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Contos-->Carta à Europa nos idos de 1800 -- 23/08/2000 - 01:56 (Guilherme Gouvea) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Da primeira vez que fui à Santa Catarina, no chutado ano de 1807, avistamos da embarcação o estreito cercado de verde, poucas léguas distante da ilha também encantada. Em certos pontos, menos de meia milha, o que aguça o espirito aventureiro a enfrentar, nadando, de um lado ao outro, águas tão límpidas. E durante toda a viagem as pequenas ilhas distraía-nos do infinito marítimo.
Em terra firme, aproximadas 6 mil pessoas habitam a cidade, com muitas ruas e montanhas que possibilitam panorâmicas observações. Inclusive da bela catedral. Distingue-se facilmente os ingleses dos demais moradores pelos hábitos e casas, na sua maioria de bela faixadas e piso superior, com jardim bem-tratado, inclusive.
A população produz tudo, e quase tudo consome: arroz, linho, açúcar, farinha, batatas e carne de qualidade semelhante à Montevidéu, mas está longe da riqueza. Encontramos uma argila vermelha de melhor qualidade, que transformadas em Jarros e outros utensílios são exportadas para o Prata e o Rio de Janeiro.
As terras estão cada vez mais cultiváveis à medida que a madeira fica escassa, tomando forma de embarcações. Reunindo os distritos vizinhos, que também cortam madeira e somam, juntos, mais de 30 mil habitantes, o comércio, ainda assim, não evolui, sendo o local bom para negociantes desligados da função, pois a animação do lugar é garantida pela flutuante passagem de embarcações de Pernambuco, Bahia e outros portos, destinados ao Prata.
Algumas fortalezas protegem este lugar, e para atravessá-las o navio manda primeiro um bote comunicar sua passagem. E desta maneira vive tranqüila a cidade - pelo que me recordo do ano de 1807 - não procurando largar o entretenimento para aprimorar técnicas em busca de fortunas.
O verde continua exuberante quando retorno, sete anos depois, e a população cresceu, muito pela vinda dos imigrantes espanhóis. Acredita-se quase 10 mil e 200 pessoas, dentre elas 4 mil afros, neste ano de 1814, morarem aqui na Ilha de Santa Catarina. Os negros africanos, na sua maioria convertidos ao cristianismo por seus proprietários, vivem melhor do que em qualquer outra colônia já visitada por mim, na Europa ou Índias Ocidentais, e levam São Benedito como salvador.
O Palácio do Governador fica bem situado, e lá, encontra-se de tudo o que há de melhor produzido aqui e vindo da Europa. Portugal poderia olhar com mais paixão para essas terras produtivas e não deixá-las à livre exploração e comércio apenas do Rio de Janeiro, pois apesar das precárias condições de comércio o povo vive com certo conforto, e poderia afortunar-se facilmente caso abrissem as fronteiras.
Tudo é muito barato, e compra-se tudo com quase nada. Algodão, pato, porco, boi-de-corte, cebolas, açúcar, milho indiano, run, mandioca, café, bananas, arroz, limões, abóboras, peru e mais uma infinidade de produtos. O peixe está a mesa da maioria da população, pois é encontrado em abundância tamanha que não faltam espécies por mim até então desconhecidas.
As presas maravilhosas do lugar, seus pássaros, plantas como o jasmim, rosa e cravo, e este povo alegre, me seguram desde a primeira vinda, em 1807, e lá se vão 18 anos que sempre retorno na primeira possibilidade. Porém desta vez decido ficar, numa casa de três pisos em meio à cidade, de cor esverdeada e janelas brancas, com eira, beira e ribeira.
Dos hábitos o que mais agradou-me foi a pesca e seus predadores, me forçando a abandonar tal casa e morar junto de uma vila, afastada do centro, por pelo menos metade da semana, vislumbrando acompanhar mais de perto suas vidas. Escritor que sou, não sobrevivia da pesca, mas em narrar suas vidas em intermináveis cartas à Europa, e assim o faço até os dias de hoje.
Os pescadores, de duas a três vezes por semana, viajavam para outras vilas fazendo, além do comércio, amizades com outras colonizações. Numa dessas viagens convidaram um grupo de jovens alemães, que montados à cavalo foram à baía fugindo do cotidiano. Lá chegados param na primeira cabana avistada, morada pelo tal filho do pescador que lhes convidara. Foram surpreendidos com a hospitalidade do casal, ela grávida, já em estado avançado, cozinhando os peixes e ele acordando a vila para o improvisado baile.
Foi derramada muita cachaça até que trocassem prosas entre si. Os alemães, outrora únicos falantes na roda cantante, avermelharam-se diante das ousadas filhas de pescadores e outras raparigas dançantes, ao som de um velho mandolim francês - que tentara acompanhar a cantoria. Mas o sol nasceu sem que os alemães suportassem a festa que tinha como desculpa suas nobres presenças, espalhados numa cama de casal em meio à confusão.
O barulho das palmas e das vozes harmônicas despertaram os alemães, logo cedo, que viram a festa acontecer até a hora do almoço, que já sabiam ser constituído de peixes. Assim o jantar e a ceia, dividindo os pescadores o pouco que tinham com um prazer notável aos hóspedes. Inclusive ouvia-se dos cicerones que se precisassem de algo que não houvesse ali era pedir que dariam um jeito de pegar nas comunidades vizinhas.
Antes que partissem sem encontrar o que procuravam, o tal pescador que lhes convidara a penetrar em tamanho exótico paraíso, chega. O velho era pai de quase todos e veio cercado de raparigas, com fitas coloridas e sedentas ao bacanal que recomeça agora, impedindo-me de continuar esta história.


Guilherme Gouvêa
texto baseado nas cartas de Seidler (1825), John Mawe (1807) e Vaey Lisiansky (1814), narrando a Ilha de Santa Catarina.


Essas ilhas curvas que despidas me causam cinza. Hoje suas alturas são mortas, embora comportem vidas. Essas, por sua vez, sobrevivem e já não dançam suas danças. Hoje as cores são marcas, e não encontro tucanos, corais e lagostas. Sobrou a cachaça, que também não sei quem faz.


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