “chiante” rádio de pilha,
trouxe-me a lembrança do dia
em que à imposição resisti!
Ainda eu tão menina,
criança então pequenina,
calei a voz forte e sem cortes
e os ditos impessoais e frios
do homem que derramava,
enfadonha e sinistra:
A Hora do Brasil!
Desvestida de fantasia,
com tão pouca idade,
do país, não tinha vontade.
Entendia que meu coração infante,
num dia, mais adiante,
iria empobrecer.
Já pressentia o futuro,
ali ao alcance das mãos,
mas o via pintado de escuro,
inanimado, imaturo,
sem meta, sem direção.
Se o amanhã inda será,
hoje já é o presente
e do passado agora
sinto o sabor, novamente,
pois no mesmo rádio de pilha,
à mesma hora ouvi,
do homem que tinha voz forte,
o anúncio da própria morte,
na mudez do Guarani.